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2 A ASCENSÃO DA “ESQUERDA DEMOCRÁTICA” NO CONTEXTO DE CRISE DO

2.2 A ASCENSÃO DE UM PROJETO DE CONCILIAÇÃO DE CLASSE PROTAGONIZADO

2.2.3 Os paradoxos da democracia: necessidade e limite

O processo de formação da “esquerda democrática” teve como solo intelectual um período de consagração à contraposição ao marxismo e às sociedades pós-capitalistas, comumente designadas pela expressão - países do “socialismo real”. Assim, a “esquerda democrática” estruturou sua concepção de democracia sob dois pilares: (1) a crítica ao suposto “socialismo real” e ao marxismo, identificados como sistemas totalitários e (2) a necessidade de descoberta, do que poderíamos chamar, de as virtudes do liberalismo.

Na perspectiva de “reinventar a democracia”, o pensamento da “esquerda democrática” atualizou o antigo debate entre liberais e marxistas, trazendo, para o centro das reflexões, os dilemas da relação entre o socialismo e a democracia. Tratava-se de identificar se o socialismo era ou não compatível com a democracia124. Como já foi dito, num contexto após as experiências

124 Diferentes autores, em conjunturas distintas, produziram argumentos para problematizar tal questão. Não pretendo

percorrer, aqui, esta complexa trajetória, mas apresentar considerações sobre alguns dilemas que o tema da democracia sugere. Cf. (CHASIN, 1984); (LEFORT, 1987); (BOBBIO,1989); (NETTO, 1990); (COUTINHO, 1992 e 2000); (TONET, 1995); (GUIMARÃES, 1998) e (WOOD, 2003) etc.

nazistas, stalinistas e as ditaduras militares na América Latina, o Estado de direito assumiu importância fundamental.

Do nosso ponto de vista, isto veio confirmar que a valorização, defesa e objetivação da democracia estão condicionadas pelas determinações mais gerais da sociabilidade em cada momento histórico. Nosso entendimento é de que as práticas democráticas e os institutos da democracia política, a depender da direção que assumem, são importantes instrumentos das classes subalternizadas em seu cotidiano de luta. No entanto, o referencial teórico-político assumido neste trabalho, considera que entre democracia e socialismo há diferenças ontológicas125.

Isto significa que este não é a mera continuidade ou objetivação daquela e nisto consiste nossa crítica central ao pensamento da “esquerda democrática”. Além disso, vale enfatizar que é próprio do metabolismo do capital criar, em cada conjuntura, a depender da correlação de forças, os elementos ideológicos necessários à manutenção da sua dominação. Isto ocorre num amplo, difuso e complexo jogo de disputas, alicerçadas numa base ideológica profundamente disseminada no conjunto das relações sociais. Não há dúvida de que foram os movimentos coletivos e as organizações partidárias de esquerda que se empenharam na luta pelas conquistas democrático- populares. A questão é identificar que a democracia não deságua, necessariamente, em igualdade e liberdade substantivas, como foi anunciado pelo fetiche democrático que tomou conta do pensamento das forças majoritárias de esquerda.

Consideramos relevante tecer observações críticas tanto ao pensamento da “esquerda democrática”, como à “esquerda tradicional sobre o entendimento e sentido atribuído à democracia. Isso porque discordamos do uso “taticista” da democracia, adotado pela esquerda tradicional. Esta interpretação resultou no caráter instrumental e etapista, que ao conceber e utilizar a democracia, de modo meramente formal e presa às trincheiras do universo economicista, acabou por não desenvolver as suas potencialidades, em termos do avanço sociocultural que podia proporcionar e da socialização da política.

125 Netto (2003, p. 123) traduz bem a distinção ontológica entre democracia e socialismo ao afirmar que esta última

forma de sociedade traz as condições de possibilidade para a superação da democracia, de modo que: “uma sociedade que tão radicalmente democrática seja vai superar a questão da democracia porque vai realizá-la”.

Segundo Sader (1998, p. 07)126, “as origens libertárias do marxismo passaram a ser questionadas quando a primeira forma de existência histórica de um Estado anticapitalista desembocou num regime não democrático”. O alvo dessa crítica se referia ao fato de algumas tendências, no âmbito do marxismo, de caráter profundamente economicista127, ter considerado a democracia com menosprezo quanto ao alcance e desdobramentos de certas objetivações democráticas, tais como o parlamento, a presença dos partidos políticos, o processo eleitoral, o pluralismo político e pelo cerceamento da liberdade e dos direitos civis em muitas situações da vida cotidiana.

A “esquerda tradicional” não considerou que a instituição de práticas democráticas pode se constituir, conforme direção assumida, num importante elemento para a formação e desenvolvimento da individualidade; da consciência crítica sobre a realidade do sistema do capital; para a formação e movimentação política dos sujeitos, considerando interesses de classe e o amplo universo sociocultural. Enfim, a “esquerda tradicional”, especialmente nos países periféricos, parece ter subtraído, do seu horizonte de formação, a análise concreta da cultura política autoritária engendrada pelas forças políticas dominantes e enraizada na vida social. Presa à perspectiva na qual o desenvolvimento das forças produtivas definiria o curso da história, sendo autoexplicativo de todas as dimensões da vida social, subtraiu a dimensão subjetiva, a liberdade individual e a vontade política como elementos importantes na construção de um projeto político emancipatório. Deixou, portanto, escapar as potencialidades do universo democrático.

Contudo, apesar disso, a opção apresentada pela “esquerda democrática” não conseguiu, até aqui, captar todas as potencialidades possíveis do arcabouço democrático, porque, ao fazer a crítica a esta visão instrumental e etapista, pôs no lugar, uma concepção de democracia que abstrai a direcionalidade e o conteúdo das práticas e tende ou a se fixar no ideário do que está posto e permitido pela sociabilidade vigente ou a idealizar a vigência do Estado de Direito, anunciando a existência de um Estado democrático, supostamente empenhado na garantia dos DH, ainda que a realidade objetiva sinalize em direção contrária. Basta observarmos as várias formas

126 Cf. Sader no prefácio de Guimarães (1998).

127 Sobre a utilização do termo marxismo-leninismo para nominar as tendências economicistas é relevante ressaltar

conforme Netto (1990 e 1996) e Machado (1996) que o termo marxismo-leninismo apesar de comumente utilizado para designar o conjunto de ideias e práticas desenvolvidas por Stálin, tem um erro implícito, pois induz a pensar que Stálin segue o legado deixado por Marx e Lênin, o que de fato não ocorreu.

de miséria (material e cultural/subjetiva) para que tenhamos a exata compreensão de que o Estado de direito, num país periférico como o Brasil, é intensamente mediado pela situação objetiva de classe.

Assim, nas últimas décadas, houve um deslocamento ideológico e teórico. A democracia conquistou relevância e, vem se consolidando como objetivo máximo das forças políticas majoritárias de esquerda em todo mundo. De uma concepção “taticista” migrou para a situação de um valor universal, evidenciando a mudança profunda de rumo teórico-político assumido pela “esquerda democrática”. Vejamos, então, polêmicas e questões suscitadas num embate que divide cada vez menos, por ser tão intensa a crítica à “esquerda tradicional”, mas, porque é também intenso o investimento ideológico para colocar, no lugar da luta pelo socialismo, as lutas em torno da democracia.

Quando afirmamos que esse embate divide cada vez menos, deve-se ao fato de que o pensamento ontológico é minoritário no seio da esquerda e, nesses termos, a questão democrática tende a ser simplificada numa espécie de posicionamento contra ou a favor dos canais/espaços democráticos. Essa brutal redução da problemática tende a fraturar mais do que construir as bases para a elaboração do pensamento crítico. Do ponto de vista ontológico, não se trata de ser contrário às lutas democráticas ou aos institutos da democracia burguesa, como o parlamento. O desafio consiste em ir além da democracia, que implica entender suas possibilidades como instrumento de luta e seus limites como ordenamento integrado ao padrão liberal-burguês, ao modo de ser da institucionalidade do capital. Significa, também, não tecer ilusões quanto às disparidades entre a democracia política e o acesso desigual às condições de existência.

Lefort (1987) destacou-se entre os grandes formuladores da retomada da democracia como um valor universal para a esquerda em contraposição ao totalitarismo. Seu livro – A invenção democrática: os limites do totalitarismo - funcionou como celebração de um novo tempo no qual as forças de esquerda precisariam reinventar a democracia, a começar pela crítica ao marxismo. O autor enquadrou, na sua crítica ao “socialismo real”, o pensamento de Marx, como se este fosse responsável pelos desdobramentos autoritários e economicistas identificados em determinado momento histórico naquelas experiências. A despeito disso, concordo com Guimarães (1998, p. 252) quando afirma que:

é incorreto estabelecer uma linha de continuidade direta entre as vertentes autoritárias que vicejaram na cultura marxista deste século e a obra original de Marx que, não pode ser enquadrada de forma rigorosa em uma concepção determinista da história(...) Já não é uma metodologia aceitável atribuir uma relação límpida e cristalina de causação direta entre teoria e fato histórico, tal como fazem muitos autores liberais ao estabelecerem uma conexão direta entre os desdobramentos autoritários da Revolução Russa e a obra de Marx [...]”.

Diferente de Lefort (1987), Guimarães (1998, p. 254) afirma que “existe incompatibilidade de fundamentos entre democracia e marxismo apenas se este for pensado a partir de uma concepção determinista da história”. Sem romper com o ideário socialista, Carlos Nelson Coutinho128 constituiu-se num dos grandes defensores da tese da democracia como valor universal. Para Coutinho (1992, p. 19),

está de pleno acordo com o método marxista afirmar que nem objetivamente, com o desaparecimento da sociedade burguesa onde tiveram sua gênese, nem subjetivamente, para os atores empenhados nesse desaparecimento, perdem seu valor universal muitas das objetivações ou formas de relacionamento social que compõem o arcabouço institucional da democracia política.

Nessa perspectiva, Coutinho também contribuiu para reformular a interpretação da esquerda sobre democracia e socialismo. Para esse autor, permanece válida e absolutamente necessária, a crítica e a transformação radical da sociedade capitalista. Do seu ponto de vista, embora a democracia socialista se torne substancialmente diferente da democracia liberal, pois alcançará novos patamares e configurações em um contexto de condições econômicas e sociais mais favoráveis ao processo de desenvolvimento do gênero humano, torna-se necessário reconhecer que democracia e cidadania “devem sempre ser pensadas como processos eminentemente históricos, como conceitos e realidades aos quais a história atribui permanentemente novas e ricas determinações (COUTINHO, 1997, p. 146)”. Note-se, aqui, que apesar de ser um profundo estudioso do pensamento de Lukács, Coutinho, do nosso ponto de vista,

128 Em 1979 foi publicado um ensaio escrito por Carlos Nelson Coutinho, intitulado – A democracia como valor

universal -. De lá para os dias atuais, meio a grandes polêmicas, Coutinho continua seus estudos sobre a temática da democracia e, em 1992, torna público – Democracia e Socialismo: questões de princípios e contexto brasileiro – em que acrescenta às reflexões de 1979, elementos sobre a necessidade da esquerda brasileira e, notadamente o PT, aprofundar sua concepção de democracia e a relação com o socialismo. Em 2004, após avaliar os rumos do Governo Lula e as fragilidades do PT rompe com este partido e segue afirmando a necessidade histórica da esquerda construir um projeto socialista e democrático.

não agrega, em sua concepção de democracia, a força teórica e o diferencial histórico da análise ontológica da vida social.

Outro aspecto que merece destaque é que, ao compreender a democracia como resultado das lutas sociais, a “esquerda democrática” dava os primeiros passos para formular sua crítica ao determinismo econômico, também presente no pensamento da “esquerda tradicional”. Se o ponto de partida da “esquerda democrática foi a crítica às experiências das “sociedades pós- capitalistas”, parece significativa sua intenção de caracterizar as fraturas autoritárias produzidas naquelas sociedades. Afinal, mostrar as contradições e os limites daquelas experiências constituía- se uma tarefa importante para desnudar os equívocos das concepções deterministas da história.

O grande problema é que este tipo de esquerda fez da crítica ao ‘socialismo real’, uma operação de capitulação frente ao projeto capitalista. Isso porque descartou a possibilidade da formação de um projeto societário das classes trabalhadoras, ao subtrair da análise da democracia as determinações postas pela sociabilidade do capital. Exatamente por isso, não foi e nem está sendo capaz de empreender uma análise rigorosa do capitalismo contemporâneo. Tem, desse modo, perdido a oportunidade de aprofundar um conjunto de velhas e novas problemáticas e contradições que se avolumam e se agudizam sob a estrutura própria da ordem burguesa em tempo de crise estrutural do capital, fixando-se, muitas vezes, na reivindicação da democracia como o alfa e o ômega da vida social.

Sobre o fato da “esquerda democrática” admitir a existência de uma espécie de “lado bom” do liberalismo, podemos considerar que este não é um movimento desprovido de agudas consequências teórico-políticas, sendo a mais grave, a aceitação dos princípios liberais como matriz política da sociedade e não de uma forma particular de institucionalidade, a capitalista. No limite, o que ocorre é a negação e subtração de uma real alternativa ao sistema do capital. A novidade é a centralidade das forças de esquerda nessa direção e o “esquecimento” de que quando admitem as virtudes do liberalismo deixam de examinar que os processos e as modalidades de institucionalização da democracia, em geral, são conquistas dos sujeitos coletivos que se colocaram na contramão da dogmática liberal. Netto (1990) nos chama atenção para a dimensão contraditória da democracia, o que é radicalmente diverso de buscar o que, supostamente, seria o lado bom do liberalismo, ao afirmar que:

[...] defrontamo-nos com um aparente paradoxo: a democracia política, entre nós, é simultaneamente uma necessidade e um limite para o projeto histórico emancipador da classe operária enquanto agente primordial da emancipação das classes e camadas subalternas. É uma necessidade, porquanto se apresenta como o modo mais viável para que o proletariado se insira como protagonista reconhecido e legitimado no processo político social. Todavia, é igualmente um limite, na proporção mesma em que o terreno político dos institutos cívicos é o da ordem social burguesa (NETTO, 1990, pp. 124-125).

É relevante ressaltar que, de acordo com Gramsci, pensar a institucionalidade de uma dada formação social é ir muito além da forma jurídica. Conforme Dias (1997, p. 27), a institucionalidade refere-se “[...] ao adensamento da rede de práticas que constituem, a um só tempo, a individualidade e o coletivo. Obviamente, a juridicidade específica de cada sociedade faz parte dessa malha, mas não é a sua determinação privilegiada”.

Na perspectiva da totalidade, a democracia é concebida como necessidade e limite. Seus limites se explicitam frente a duas questões principais. A primeira de caráter mais geral, já trabalhamos no primeiro capítulo, quando analisamos o complexo do direito. Ou seja, é a concepção de que a institucionalidade burguesa quando se utiliza da democracia, na maioria das vezes, responde a uma determinada exigência das forças políticas organizadas do trabalho. São esses segmentos que ampliam reivindicações, que reclamam escassez de direitos, que identificam o abismo entre a legalidade democrática e a vida cotidiana. No entanto, as classes e segmentos dominantes, ao se inserirem na arena da correlação de forças, aprisionam, sob seu controle, os ganhos democráticos, de modo tal, que estes não ameacem os interesses de acumulação do capital. É neste sentido que Netto (1990)129 analisa que, sob a sociabilidade do capital, convivem conteúdos e níveis democráticos variados, dada a necessidade objetiva e a intensa capacidade que tem o capital de trazer, para o seu campo ideológico, as demandas dos segmentos

129 Netto (1990) chama atenção para a necessidade de estabelecermos distinções analíticas quanto ao padrão de

desenvolvimento da ordem burguesa nos diferentes países. Um exemplo nítido é a ausência da efetivação do Estado Social na América Latina e, particularmente, no Brasil. Além disso, a vigência de períodos longos de ditadura e todo o conjunto de restrições econômicas e sócio-políticas impostas às classes trabalhadoras desses países, acentuaram a desigualdade real que estes segmentos, historicamente, vivenciam. Apesar disso, o debate sobre a democracia, muitas vezes, não leva em consideração o processo histórico e as particularidades nacionais, bem como as características das elites dominantes. Sobre a realidade dos países da América Latina e, entre eles, o Brasil, corre-se, portanto, o perigo analítico de atribuir ao projeto burguês, virtudes democráticas que ele não possui. Para Netto (1990, p. 120), “se, nos países cêntricos do capitalismo, os trabalhadores e as classes subalternas herdaram as reivindicações democráticas do período ‘heroico’ da ascensão burguesa, aqui estes agentes históricos se situam como os deflagradores das propostas democráticas. A democracia política, entre nós, ergue-se não a partir de componentes de projetos burgueses, mas contra eles”.

organizados de esquerda, colocando-as sob seu controle e direção social. Se pensarmos, o padrão de desenvolvimento do capitalismo nos países periféricos, será possível identificar uma imensa debilidade democrática. Do ponto de vista institucional, prevalece governos e instituições com herança política autoritária. Podemos citar como exemplos disso, dentre outros: a presença de partidos políticos programaticamente débeis; representantes políticos envolvidos em verdadeiros rituais de corrupção que destituem a prática política de legitimidade no senso comum da sociedade e a exigência, posta pelos organismos internacionais (FMI e Banco Mundial) de inserção subalterna na dinâmica mundial.

No cotidiano das práticas sociais, apesar de inúmeros avanços e ações democratizantes, predomina a existência de uma cultura política, fortemente, prisioneira do jogo eleitoral; marcada pelo individualismo; pelo despreparo político e dificuldades técnicas para exercer, mesmo que de forma limitada, o controle social. Do ponto de vista do respeito à liberdade de orientação sexual e à identidade de gênero, predominam, na vida cotidiana, abordagens enraizadas de preconceito e moralmente conservadoras.

Na formação do ideário e da prática política voltada para efetivação de uma sociedade sem exploração do trabalho pelo capital, é preciso reconhecer o valor histórico da democracia que, no entanto, se diferencia em tudo da tese do valor universal. Dias (1996, p. 137) considera que não se pode pensar em democracia como valor universal, pois “os valores democráticos só tardiamente e só sob a forma da sociabilidade do mercado, foram aceitos pelo capitalismo”. Por outro lado, também não significa reduzir a democracia ao mero elemento tático. Trata-se, portanto, de construir uma nova prática e um novo entendimento da democracia, que longe de negá-la de modo abstrato, deverá submetê-la a um tipo de racionalidade identificada com as classes subalternas. Tal racionalidade, ao invés de anular as diferenças classistas, procura fazer a trajetória inversa, ou seja, expressa essas diferenças e traz, à tona, a verdade, quanto à existência de projetos políticos classistas em disputa.

A democracia é vital para a livre manifestação da luta de classes e para a expressão da diversidade subjetiva dos indivíduos sociais. No entanto, a luta pela superação do sistema do capital e sua capacidade de produzir, continuamente, desigualdades sociais e subjetividades alienadas e alienantes, não podem se resumir à instauração das condições para a vigência dos institutos democráticos. Na interpretação de Fernandes (1990, p. 159), tratava-se de promover:

uma democracia com um polo social de classe e popular ao mesmo tempo voltado para tarefas imediatas e de longa duração revolucionárias. É urgente que se faça isso com método, organização e firmeza, para que a democracia a ser criada não devore o socialismo, convertendo-o em um sucedâneo bem-comportado do aburguesamento da socialdemocracia e da social-democratização do comunismo. Carecemos com premência da democracia. Mas de uma democracia que não seja o túmulo do socialismo e dos sonhos de igualdade com liberdade das classes trabalhadoras e dos oprimidos.

Neste sentido, um dos grandes desafios, no plano teórico-político, é desmistificar a noção de que a democracia consiste no objetivo maior a ser alcançado pela humanidade e que, por seu intermédio, estariam dadas as condições para a resolução dos problemas fundamentais da sociedade. Isto não significa a subtração dos seus aspectos positivos, pois

é certo que em determinados momentos, em determinadas situações concretas, a luta pela democracia, pelos direitos civis, pode ser um passo importante na transformação da sociedade. Mas aí é preciso ver, em cada caso, como esta luta pode se articular efetivamente com a emancipação da humanidade (TONET, 1995, p. 39).

Sob essa perspectiva, a democracia, enquanto instrumento de luta pela liberdade e igualdade substantivas, deve operar, numa direção, voltada para instaurar práticas que aprofundem a localização das determinações da desigualdade e das formas de opressão; práticas que