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CAPÍTULO II – REFERENCIAL TEÒRICO

2.1 Piaget e o processo cognitivo

2.1.3 Os processos cognitivos de autonomia e cooperação

Observando o comportamento e o desenvolvimento infantil em seu trabalho sobre a construção da moral, Piaget defendeu a idéia de que a criança explica o homem, pois encontramos em muitos adultos a reprodução dos estágios do seu comportamento.

De acordo com Piaget, o indivíduo nasce no estado de anomia que se exprime pela ausência de regras. Ao interagir com o mundo, percebe que elas existem e que são de origem externa e, desse modo, alcança a heteronomia. A partir do momento que as regras são concebidas como decorrentes de acordos mútuos entre os membros do grupo, sendo respeitadas e “negociadas” por eles, o indivíduo atinge o estado de autonomia. (La Taille, 1992)

Para que as realidades morais se constituam, é necessária uma disciplina normativa que, por sua vez, exige que os indivíduos estabeleçam relações uns com os outros. (PIAGET, 1930 in PIAGET 1998, p. 26)

Logo, “são as relações que se estabelecem entre a criança e o adulto ou entre ela e seus semelhantes que farão com que ela tome consciência do dever e coloque acima do seu eu essa realidade normativa em que consiste a moral”. (PIAGET, 1930 in PIAGET, 1998, p. 27)

Muitos estudiosos concordam que toda moral consiste de um sistema de regras. Contudo, existem divergências na explicação de como a consciência respeita essas regras. Piaget investigou essa questão através da observação de crianças durante a

realização de jogos infantis, mais especificamente o de bolinhas de gude, cujas regras são elaboradas por elas mesmas. Nesse trabalho, o autor procurou investigar como se dá o conhecimento das regras, a consciência das mesmas e sua origem.

Quanto à prática das regras, Piaget identificou quatro estágios sucessivos: estágio motor e individual (de 0 a 2 anos) que se caracteriza pela existência apenas de regras motoras; estágio egocêntrico (de 2 a 5 a nos) em que, apesar de receber as regras já codificadas e imita-las, a criança ainda joga sozinha; estágio da cooperação nascente (entre 7 e 8 anos) onde surge a necessidade do controle mútuo e da unificação das regras; estágio da codificação das regras (entre 11 e 12 anos) que é o período em que estas passam a ser regulamentadas e conhecidas por todos.

Quanto à consciência da regra, Piaget percebeu a existência de três estágios que se relacionam à prática da mesma: o primeiro abrange a fase egocêntrica (24 a 30 meses de vida) quando a regra ainda não é coercitiva; o segundo (dos 2 até 8 anos) onde a regra tem origem nos adultos e, por isso, é considerada sagrada e sua modificação é vista pela criança como uma transgressão; o terceiro se caracteriza pela regra considerada como lei criada pelo consentimento mútuo, cujo respeito é obrigatório porém, passível de ser transformada desde que haja o consenso geral.

Observa-se que, no segundo e terceiro estágios, existem dois níveis de respeito às regras. No primeiro ela é sagrada e no segundo aparece como consciência autônoma.

Piaget observou que a consciência e a prática da regra evoluem com a idade e que não há um estágio definido que caracterize a autonomia, pois o indivíduo pode tê-la adquirido quanto à prática de um grupo de regras e permanecer heterônomo em outro.

Considerando as relações sociais e os estágios de consciência da regra, Piaget percebeu que, no início, as relações baseadas no respeito unilateral prevalecem sobre as

relações de cooperação em virtude da falta de consciência do eu da criança presente no egocentrismo.

Somente depois dos sete anos de idade a criança torna-se capaz de cooperar, pois consegue dissociar o seu próprio ponto de vista dos outros e, portanto, não mais os confunde. Este é o momento, segundo Piaget (2004) em que as discussões tornam-se possíveis porque comportam compreensão e respeito com relação aos pontos de vista do outro, bem como, a procura de justificações para as afirmações que ela mesma faz.

Piaget (1996) considera que a forma inicial de respeito, enquanto unilateral, é, antes de tudo, fator de heteronomia. Já o respeito mútuo é precedido pelo respeito unilateral, ou seja, pela valorização não recíproca de dois indivíduos.

O respeito mútuo é considerado fonte de obrigações na qual a reciprocidade não impõe regras pré-estabelecidas. Assim, a reciprocidade pode ser entendida como a mútua coordenação dos pontos de vista e das ações. Já a ausência de reciprocidade pode levar a formação do “eu” centralizado em si mesmo. (Piaget, 1996)

Assim, o respeito mútuo conduz à cooperação.

Piaget observou que nas crianças de 5 a 8 anos havia predominância do respeito por coação, enquanto os adolescentes construíam suas próprias regras numa relação de respeito mútuo advindas da cooperação.

Portanto, ao distinguir o respeito unilateral e o mútuo, observa-se que estes advêm, respectivamente, de duas realidades sociais e morais: a coação e a cooperação.

A este respeito La Taille afirma:

[...] nem todas as relações sociais possibilitam emancipação, pois há aquelas que procuram manter as pessoas na ignorância, na repetição, na obediência, na dependência. A tais relações de efeito restritivo, Piaget deu o nome de coação, distinguindo-as das relações de cooperação, que promovem o saber, a criatividade, o respeito mútuo e a autonomia. (LA TAILLE apud BECKER, 2003 p. vii)

Nas pressões exercidas pela sociedade, na forma de coações, observa-se que as regras passam a ter um caráter normativo. Desse modo, uma coação é uma atribuição de valor imposta de fora.

O equilíbrio nas trocas interindividuais só se faz nas relações de cooperação, nas quais não se viabilizam os fatores de egocentrismo e coação. Portanto, a cooperação conduz à constituição da verdadeira personalidade, na medida em que o eu se submete às regras reconhecidas como boas.

Segundo Piaget (1996) o ponto crucial da educação moral está ligado ao problema das sanções, pois revelam o desvio entre os métodos de autonomia ou de reciprocidade e os métodos de autoridade.

Considerando os tipos de relações sociais constituídos pela coerção e pela cooperação, Piaget afirma que:

O respeito unilateral, fonte de heteronomia, engendra e legitima aos olhos da consciência a idéia de sanção sob sua forma mais acentuada: a sanção expiatória, que faz corresponder ao ato delituoso uma relação proporcional, mas sem relação de conteúdo ou de qualidade com a própria falta. (PIAGET, 1930 In PARRAT-DAYAN e TRYPHON, 1998 p.125)

Sendo assim, para a criança toda falta implica um remorso e uma dor que é para ela uma conseqüência obrigatória da desobediência. Esse caso ilustra a sanção expiatória.

Por outro lado, Piaget acrescenta que:

Ao contrário, a cooperação, que repousa sobre a autonomia coloca em questão o valor moral da idéia de sanção e tende a substituir a punição propriamente dita por um sistema de medidas de reciprocidade que atestam simplesmente a ruptura dos laços de solidariedade em que consiste o ato culposo. (PIAGET, 1930 apud PARRAT-DAYAN e TRYPHON, 1998, p.125)

Assim, a supressão momentânea dos laços de solidariedade acarreta a sanção por reciprocidade.

Acredita-se que o fim da educação moral é constituir personalidades autônomas aptas à cooperação. Todavia, podemos encontrar na educação moral, procedimentos diversos segundo os fins a que se destinam. Nesse caso, alguns apelam para o respeito unilateral através da coação do adulto, outros para a cooperação entre as crianças e finalmente outros utilizam esses dois tipos de estratégias.

Portanto, se o desenvolvimento moral da criança ocorre em função tanto do respeito mútuo como do respeito unilateral, a cooperação no trabalho escolar pode ser considerada como o procedimento mais fecundo de formação moral.

Assim, o estudante descobre as obrigações morais através de uma experimentação verdadeira que envolve toda a sua personalidade e, nesse caso, os procedimentos “ativos” são os que dão conta dessa necessidade.

Daí a importância desse processo na vida da criança, pois, se ele for bem construído através das oportunidades do trabalho coletivo, poderá se constituir numa etapa que terá reflexos positivos no indivíduo.

Percebe-se, desse modo, a existência de uma interdependência entre os conceitos apresentados, pois a heteronomia é fruto do respeito unilateral promovido pela coação enquanto que, a autonomia é atingida a partir do respeito mútuo calcado na reciprocidade. Conclui-se, portanto, que, para o sujeito alcançar a autonomia é necessária a cooperação e que, por conseguinte, os melhores métodos para se chegar a ela são os métodos “ativos”.

Além disso, observa-se que a postura do professor também se constitui num fator importante para que o estudante possa alcançar a autonomia. Isto ocorre na medida em que a relação professor/ aluno tem como base a cooperação e a solidariedade.

Freire (1996, p.59) nos fala que: O respeito à autonomia e à dignidade de cada um é um imperativo ético e não um favor que podemos ou não conceder uns aos outros.

Acredita-se, que o professor precisa estar aberto no sentido de possibilitar a autonomia do aluno, porém é necessário que ele também possa desenvolver a sua própria autonomia expressando seus pontos de vista de forma livre, especialmente no espaço de sala de aula.

Desse modo, acredita-se que o indivíduo autônomo possa se tornar mais livre para criar.