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O parentesco e as relações sociais entre si e com os outros : reflexões iniciais

extensa. Tentaremos, na sequência explorar rapidamente como se constituem as relações de parentesco que estruturam a vida e a configuração das aldeias ikólóéhj.

O parentesco e as relações sociais entre si e com os outros: reflexões iniciais

Nesta seção tratarei brevemente de alguns aspectos do parentesco ikólóéhj. Seu complexo e interessante sistema de parentesco merece uma análise mais apurada que não foi possível realizar aqui, entre outros motivos, porque demandaria um deslocamento da proposta da tese. Não me furto, no entanto, em proceder algumas reflexões iniciais especialmente atendendo aos interesses de meus próprios interlocutores que se mostraram empolgados com as genealogias e as questões sobre parentesco que lhes fazia. Apontamentos sobre algumas reflexões a respeito das categorias de parentesco estão inseridos no apêndice. Como vimos, neste périplo de deslocamentos, as alianças dos Ikólóéhj com outros grupos eram frequentes. Apontei acima que as relações com os Zoró oscilavam entre momentos de intercasamentos e guerras. O contato inicialmente pacífico com os Arara, por sua vez, sofreu um abalo pelo evento descrito há pouco. Ambos os casos, no entanto, evidenciam o interesse exogâmico dos Ikólóéhj apesar do ideal endogâmico manifestado nas falas de meus interlocutores e nas próprias regras matrimoniais que prescrevem o casamento de EGO masculino com a filha da irmã (ZD), a irmã do pai (FZ) e a filha do irmão da mãe (MBD), coerente com o que afirma Viveiros de Castro (1995, p. 12) para a Amazônia

[...] onde domina uma morfologia de grupos locais pequenos e atomizados, o casamento de primos cruzados bilaterais se realiza comumente dentro de uma moldura de endogamia local. Sinais de uma preferência matrimonial avuncular (que coexiste com o casamento de primos) marcam várias terminologias do tronco Tupi e algumas terminologias da família Caribe.

A distinção dos Ikólóéhj em relação a esta configuração amazônica ocorre pela ausência de bilateralidade, pois entre os Ikólóéhj, na geração do EGO, apenas a prima cruzada matrilateral (MBD) é considerada óbarápir, ou seja, mulher casável. A prima cruzada patrilateral (FZD) é considerada filha, ou seja, ódi, pois sua mãe é um dos casamentos preferenciais de EGO (FZ = W). Os Ikólóéhj possuem uma terminologia de feições dravidianas, mas com distinções importantes em relação ao dravidianato clássico. A similitude com a terminologia dravidiana fica por conta do uso do mesmo termo para pai (F) e irmão do pai (FB) enquanto utiliza-se termo distinto para o irmão da mãe (MB) que equivale ao WF

para o EGO masculino, ou seja, o sogro. Do lado materno o mesmo termo para mãe (M) é utilizado para irmã da mãe (MZ) enquanto a irmã do pai (FZ) leva termo distinto. No caso de EGO masculino, a irmã do pai é uma mulher casável (FZ=W).

Intrigou-me, desde o princípio a versatilidade da categoria zèrar, o que parece ser uma distinção do sistema de parentesco ikólóéhj em relação ao dravidianato. Zèrar está presente em todas as gerações no caso do EGO masculino e está ausente apenas da geração do EGO (∅) no caso do EGO feminino, como pode ser conferido nas figuras 16 e 18.

Trata-se de uma categoria de afinidade que define, para o EGO masculino, que o zèrar é o pai da mulher casável – o sogro – ou o irmão dela – o cunhado; e para o EGO feminino é o próprio homem casável. A literatura sobre os tupi mondé informa que, para os homens, a configuração MB/ZD (irmão da mãe com a filha da irmã) é o casamento preferencial. Disseram os Cinta Larga para Dal Poz (1991, p.110) que o “casamento bom” é com a filha da irmã e que esta mulher (ZD) chama seu tio materno (MB) de kokó. Brunelli (1989, p.155) informa que também entre os Zoró este é o casamento preferencial e que a filha da irmã chama o irmão da mãe kur-kur. Ambos os termos equivalem a categoria zèrar para o caso do MB (irmão da mãe). Brunelli (1989, p.155) ainda faz referência ao casamento com as primas cruzadas bilaterais, mas nenhum destes autores encontrou casamento da irmã do pai com o filho do irmão (FZ/BS), como ocorre entre os Ikólóéhj.

Figura 17 – Quadro legenda dos vocativos e termos de referência em relação ao EGO masculino

Número Vocativos Termos de referência89

1. Zèrar xiserar ou kòro

2. Bojá xi ma bojá ou kòro

2* Bója (casável) xi ma bojá ou kòro

3 Papá xima papá ou xisov

4 Gàj xima gàj ou xiti

5 Ódjov xinetóv

6 Ódi xi vaír

7 Zàno xisano

8 Óhbar xihpar

9 Óbarápir (filha da irmã) xihpar mápir

89 Os termos de referência das figuras 17 e 19 são termos possuídos e estão colocados aqui na 3ª p.sing. Com a substituição do pronome para 1ª p. sing., ficariam assim constituídos, ô-zèrar, ô-ma-bojá, ô-ma-gàj, ô-djov, ô-di,ô-zàno, óbarápir.

Figura 19 – Quadro legenda dos vocativos e termos de referência em relação ao EGO feminino

Número Vocativo Termo de referência

1 Zèrar xiserar ou kòro

2 Bojá xi ma bojá ou kòro

3 Papá xima papá ou xisov

4 Gàj xima gàj ou xiti

5 Ódjov xinetóv

6 Ódi xi vaír

7 Zòa xisoa

Em uma tarde de domingo, conversávamos eu, Denny Moore90 e Xipiabihr na aldeia

quando Denny perguntou ao nosso amigo se os Gavião não chamam o zèrar (MB) de kor-kor que como vimos, parece ser comum aos outros mondé. Xipiabir respondeu que “não muito, isso é mais costume zoró”, confirmando que este vocativo era mais utilizado “antigamente”.

Percebe-se que dos Cinta Larga aos Ikólóéhj, passando pelos Zoró, a categoria zèrar foi assumindo mais posições, embora não saberia inferir o significado disso em termos sociológicos. Poderíamos falar em uma idiossincrasia do caso Ikólóéhj por conta desta terminologia incomum? Penso que não. Ao que parece a nominação pode estar na base da disseminação do vocativo zèrar para todas as gerações. Hugh-Jones (2002, p.45) já dizia em seu texto sobre nominação no noroeste amazônico que “[a] relevância dos nomes pessoais e dos sistemas de nominação é uma das marcas distintivas da literatura etnográfica sobre as terras baixas da América do Sul” e nos Ikólóéhj ela está ligada à continuidade do tìh – o princípio vital –, à afinidade e ainda constitui um emblema de prestígio ao nomeador, pois ao nomear ele está produzindo um outro de si mesmo, um “xerox” como afirmam meus interlocutores.

Não pretendo aqui aprofundar esta questão, pois não tenho dados suficientes para tal imersão. No entanto, algumas considerações gerais, baseadas no que os Ikólóéhj me mostraram, podem ser inferidas. Dizem os Ikólóéhj que qualquer um pode dar um nome (seu nome) a uma criança, mas na vida ordinária percebi algumas regras. Prioritariamente as mulheres nominam as meninas e os homens os meninos. Normalmente estes nomes são dados pelos avós, materno ou paterno, ou pelo irmão da mãe, o zèrar. Ficarei aqui com os exemplos masculinos, pois parecem ter um rendimento maior para as reflexões que trago a seguir.

Moore (comunicação pessoal) chamou a atenção para o fato que o termos de referência ê-zérat91 (seu zèrar) é cognato de ê-zet (seu nome). De fato são os homens da posição zèrar, preferencialmente o tio materno (MB), mas eventualmente também os avôs materno (MF) e paterno (FF), os que nomeiam os meninos ao nascer. Há, portanto, uma tendência de um sogro nominar um genro potencial. Isso ocorre tanto no casamento de EGO com a prima cruzada matrilateral (MBD), no casamento amital (FZ) e no casamento

90 Linguista do Museu Goeldi que viveu entre os Ikólóéhj nos anos 1970 e escreveu sua tese sobre a língua gavião (MOORE, 1984).

91 Há algumas diferenças entre a grafia utilizada por Moore e a que utilizo na tese. Optei por usar a grafia utilizada na escola da aldeia pelo professor Iram Kàv Sona, pois não dispunha de um material mais sistematizado para utilizar a versão proposta por Moore.

avuncular (ZD), ou seja, os três tipos de casamento preferencial. Embora seja menos comum, um pai pode nominar o próprio filho, mas não saberia afirmar em que situação isto ocorre.

Antes de entrarmos nos exemplos de nominação propriamente ditos, indico alguns pontos sobre a nominação nos Ikólóéhj que, assim como para os outros ameríndios, não se trata apenas de dar um nome, como já analisaram Gonçalves (1993) e Hugh-Jones, S. (2002), entre outros. Apontei acima que quando a criança recebe o primeiro nome, é o tìh, o princípio vital, a alma verdadeira, do seu nominador que passa a fazer parte dela. Esta é uma forma deste homem se duplicar no mundo. Como disse Sebirop, “quando meu zèrar dá seu nome pra mim, eu sou ele, sou a cópia dele”.

No decorrer de sua vida, uma pessoa vai adquirindo nomes, o nome dado pelo seu

zèrar, nomes comuns que são incorporados diante de acontecimentos importantes da sua

vida, tais como festas e viagens, e também nomes jocosos que são atribuídos por amigos, algo similar com que Hugh-Jones (2002) encontrou no noroeste amazônico.

Os mais velhos possuem um arsenal de nomes, que são repassados por ocasião do nascimento dos seus zèraréhj. Quanto mais prestigiado for o zèrar, mais nomes ele agregará e, portanto, mais nomes entregará. Um zavidjaj, por exemplo, que no decorrer de sua vida ofereceu várias festas e recebeu nomes por cada uma delas, por ser um madjaj, um dono de festa, possui muitos nomes. Dizem meus amigos que Sorabáh Djigúhr possuía incontáveis nomes. Alberto Padág contou que quando fez uma festa em sua aldeia ele chamou-se

Xijavbóhj. Quando seu neto nasceu, deu este nome para ele. Em função da nomeação, Alberto

passou seu tìh para seu neto (zèrar) e, assim, possui uma “cópia” sua na terra, uma “xerox” como disse Sebirop.

“Eu tenho um de mim lá nos Zoró” disse Sebirop referindo-se a um menino que nomeou, seu zèrar, que mora no povo vizinho. Todo indivíduo masculino é um zèrar (mesmo as crianças), porque admite-se que ele é cópia, “xerox”, de um zèrar que o nomeou. Uma reflexão mais apurada precisa ser feita para compreender as razões pelas quais as meninas também são chamadas de zèrar pelo EGO feminino. Por ora, partindo-se do pressuposto colocado acima, que o sogro nomeia seu genro potencial, vejamos quais são as relações entre nominador/nominado e as regras dos casamentos preferencias ikólóéhj.

Figura 20 - Relação entre nominação e casamento com a MBD.

O irmão da mãe, o zèrar (01) é o nominador do filho da irmã (03), chamado igualmente de zèrar. O nomeado é um possível noivo para a filha de 01. A linha dupla diagonal refere-se a relação de nominação. De 29 casamentos analisados por mim que os Ikólóéhj consideram “corretos”, treze seguiram esta configuração – casamento de EGO com a MBD – embora não pudesse afirmar com certeza que em todos estes casos foi o irmão da mãe que nomeou o genro. Assumo que um aprofundamento nesta questão necessite de um estudo mais detalhado que está fora do alcance desta tese.

Figura 21 - Relação entre nominação e casamento amital.

No exemplo acima é o avô paterno (01) que nomeia o filho do seu filho (05) cujo casamento com a irmã do pai, a bojá (04), é uma das possibilidades matrimoniais para os homens, embora, como afirmei acima, este seja o casamento “correto” do ponto de vista das mulheres mais velhas.

Figura 22 - Relação entre nominação e casamento avuncular

A figura 22 traz o modelo para o casamento avuncular (MB/ZD). Também neste caso o nominador é potencialmente um sogro, mas também um cunhado, na medida em que o nominador pode casar com a irmã do nominado, seguindo a equação MB/ZD. O zèrar (01) nomeia o filho de sua irmã (03), que é potencialmente um noivo para sua filha (04). Este noivo, por sua vez é o zèrar (03) que nomeia igualmente o filho de sua irmã (05) que será seu genro ao casar com sua filha (06), e assim sucessivamente.

Sugiro, outrossim, que o zèrar, ao nomear seu genro potencial esteja assegurando seu prestígio através do marido de sua filha, seu “xerox”, afinal, com o “atrator uxorilocal” operando, este homem irá morar com o sogro. Toda esta operação possibilita aos zavidjaj atrair afins que sejam “como ele”, próximos a ele, que possuam seu tìh.

Dizem meus amigos que antigamente os Ikólóéhj só casavam entre si, que “o certo é casar com Gavião” e que os abundantes casamentos com pessoas de outros povos e com brancos “é coisa de hoje”. No entanto, os casamentos feitos “fora” sempre fizeram parte do seu modus operandi. Os dados genealógicos obtidos por mim – que em poucos casos conseguiram chegar até a terceira geração ascendente pela razão precípua que os mortos e

seus nomes devem ser esquecidos – dão conta de casamentos com Zoró desde antes do contato com os brancos; e com os Arara, justamente os que intermediaram tal contato, desde os primeiros encontros que estabeleceram com eles.

Lembro que naquele momento os Ikólóéhj não constituíam uma unidade sociopolítica, um povo, mas grupos domésticos que gravitavam em torno dos zavidjajéhj mais prestigiados. O que hoje meus interlocutores entendem como “a gente só casava com Ikólóéhj mesmo” refere-se possivelmente às alianças matrimoniais efetivadas entre os grupos patrilineares dos quais falei acima, que ainda operam em outras sociedades de línguas tupi- mondé, tais como Suruí e Cinta Larga (MINDLIN, 1985; DAL POZ, 1991), mas que nos Ikólóéhj e nos Zoró (BRUNELLI, 1989), tais como os Ikólóéhj me indicaram, parecem não operar como no passado. Cito novamente o interlocutor que comparou ambas as situações: “Assim como hoje o pessoal casa com Arara, Zoró... naqueles tempos os Báhsèhvéhj, Pàbiéhj,

Ikólóéhj e Màhv Sága casavam uns com os outros, misturou tudo”. Ou seja, para ele, foram os

casamentos entre os diferentes grupos patrilineares que formaram o que são hoje os Ikólóéhj. Partindo-se do pressuposto que endogamia e exogamia não são categorias substantivas, mas sim eminentemente relacionais, os Ikólóéhj são simultaneamente endógamos e exógamos. Do ponto de vista dos antigos grupos patrilineares os casamentos se davam com os “de fora” do seu grupo, para um Ikólóéhj de hoje estes mesmos casamentos “de antes” se realizavam com os “de dentro”. Pondero, no entanto, que mesmo constituído por grupos patrilineares – que foram perdendo sua operatividade, possivelmente devido ao radical decréscimo populacional –, estes grupos que se entendem hoje como Ikólóéhj estabeleciam alianças matrimoniais entre si e com os vizinhos Zoró e Arara. Estas alianças se efetivavam por duas razões em especial, a já comentada “abertura ao outro”, que também já contém em si a segunda razão, qual seja, a estratégia de se conduzir em um mundo em que

outros muito diferentes começam a interferir sistematicamente em suas vidas, os brancos.

Um casamento emblemático entre Ikólóéhj que exemplifica estas alianças é aquele que foi concretizado entre os filhos do zavidjaj Xikov Pí Pòhv (Ambagá, Babesájá e Seríhr) e os filhos do zavidjaj Sorabáh Djigúhr (Sebirop, Padág e Ixía Úhv). Ocorridos entre os anos 1960 e 1970, estes casamentos uniram as famílias destes prestigiados zavidjajéhj – homens que possuíam tìh (grandeza) e organizavam grandes festas – e os descendentes destes matrimônios constituem importantes lideranças ikólóéhj na atualidade, ocupando espaços no movimento indígena, na educação escolar, na saúde e nas associações indígenas.

Sebirop, que casou-se com Teresa Ambagá, foi legitimado como cacique dos Ikólóéhj porque além de contar com o prestígio do seu pai e do seu sogro, assumiu o importante papel de mediar, desde muito jovem, as relações entre os indígenas e os brancos. Desde jovem Sebirop passou a exercer cargos na FUNAI, tornando-se um líder reconhecido nacionalmente. Seu casamento e de seu irmão mais novo, Alberto Padág, são considerados casamentos “corretos” pelas regras dos Ikólóéhj. Em ambos os casos ocorreu um casamento amital, ou seja, estes homens casaram-se com as irmãs (classificatórias) de seu pai Sorabáh, eles chamavam suas esposas de bojá. Dizem as mulheres mais velhas com quem conversei a respeito que este é o casamento “mais certo”, ou seja, as mulheres casarem com seus sobrinhos (FZ/BS). Entre os homens o discurso é outro, embora confirmem que este é um casamento possível e correto, para eles o casamento preferencial é com a filha da irmã (MB/ZD). Ao que parece enquanto as mulheres sustentam seu interesse em matrimônios com homens mais jovens, o discurso masculino defende a preferência por mulheres mais jovens.

Voltando ao exemplo acima, se do lado dos filhos homens de Sorabáh, as uniões foram consideradas corretas do ponto de vista da regra, o casamento de sua filha Rosa Ixía Úhv com Moisés Seríhv não seria possível se apenas as regras de casamento estivessem operando. Neste caso, Rosa casou com seu papa Moisés Seríhr. Vejamos:

As regras existem e são seguidas na medida do possível, mas outras variáveis são levadas em conta para o cálculo com quem se deve casar. Sebirop explicou que neste caso, o que houve foi uma troca. Na medida em que Xikov Pí Pòhv cedeu duas filhas, nada mais junto que Sorabáh Djigúhr cedesse sua filha em troca. Esta troca repercutiu no fortalecimento político destas famílias diante das demais. A ponto do genro de Xikov Pí Pòhv, Sebirop, ser legitimado como cacique, categoria de liderança incorporada depois do contato interétnico.

Ao tempo que casavam entre si, os Ikólóéhj também realizavam festas e convidavam os vizinhos. As festas constituíam instrumentos – e ainda constituem – para transformar afins potenciais em afins reais. Os Ikólóéhj, como afirmei acima, almejam a presença de outros em seu meio, como indicam os casamentos mistos existentes nas aldeias:

Figura 24 - Quantitativo de casamentos mistos entre os Ikólóéhj

Ikólóéhj (W) Ikólóéhj (H)

Zoró 22 18

Arara 16 14

Branco 02 07

Outras etnias 02 04

Fontes: SESAI, 2015 e dados de pesquisa de campo entre 2013 e 2015.

A maior parte destes casais residem nas aldeias Ikólóéhj. O ponto é que esta configuração de casamentos mistos constituía uma prática há muito tempo, embora o incremento populacional, que hoje chega a 742 pessoas, segundo dados da SESAI (2016), tornasse possível a ampliação deste tipo de união. Muitos dos adultos são filhos ou netos de pais ikólóéhj com mães ou avós zoró ou arara e infiro que se hoje é o contrário que predomina de maneira discreta – mulheres ikólóéhj casadas com homens zoró ou arara – é porque as alianças estão se atualizando e, neste sentido, a cada geração um grupo sempre fica devendo. Além das habituais alianças matrimoniais com Zoró e Arara, mais recentemente, casamentos com pessoas de etnias mais distantes estão tendo lugar entre os Ikólóéhj. Dois casamentos se efetivaram em função da participação de dois jovens em um curso de capacitação realizado na cidade de Manaus anos atrás e dois casamentos com Suruí e um com Cinta Larga – antigos inimigos – vieram na esteira das atividades promovidas pela igreja.

O único caso de matrimônio com pessoa de outra etnia, que não Zoró e Arara, ocorrido em tempos pregressos, na época em que a quase totalidade dos Ikólóéhj residia na aldeia Igarapé Lourdes, é o casamento de Frederico Pihnuhn com dona Maria Parintintin. Cito esta união porque ela é emblemática para compreendermos o processo de consanguinização e aparentamento de crianças afins por homens ikólóéhj, tornando-os seus filhos consanguíneos. Dona Maria chegou à T.I. Igarapé Lourdes com três filhos pequenos que foram adotados como filhos por seu marido. É pelo vocativo papa que estas pessoas – atualmente adultas e donas de suas próprias famílias, sendo sogros e sogra - chamam o marido de sua mãe. Mais quatro filhos foram gerados desta união e é como ódjov (filho) e ódi (filha) que Frederico chama todos seus filhos e filhas.

Há inúmeros outros casos deste tipo entre os Ikólóéhj que inferem um processo de consanguinização de afins, coerente com a literatura a respeito do parentesco amazônico em que a afinidade encontra-se no domínio do dado e a consanguinidade é a relação a ser construída, “daquilo que toca à intenção e ação humanas atualizar” (VIVEIROS DE CASTRO, 2000, p.08).

Uma mulher que casa com um homem ikólóéhj, possuindo filhos pequenos de outros relacionamentos tem suas crianças consanguinizadas pelo marido e seu grupo familiar, independente desta criança ter pai ikólóéhj, branco, ou de outra etnia. Outros dois casos na aldeia são emblemáticos neste sentido. Duas importantes lideranças casaram com mulheres não indígenas que possuíam filhos cujos pais eram igualmente não indígenas. Estes homens consideram estas crianças como suas e, como tal, podemos dizer que foram consanguinizadas.

No entanto, esta consanguinização tem limites. Tornar-se uma pessoa ikólóéhj é uma construção que envolve não apenas a troca de substâncias e a residência conjunta – que todavia são fundamentais para o processo –, mas a aquisição de um comportamento que