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Pensando nos projetos: identificação do interesse das crianças

As ideias sobre os projetos a serem desenvolvidos com as crianças foram surgindo ao longo dos encontros realizados na etapa de vivência do projeto com as professoras. Nesses instantes, as professoras eram frequentemente incentivadas a “prestar atenção” nos interesses manifestados pelas crianças sobre algum assunto que poderia se transformar em um tema de projeto. A professora Ilma, última a aceitar desenvolver projetos com as crianças, cogitou na possibilidade de trabalhar com músicas e brincadeiras com as crianças, pois, segundo ela, “tudo tem que ser muito lúdico para minhas crianças, porque além de ser Jardim I, as crianças são difíceis”. Foi interessante observar a contradição entre o que a professora Ilma professa com relação ao projeto, o valor da ludicidade, por exemplo, e a sua prática diária, que pouco reflete essa compreensão da importância do lúdico para as crianças menores.

A professora Rosa, que já havia trabalhado o tema animais, previsto na grade curricular, diz que, pelo fato de ter percebido “um grande interesse das crianças”, pretende dar continuidade ao tema. Sua experiência anterior em desenvolver projetos com crianças não serviu de incentivo para que ela se aventurasse a pesquisar outro tema de interesse das crianças. Quando questionada diretamente pela professora Catarina por estar repetindo um tema já trabalhado, Rosa respondeu: “o tema animais está previsto nos conteúdos, não vou fugir... só que vai ser trabalhado de forma diferente, com outra intencionalidade”. A atitude de Rosa parece transparecer sua dificuldade em trabalhar algo que não esteja previsto na grade curricular. Talvez por ter consciência de sua situação “provisória” de professora substituta e temer algumas possíveis consequências? Ou talvez pela comodidade trazida pela familiaridade do tema já trabalhado em outra escola? Naquele momento, fiquei curiosa em saber qual seria a “intencionalidade” que Rosa acrescentaria ao tema já trabalhado e em entender por que “essa forma diferente” não foi pensada antes do projeto.

A professora Catarina, inicialmente, pensou em desenvolver um projeto animada pelo interesse das crianças por uma determinada música “A loja do mestre André”. Sua intenção era que as crianças apresentassem a música no último dia de aula em dezembro. Justificando, ela disse: “a gente já aproveita a síntese do projeto para a festa de Natal. As nossas salas apresentando para as outras”. Ao fazer essa sugestão, Catarina parece ter pensado mais no próprio trabalho, de ter que organizar a festa no

final do ano, do que no interesse das crianças. É possível supor que Catarina ainda não compreendeu de forma clara, por exemplo, que, ao trabalhar com projetos, o importante não é somente a finalização do projeto, a “culminância”, mas todo o decurso de elaboração de conhecimentos pelas crianças, com o apoio das professoras, em torno de um tema. Tampouco compreendeu que o projeto não pode ser sugerido para “facilitar a vida” da professora, mas sim para que as crianças tenham oportunidade de vivenciar e experimentar momentos interessantes e significativos entre elas e com a professora. Quando as duas outras professoras se posicionaram contra a ideia, Catarina demonstrou novamente sua ansiedade e sua dificuldade em compreender o que ela denominou de “o interesse da criança”. Referindo-se a isso, ela disse: “essa parte é a mais difícil, ainda não sei como fazer isso, pensei na música, mas não vai dar certo!” Catarina precisou de muito apoio e incentivo do grupo para não desistir da proposta de desenvolver projetos em sua sala e para dar conta de identificar, no interesse das crianças, outro possível tema de projeto. Esse incentivo se efetivou por meio das discussões sobre a necessidade de ouvir a criança; dos depoimentos das outras professoras, identificando e justificando seus temas, e da apresentação, em reuniões, de documentação de projetos desenvolvidos por mim e pela equipe do NDC. Também foram importantes os questionamentos diretos sobre as crianças de sua sala, possibilitados pelas observações realizadas; como, por exemplo, identificação do momento da rotina que as crianças mais apreciavam ou com o que estavam mais envolvidas. Toda essa dificuldade apresentada por Catarina, durante esse processo de identificar as questões propostas pelas crianças, parece decorrer da forma centralizadora e impositiva como interage com as crianças, sem abrir espaço para suas expressões e manifestações. Com ações centradas nela e controladas por ela, Catarina orienta sua prática fechando-se a outras opções de organização do trabalho pedagógico. Há uma identificação de características na prática desenvolvida por Catarina que se assemelham ao que Oliveira-Formosinho (2007) definiu como um “modo transmissivo de fazer pedagogia” ou uma “pedagogia da transmissão.” (P. 17). Nesse modo transmissivo, os processos de ensino e aprendizagem estão ajustados no professor, tendo-o como centro, e estruturados em conteúdos disciplinares que fragmentam o conhecimento e que são transmitidos em modo e tempo delimitados. As crianças têm poucas chances de interagir umas com as outras e não há espaço para a escuta, o diálogo e a negociação. Ainda segundo essa autora,

a persistência e a resistência desse modo tem a ver com a simplicidade, a previsibilidade e a segurança de sua concretização... é o modo pedagógico congruente com o modo organizacional baseado na burocracia, pois é baseada na simplificação do juízo que fundamenta a ação, na pré-decisão no centro da ação a ser desenvolvida pela periferia. (P.18).

Após as ideias da música e do Natal descartadas, Catarina chegou ao grupo de professoras com a proposta de trabalhar a dramatização. Como justificativa, afirmou: “prestei atenção que as crianças ficam muito interessadas em dramatizar as histórias que eu trago. Será que posso juntar dramatização com animais?”. Logo em seguida, desistindo desse plano, ela disse: “vou precisar de uma história com muitos animais para não dar briga. Já pensou? - Tia! Quero ser o leão”. Finalmente, concordou em trabalhar o mesmo tema da professora Ilma, sobre brincadeiras e jogos, afirmando que “brincadeira é o que mais as crianças gostam mesmo de fazer, estudar que é bom...”.

Depois de escolhidos os temas a partir do que as professoras identificaram como interesses das crianças, iniciamos o planejamento dos projetos a serem desenvolvidos por parte de cada uma delas.