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A professora Ilma desempenha suas funções na turma do Jardim I, no período da tarde. Sua sala possui 25 crianças matriculadas e frequentando, embora as crianças

faltem bastante. Por exemplo, em um dia de observação, haviam faltado dez crianças. Aos 53 anos, Ilma está divorciada e com dois filhos. Ganha acima de três salários mínimos e nas suas horas de lazer prefere visitar a família e ler bons livros.

Com experiência de 18 anos no magistério, possui dois cursos de especialização, o primeiro, de Psicopedagogia, concluído em 1997, na Universidade de Fortaleza (UNIFOR), e o outro, de Coordenação Pedagógica pela Faculdade 7 de Setembro, concluído em 2005.

Ilma exerceu as funções de psicopedagoga, coordenadora e de professora na Educação Infantil e nos anos iniciais do Ensino Fundamental na rede privada. Na rede pública, Ilma trabalha há dois anos como professora substituta em duas escolas diferentes.

Diz ter escolhido trabalhar com as crianças pequenas porque gosta muito dessa área e o que lhe dá mais satisfação nesse trabalho é a “alegria e a espontaneidade das crianças”. Entende que seu papel junto às crianças é de “facilitadora de sua aprendizagem” porque “faz com que as crianças introjetem os conteúdos com mais facilidade”.

Assim como as professoras Catarina e Rosa, Ilma também tem um pensamento negativo com relação às famílias das crianças, definindo-as como “muito carentes, sem instrução e que não dão assistência a seus filhos”. Essa incapacidade dada às famílias também se estende às crianças, mas somente às crianças da escola pública. Nas discussões realizadas no grupo durante a formação, Ilma, com facilidade, falava sobre a potencialidade criadora e construtora da criança, sua necessidade de ação e de desafios. Quando se refere, contudo, às crianças de sua sala, Ilma diz: “as crianças não sabem de nada, só agora no segundo semestre aprenderam a fazer uma fila”. Também ressalta sua dificuldade em trabalhar com um grupo onde existe uma criança “especial”, que não compreende as coisas e que demanda uma atenção maior. Esse foi o argumento utilizado por Ilma para, inicialmente, não incluir sua sala na etapa de desenvolvimento de projetos. São delas as palavras:

[...] não tenho apoio dos pais para as pesquisas e não tenho condições de trabalhar conteúdos com essas crianças, elas não sabem de nada e ainda tenho Betina 56 que me dá aquele trabalho.

Ao final dos encontros de formação em que as professoras vivenciaram um projeto, Ilma acabou mudando de idéia e desenvolveu um projeto com as crianças.

Sobre a forma como planeja as atividades a serem desenvolvidas com as crianças, Ilma diz considerar “as necessidades das crianças” e que procura dar uma assistência a cada uma. Quando questionada, porém, sobre o que mudaria na rotina de sua sala Ilma diz: “incluiria nos planejamentos mais estratégias didáticas e atividades lúdicas”. Ilma não explicou o que seriam as “estratégias didáticas”, mas pelas observações realizadas em sua sala, ela parece estar se referindo à inclusão de atividades mais específicas para trabalhar alguns conteúdos; algo diferente da atividade realizada na maior parte do tempo, que consiste da brincadeira das crianças nas mesas com os poucos brinquedos na sala.

Ilma ao definir o que mais ajuda seu trabalho na instituição aponta o interesse das crianças. Explicitando o que mais atrapalha, ela assinala a falta de disponibilidade das pessoas. Assim como as outras duas professoras, Ilma também reclama da falta de apoio de uma coordenadora e das trocas entre as professoras da Educação Infantil.

A professora Ilma que, inicialmente havia se recusado a desenvolver projetos com as crianças de sua turma pareceu estranhar minha solicitação em realizar as observações em sua sala. De fato, pareceu muito desconfortável com minha presença em sala, questionando de imediato, o tempo que iria precisar para essas observações. Expliquei naquele momento, que as observações realizadas seriam importantes para a elaboração do panorama sobre a Educação Infantil na instituição, em especial, acerca do trabalho desenvolvido com as crianças do Jardim I.

Ilma, que trabalha no período da tarde, chega à instituição antes de treze horas e espera as crianças em sua sala, sentada à mesa, escrevendo tarefas nos cadernos das crianças. Ao chegarem, as crianças são orientadas a pendurar as mochilas nas “costas” das cadeiras e a sentar-se às mesas, em pequenos grupos. Ilma, então, coloca alguns poucos brinquedos em cada mesa e, todos ficam aguardando a chegada das demais crianças. Nesse momento, as crianças tentam ficar sentadas, mas logo se espalham pela sala, em brincadeiras variadas, pegapega, de preferência. Também entram em conflitos recorrentes pela disputa pelos parcos brinquedos oferecidos. Começa, então, um longo embate entre a professora, que está sentada em sua mesa, e as crianças, na tentativa de que as crianças fiquem quietas e sentadas em seus lugares. Esse embate chega a um ponto insustentável, que obriga a professora a fazer a roda de conversa. Segundo sua convocação: “vamos iniciar a aula”.

As crianças sentam-se no chão em um semicírculo em torno da professora sentada em uma cadeira pequena. Desejando uma boa tarde, como se tivesse chegado naquele instante, a professora inicia a roda de conversas, pedindo que as crianças cantem algumas músicas, como “pirulito que batebate, o anel e a sereia” e outras conhecidas. Esse momento funciona da seguinte forma: a professora sugere a música, começa a cantá-la e as crianças acompanham, algumas com entusiasmo; outras, muitas, sem muita empolgação, preferem conversar umas com as outras. De conversa a roda não tem nada! Assim como a professora Catarina, Ilma parece desconhecer a importância da roda de conversa como um espaço privilegiado de comunicação, de troca de ideias, onde todos aprendem a ter vez de falar e a escutar; espaço onde as crianças podem desenvolver atitudes de respeito ao outro e onde a professora pode aprender a promover “a partilha do poder e a autonomia” (OLIVEIRA-FORMOSINHO, 2002).

O momento seguinte da rotina é o tempo de realizar uma atividade nas mesas. Essa atividade geralmente é de pintar no caderno de desenho grande algum desenho pronto, ou então de continuar a brincadeira nas mesas, com os poucos brinquedos. Duas vezes por semana, esse horário é preenchido com a atividade de recreação, que dura uns 20 minutos, o mesmo tempo do parque. As crianças, então, acompanham a professora de Recreação até o pátio coberto da instituição para atividades de recreação: pular corda, brincar de carimba, de obstáculos com corda, de correr e outras. Antes de saírem da sala para a recreação, porém, as crianças, algumas em especial, são avisadas de que precisam “se comportar bem” senão não podem ir com a professora. Terão que ficar na sala de aula com a professora Ilma. É claro que todas prometem um comportamento exemplar! Enquanto isso, a professora Ilma fica em sala, sentada à sua mesa, escrevendo nas agendas e nos cadernos das crianças. Nas observações realizadas nesse momento de recreação, acompanhando as crianças, pude constatar que elas parecem apreciar essa atividade, pois participam dos desafios com entusiasmo e lamentam quando a professora diz que o tempo acabou. Esse instante de recreação é o único em que as crianças usufruem de um espaço grande o suficiente para sua movimentação ampla na instituição.

Quando retornam para a sala, as crianças param para beber água e ficam aguardando, sentadas às mesas, o momento do lanche. Quando as funcionárias responsáveis avisam a chegada do lanche, Ilma orienta as crianças para que lavem as mãos. Orienta, mas não as acompanha. Do mesmo jeito que as professoras Catarina e

Rosa, também Ilma não acompanha o lanche das crianças. No máximo, fica esperando na porta de sua sala, que fica em frente ao refeitório. Assim como as demais, Ilma não sabe quem se alimentou, qual foi o lanche, se as crianças apreciaram, se repetiram e que atitudes desenvolveram nessa oportunidade. Ilma não permite que as crianças que trazem lanche de casa comam dentro da sala, por isso, organiza um espaço fora para isso. As crianças ficam sentadas ao chão e encostadas à parede. Sua justificativa para isso é que as crianças vão deixar a sala toda suja. Depois do lanche, elas retornam à sala e ficam esperando o horário do recreio, que é o momento em que Ilma vai para seu lanche. Nesse intervalo, as crianças já iniciam brincadeiras de pegapega, de “lutas” e entram em vários conflitos, sendo constantemente vigiadas e repreendidas pela professora.

No tempo do recreio as crianças ficam no pátio com as demais das outras salas, sob a supervisão das duas funcionárias. Como são menores, procuram ficar mais afastadas das crianças maiores para não se machucarem. As meninas, geralmente, se envolvem num faz de conta, utilizando alguns brinquedos quebrados, como bonecas, panelinhas e mobília, encostadas às paredes, longe da confusão e perto das funcionárias. Os meninos, entre eles, dão continuidade às brincadeiras iniciadas na sala, de pegapega e de luta, procurando não entrar em confronto direto com as crianças maiores. É uma luta pela sobrevivência, pois as duas funcionárias não conseguem sozinhas, dar conta dos conflitos surgidos durante o recreio.

Com o toque da sirene, a professora Ilma retorna ao espaço da Educação Infantil e tenta direcionar as crianças para que bebam água antes de entrar na sala. Então, ela escuta as reclamações das funcionárias sobre o comportamento de algumas crianças da sua turma e de outras sobre os conflitos e os machucados ocorridos. Como reposta, diz que vai conversar com as crianças envolvidas quando retornarem à sala. Nas observações realizadas, Ilma não se lembrou de fazer isso e as crianças ficaram sem conversa.

Quando estão novamente em sala, Ilma inicia o momento da rotina denominado de “relaxamento”. As crianças são orientadas a se sentar em seus respectivos lugares, a baixar as cabeças e fechar os olhos, imóveis. Ilma diz que é preciso fazer isso porque elas chegam muito agitadas do recreio, “senão a gente não consegue fazer nada”. Após um período de dez minutos e a vã tentativa de manter as crianças cumprindo as instruções dadas, Ilma passa para o que ela denominou de tempo da segunda tarefa do dia. De acordo com a professora, essa ocasião é uma repetição do momento da primeira

tarefa, isto é, geralmente ela oferece uma atividade de pintura, ou então, as crianças ficam mesmo sentadas nas mesas, brincando com os brinquedos da sala.

A hora da história só ocorre uma ou duas vezes por semana, mais às sextas feiras. Ilma diz que as crianças adoram esse instante. E se não gostassem? Essa atividade seria planejada uma vez por mês? Quando questionada por que não contar histórias todos os dias, já que as crianças gostam tanto e já que não faltam livros na instituição, Ilma respondeu que “preciso incluir outras atividades para as crianças durante a semana”.

A rotina finaliza com as crianças novamente nas mesas, com os mesmos brinquedos, esperando chegar a ocasião de ir para casa.

A atitude da professora Ilma não é muito diferente do comportamento da professora Catarina, embora ela trabalhe com as crianças menores. Seria esperado que houvesse mais oportunidades de interação da professora com as crianças, porém, o que observei é que Ilma também passa muito tempo na sua mesa e só se dirige às crianças, para solucionar algum conflito. A única atitude diferenciada é a atenção dada à criança que necessita de cuidados educacionais especiais, parece que mais pelo medo de que aconteça algo com ela do que pela compreensão sobre a importância da interação para o desenvolvimento e aprendizagem de todas as crianças.

Como Ilma havia veementemente se recusado a participar da etapa referente ao desenvolvimento de projetos junto às crianças, sua turma não foi incluída para a aplicação da Escala de Empenhamento. Com base nas observações realizadas em sala e em outros espaços da instituição foi possível, contudo, apontar algumas atitudes de Ilma que demonstram um estilo de interação caracterizado por pouca sensibilidade e insuficiente preocupação com a estimulação e a autonomia das crianças. Por exemplo, no tempo do lanche, uma das funcionárias responsáveis reclamou que uma criança estava “muito “danada”, “não ouvia ninguém” e que “estava machucando” as outras crianças. A professora retirou a criança do recreio e levou-a consigo para a sala dos professores. Lá, a criança ficou sentada ao chão, sem nada fazer, até o final do recreio. Em nenhum momento, a professora ouviu ou conversou com a criança ou ligou para seus sentimentos. Apenas impôs sua vontade de forma autoritária e impositiva. Em outra ocasião, Ilma, na roda de conversas, não encorajou nem motivou as crianças a participarem, impôs as músicas que as crianças deveriam cantar, não permitindo nenhuma possibilidade de escolha.

É provável supor, com suporte em algumas atitudes desenvolvidas por Ilma, Catarina e Rosa, no processo de interação com as crianças, que elas parecem desconhecer que existem algumas singularidades de sua profissão que não podem ser desconsideradas. A profissionalidade docente, segundo Oliveira-Formosinho (2000) refere-se “à ação profissional integrada que a pessoa da educadora desenvolve junto às crianças e famílias com base em seus conhecimentos, competências e sentimentos, assumindo a dimensão moral da profissão.” (P. 43). Ainda de acordo com essa autora, as especificidades da profissão de professor de Educação Infantil advêm de características próprias da criança pequena, como globalidade, dependência da família e, em especial, de vulnerabilidade física, social e emocional.

Guardando as devidas diferenças entre seus estilos de interação, muitas vezes respaldadas pelo contexto organizacional, as professoras parecem confundir ações que as tornam iguais e diferentes das professoras do Ensino Fundamental; atitudes que não levam em conta as necessidades de bem-estar físico e emocional, higiene e segurança das crianças, nem tampouco, a interligação profunda entre as funções de educar e cuidar, por exemplo, a não-participação em momentos importantes da rotina, como o lanche e o recreio das crianças para se encontrar com os demais professores da instituição.

Nos capítulos seguintes serão apresentadas as experiências das professoras vivenciando um projeto e desenvolvendo projetos com as crianças.

6 VIVÊNCIA EM UM PROJETO: GRUPO EM FORMAÇÃO

“A ciência pode classificar e nomear os órgãos de um sabiá mas não pode medir seus encantos. A ciência não pode calcular quantos cavalos de força existem nos encantos de um sabiá” (MANOEL DE BARROS)

A finalidade deste capítulo é expor a experiência de formação do grupo em vivenciar o desenvolvimento de um projeto, cujo tema foi o trabalho com projetos, procurando apreender e compreender as diferentes formas de participação e interação do grupo em situação de experiência direta, enfrentando problemas, procurando descobrir soluções para eles e ordenando as conclusões alcançadas. Incluir o trabalho com projetos no processo de formação das professoras apresenta-se como uma possibilidade de trazer sentido, orientação e intencionalidade à sua prática formativa, contribuindo para o seu desenvolvimento profissional.

A estrutura escolhida para este capítulo corresponde à forma como se sistematiza a apresentação de um projeto, na perspectiva sugerida por Leite (1996), com suas etapas e produções realizadas. Assim, serão apresentados os diferentes momentos: o primeiro é o da problematização, que inclui a formulação e a sistematização do problema, do tema; o “detonador” do projeto, isto é, a atividade que dá início ao estudo do tema; a explicitação dos conhecimentos prévios de todos os envolvidos e suas expectativas e interesses sobre o que esperam aprender acerca do tema projetos. Para essa ocasião foram realizados três encontros com todas as ações planejadas. (Apêndice 1).

O segundo momento, definido como o do desenvolvimento do projeto, abarca a identificação e a sistematização das questões; o planejamento coletivo dos caminhos para responder às questões propostas; a constituição de conhecimentos referentes a conteúdos conceituais, atitudinais e procedimentais em torno do tema, e a socialização permanente desses conhecimentos, em várias sínteses que decidem os rumos das ações. O momento da síntese do projeto é considerado, pela autora, como o último, e refere-se à organização e socialização de todos os conhecimentos elaborados nas diferentes etapas. Para esses momentos, foram realizados cinco encontros (Apêndice 1).

É importante esclarecer que, especialmente nessa etapa de vivência de um projeto, o grupo de professoras passou por modificações. Ainda assim, optei por incluir as participações de todas as professoras, mesmo aquelas que posteriormente se ausentaram do grupo – professoras Carmem, Marta e Sávia - porque suas reflexões

sobre projetos ajudaram as análises referentes às diferentes concepções de projetos que circulam entre as professoras nas instituições de Educação Infantil. No final do trabalho, o grupo ficou formado pelas três professoras, Rosa, Ilma e Catarina, e a coordenadora, Gorete.

6.1 O projeto: criação de vida como problema a se resolver