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A professora Rosa trabalha como professora do Jardim II na instituição há dois anos, somente no período da tarde. Substituta e sob contrato temporário, também trabalha em outra instituição pela manhã. Lamentou não ter conseguido ficar numa mesma escola, pois para ela era desgastante correr de uma para outra. Aos 43 anos, estado civil propositadamente não declarado, ganha acima de três salários mínimos e nas horas de lazer, gosta de ler, de ir ao cinema e sair com os amigos.

Rosa graduou-se em Pedagogia, em 2002, pela Universidade Vale do Acaraú (UVA). Atualmente está finalizando um curso de especialização em Psicopedagogia, também pela UVA. Tem experiência de sete anos no magistério, todos na Educação Infantil e em escolas da rede privada e pública.

Para Rosa, ser professora não foi sua primeira opção de ofício. Assim como Catarina, foi por acaso, quando foi solicitada a “tirar uma licença médica de uma professora” de uma escola particular. A sala era de Educação Infantil e, segundo Rosa, “me apaixonei! Foi aí que entrei na faculdade para fazer Pedagogia”. Rosa disse que não consegue imaginar-se antes de ser professora e, de maneira entusiasmada, afirma:

Eu me realizo como professora de Educação Infantil. Esse trabalho me instiga, me dá mais vontade de conhecer, de pesquisar, de trabalhar os conteúdos referentes às crianças, eu amo a Educação Infantil.

Sobre seu trabalho na instituição, Rosa disse que sempre procura dar o melhor de si, aproveitando suas experiências anteriores ao propor uma prática pedagógica ativa e criativa para as crianças. Ela se define da seguinte forma: “eu sempre fui a professora de chão, nunca fui a professora de mesa”. Disse se preocupar com a autonomia das crianças e com o seu desejo de participar, dando-lhes oportunidades de escolhas. Quando questionada sobre o que ela observava de desvantagem na sua função de professora na instituição, Rosa, da mesma forma que Catarina, apontou a questão do planejamento. Diferentemente de Catarina, contudo, Rosa reclamou não da necessidade de uma coisa amarrada, mas de um espaço para planejar de fato, e, em especial, de um tempo para estudo. Para ela, o que mais faz falta na instituição é esse tempo de estudos. Sobre isso,

[...] não sei como uma escola não prevê momentos reais de estudo. Aí está a grande diferença da escola particular, lá, a gente era obrigada a estudar, eu adorava! Aqui é só enganação no dia do planejamento, já não me iludo mais.

Ainda sobre o planejamento Rosa entende e defende o argumento de que este deveria ser semanal e coletivo, com troca de ideias com a equipe, professoras e coordenadora.

Rosa disse procurar alcançar seus objetivos traçados para sua prática, mas reconheceu que o processo é lento, “que se dá aos pouquinhos”. Disse também ter vontade de melhorar sua prática cada vez mais, pois sabe que seu diploma já não garante mais, como antigamente. Para ela, a prática de hoje precisa ser diferente, “antes o professor tinha que dar tudo pronto, tinha que fazer pela criança”. Reconheceu que as crianças são diferentes, que têm tempos variados e que, por isso, a forma como organiza a rotina e o grupo ajuda muito o seu trabalho com elas. Sua maior satisfação era quando via as crianças “produzindo, realizando, investigando... Puxa! Eu estou contribuindo e não é pelo dinheiro que a gente ganha não”. Rosa apontou a falta de limites das crianças da escola pública como uma das grandes diferenças das crianças da escola privada e, de maneira contrária ao que falou Catarina, acredita que as crianças aprendem umas com as outras e que seu papel nessa aprendizagem é propor atividades para que elas construam esses conhecimentos. Ainda sobre as crianças de sua sala, Rosa assinalou que as mais pobres são as que menos faltam, as que mais sentem falta da escola.

Com relação às famílias, Rosa também assinala uma diferença entre a família da escola pública e a da escola privada. Para ela, assim como para Catarina, a família está muito distante da escola. Rosa afirmou:

A família da escola da pública é muito relapsa, ausente, só vem pegar e levar, não participa de reunião, não tem hábito de ler relatório, a tarefa vai e volta do mesmo jeito.

As definições de família das duas professoras, além de apresentar uma visão preconceituosa, parecem demonstrar um desconhecimento sobre a importância de um trabalho colaborativo, com base na confiança e no conhecimento entre a família e a instituição, para sua prática e, em especial, para o desenvolvimento, aprendizagem e bem-estar das crianças. Segundo Bassedas, Huguet e Solé, essa ação educativa compartilhada “permite conhecer a criança; ajudar a conhecer a função educativa da

escola; estabelecer critérios educativos comuns e ampliar situações de interação com a criança.” (1999, p. 285).

Rosa disse que planeja toda sua prática em casa, a partir da grade de conteúdos proposta pela instituição, mas nem sempre segue à risca, ao contrário, faz questão de mudar. Com relação ao conteúdo de linguagem, por exemplo, Rosa disse que está previsto trabalhar, de forma separada, as vogais e as letras do alfabeto (como se as vogais não fossem letras do alfabeto) e que ela faz diferente: “eu não trabalhei separado, somente a letra A por uma semana, como estava previsto. Comecei a trabalhar com os nomes deles nas fichas, procurando identificar todas as letras”. Ainda justificando, ela disse:

O que está previsto no planejamento é uma aula mais parada, as crianças mais comportadinhas [...] Na minha sala as crianças se locomovem, se movimentam, tem barulho. É uma bagunça ordenada, existe a ação.

Quando planeja as atividades, Rosa disse pensar nas crianças, no que já construíram e no que precisam ainda elaborar. Infelizmente, a professora Rosa, como todas as professoras substitutas, não são valorizadas como deveriam pela direção e até mesmo pelas professoras efetivas. Com professoras sem vez nem voz, as crianças saem perdendo.

As observações realizadas na sala de Rosa mostraram que, de forma geral, os passos da rotina não se diferenciam tanto daqueles da rotina desenvolvida por Catarina. O que diferencia, de fato, é a forma como interage com as crianças.

Na sala de Rosa, as crianças são acolhidas de forma afetuosa e alegre por ela. Após guardarem seu material, logo se dirigem para a roda de conversa, no chão. Sentadas ao chão, crianças e professora iniciam uma conversa animada sobre as novidades trazidas; preenchem o calendário; o dia da semana; contam as presenças e as ausências e realizam alguma atividade desafiadora, por exemplo, um trabalho com as fichas do nome. Rosa consegue que o grupo participe, escuta as falas das crianças, trabalhando atitudes, com o objetivo de que todos sejam ouvidos e que possam participar. Também é nessa oportunidade que a professora retoma o “quadro de chefias” inventado por ela. Nesse quadro, as crianças colocam seus nomes ao lado das atividades pelas quais gostariam de se responsabilizar durante a semana, e todas as sextas-feiras, o grupo faz uma retrospectiva das funções e das ações das crianças e o rodízio das atividades. Os casos de serem responsáveis por formar a fila, entregar os lápis, entregar

os brinquedos e arrumar a sala são exemplos dessas atividades do quadro de chefia, ensejo de possibilidades de escolhas e de participação.

Diferentemente da rotina de Catarina, Rosa realiza a roda de conversas todos os dias, inclusive nos dias reservados para o parque. Consoante ela mesma disse “nos dias do parquinho a gente passa menos tempo na roda de conversa, mas nunca deixa de ter”. É também na roda de conversa que Rosa inicia seu momento de atividade, deixando para as mesas somente a atividade de registro do que fora trabalhado. Sobre o momento da agenda previsto no planejamento e valorizado por Catarina, Rosa disse recusar-se a colocar as crianças copiando do quadro porque não vê significado para aquela atividade. Por essa sua atitude, disse já ter sido severamente criticada por outras professoras, até culpada pelo fato de que as crianças iriam para o 1º ano sem saber “tirar do quadro”. Rosa disse que prefere copiar o plano de aula na agenda de cada uma do que “fazer isso com as crianças”. Ao longo da tarde, Rosa realiza, geralmente, três atividades, que podem ser de Linguagem, Matemática, Artes ou Ciências. Segundo ela, “o que sobra desse tempo é o tempo dos jogos de mesa, jogos de construir”. Esses jogos são aqueles que ficam guardados no armário, jamais à disposição das crianças, a não ser se a professora disponibilize. Rosa justificou que são jogos caros e com peças pequenas que poderiam ser facilmente perdidas.

Rosa disse que não gosta de deixar as crianças ociosas e, para isso, às crianças que terminam a tarefa, ela oferece massinha e os brinquedos que ficam à disposição na sala, em um balde grande (legos, bonecos e carrinhos quebrados).

A sua rotina também inclui atividades de narração de histórias e de movimento, deslocamentos dentro e fora da sala. Para as atividades de contagem de histórias, Rosa compra muitos livros já que a instituição não disponibiliza em sala livros em número suficiente. A professora disse não se preocupar com o tempo de cada atividade porque compreende que o grupo não é homogêneo e as crianças têm um ritmo diferente. De fato, de todas as turmas observadas, incluindo as salas das outras professoras que não entraram para o nosso grupo, a sala de Rosa foi a única onde as crianças tiveram oportunidade de dar continuidade a uma atividade no dia seguinte. Na ocasião das atividades, Rosa trabalha com grupos menores, procurando estar perto das crianças, colocando os desafios e incentivando. Sobre isso ela disse:

Na atividade que eu preciso ter um olhar mais focado, então eu vou alternando, vou formando grupos com crianças que têm mais autonomia e

vou liberando os que vão acabando para os jogos e massinha enquanto trabalho com os outros.

Apesar de Rosa dizer que fica satisfeita de ver que os grupos podem trabalhar de forma autônoma, sozinhos, sem sua intervenção direta, ocorre na realidade é que tudo em sala ainda depende exclusivamente dela para acontecer, desde pegar as atividades, os próprios lápis e até os brinquedos. Parece que Rosa ainda não compreendeu, por exemplo, que a própria forma como organiza o espaço da sala tem relação com a independência das crianças. Retirando as cadeiras e as mesas e os poucos brinquedos no balde na sala, tudo fica guardado no armário, fechado com chave, longe do alcance das crianças. Às crianças é negado o direito de realizar escolhas: de material, porque está indisponível, de parceiros, de atividades... Como falar em autonomia?

Após o tempo da atividade de registro, Rosa, da sala, encaminha as crianças para o lanche. Da mesma forma que Catarina, Rosa também não acompanha as crianças ao refeitório, mas fica na sala, em sua mesa, produzindo as tarefas das crianças. Também não presencia essa oportunidade importante da rotina e só sabe o que ocorre lá, qual o lanche servido, quem comeu ou não, quem repetiu o lanche, por exemplo, porque se interessa em perguntar quando as crianças retornam. Uma atitude de Rosa diferente das demais professoras é sua preocupação com as atividades ligadas à higiene das crianças. Ela orienta as crianças a lavar as mãos, antes, depois do lanche e no retorno do recreio, e, também, é a única professora que se preocupa com a escovação dos dentes das crianças após o lanche, embora também não presencie esse momento porque fica na sala. Assim mesmo, quando as crianças retornam, ela faz questão de conferir a escovação de cada uma.

Quando as crianças retornam da escovação, Rosa oferece os brinquedos e permite que as crianças brinquem livremente; só não podem correr na sala, porque, segundo ela, podem se machucar. Da mesma maneira que Catarina, Rosa acha que o tempo entre o lanche das crianças e o recreio, quando vai para a sala dos professores, é muito curto para realizar alguma atividade.

Quando do recreio, Rosa também se dirige à sala dos professores, deixando as crianças com as outras no pátio coberto, sendo supervisionadas pelas duas funcionárias. Sobre esse momento longe das crianças, Rosa disse ter estranhado muito quando chegou à escola porque, onde trabalhava, ela não podia se afastar das crianças, no instante do lanche e muito menos no tempo do recreio onde há tantas crianças juntas. Quando perguntei sobre o que ela achava dessa situação, Rosa disse: “são coisas da escola

pública que eu não entendo. Preocupada eu fico, mas todo mundo faz isso aqui”. Por várias vezes Rosa manifestou essa dubiedade de atitude com relação ao que ela sabe que é certo sobre sua posição de professora e acerca da responsabilidade para com as necessidades das crianças e o que está proposto para as crianças que frequentam a escola pública. Será uma propagação do discurso assistencialista proposto para o atendimento oferecido pela escola pública? Um atendimento pobre e sem qualidade para as crianças pobres?

Depois do recreio, de volta à sala, Rosa propõe alguns minutos de relaxamento e, tal como Catarina, pede que as crianças deitem as cabeças nas mesas. Após o relaxamento, está previsto no planejamento outro momento de atividade, que pode ser de Artes, sempre Desenho, como representação do que foi trabalhado, história ou jogos nas mesas.

As atividades de Artes envolvendo pintura com tinta são muito raras, em todas as salas. As professoras apontam a dificuldade de não poderem contar com uma pia dentro da sala. As crianças, para lavar as mãos, precisam ir até o banheiro, que é fora e longe da sala.

Rosa passa a maior parte dos momentos interagindo com as crianças nas mesas. As crianças, por sua vez, têm uma relação muito aberta e destemida com Rosa e sempre recebem apoio para resolver os conflitos surgidos.

Ao final da tarde, Rosa reúne todas as crianças na roda de conversa para avaliarem o dia e as atitudes de todos. Também nessa ocasião, a tarefa de casa é entregue a cada criança, devidamente explicada. Com isso, Rosa diz querer garantir que as crianças façam as tarefas, mesmo que não contem com ajuda em casa.

Os resultados da Escala de Empenhamento do Adulto com relação ao estilo de interação da professora Rosa evidenciaram que as percentagens referentes à categoria de ação sensibilidade variaram da seguinte forma: a maioria, precisamente 70%, foi classificada no ponto 4 da escala, 20% no ponto 3 e somente 10% foram classificadas no ponto 5. Com relação à categoria de ação estimulação, 70% das percentagens foram classificadas no ponto 3, 20% no ponto 4 e 10% no ponto 5. Finalmente, com relação à categoria de ação autonomia, metade das percentagens foi classificada no ponto 2, 30% no ponto 3 e 20% no ponto 1.

Analisando esses resultados da Escala de Empenhamento da professora Rosa, ficou evidente, entre outros aspectos, que ela apresentou, com relação às categorias de ação sensibilidade e estimulação, uma predominância de estilos de interação

classificados nos pontos 4 e 3. Isso indica atitudes predominantes de empenho com traços de não empenho e atitudes nem de empenho nem de falta de empenho. Também apareceram atitudes que indicam empenhamento total, conseguindo pontuar no nível 5.

Isso significa que Rosa foi sensível com relação ao bem-estar das crianças, colocou-se no mesmo nível físico, sentando-se com elas às mesas e na roda, considerou suas necessidades, sempre utilizando um tom de voz calmo e afetuoso. Rosa também estimulou as crianças a participarem, a resolverem seus conflitos pelo diálogo. Preocupou-se também em desafiar todas as crianças, dando uma atenção especial àquelas com maiores dificuldades, procurando valorizar a produção de cada uma. A análise da atividade apresentada a seguir ilustra seu estilo de interação:

Atividade com as fichas do nome. 14h. A professora está sentada no chão na roda de conversa apresentando um painel com os nomes completos, escritos com letra de forma, de todas as crianças em forma de ficha. Os nomes estavam separados dos sobrenomes. Na atividade as crianças deveriam identificar os donos das fichas com base nos sobrenomes. Após montar as fichas a professora pediu licença para cortar cada ficha separando todos os nomes. O outro desafio da atividade era montar novamente a ficha.

Rosa respeitou e valorizou as crianças, pedindo licença para cortar suas fichas do nome. Demonstrou muita empatia com as que não conseguiram descobrir sua ficha e, para fomentar a confiança dessas crianças, criou estratégias, por exemplo, pedindo ajuda aos colegas.

Com relação à categoria de ação autonomia, contudo, foram registradas ações classificadas nos pontos 3, 2 e 1, com predominância de percentagens no ponto 2, o que indica atitudes predominantes de falta de empenho com traços de empenho. Apesar de mostrar confiança nas crianças para trabalharem sozinhas, em pequenos grupos, de permitir eventualmente que as crianças façam algumas escolhas, de encorajá-las a resolver seus conflitos, Rosa não propicia, de fato, oportunidades para que as crianças ajam de forma autônoma e independente na sala, porque, para as coisas acontecerem, depende da sua presença e interferência. Desde o desenvolvimento das atividades até o acesso a um lápis, tudo depende de sua ação.

Comparando os estilos de interação de Catarina e Rosa55, a tabela apresenta um panorama geral da percentagem dos episódios filmados de cada professora,

55 O quadro não inclui a professora Ilma porque, até esse momento, ela ainda não havia decidido se iria

desenvolver projetos com as crianças. A intenção de utilizar a Escala era a possibilidade de identificar alguma mudança no empenho das professoras na realização dos projetos com as crianças.

classificados de acordo com os cinco pontos apresentados na escala de empenho, considerando as categorias de ação: sensibilidade, estimulação e autonomia.

Tabela 1: Percentagem do nível de desempenho observado nas professoras

Nível de empenho

Professoras Categorias de ação 5 4 3 2 1

Sensibilidade 0 0 10% 60% 30% Catarina Estimulação 0 0 10% 40% 50% Autonomia 0 0 10% 10% 80% Sensibilidade 10% 70% 20% 0 0 Rosa Estimulação 10% 20% 70% 0 0 Autonomia 0 0 30% 50% 20%

Fonte: Dados da pesquisa. Elaboração própria.

Uma análise na tabela revela explícita diferença nos estilos de interação das duas professoras, em especial, com relação às categorias de ação sensibilidade e estimulação. Os dados permitem constatar que o estilo de interação de Catarina é marcado pela centralidade na sua ação, por uma atitude autoritária, pouco sensível à contribuição das crianças e às suas necessidades de atenção e cuidado. A professora Rosa apresenta um estilo de interação que permite a participação das crianças, valoriza e incentiva sua potencialidade. No que diz respeito à categoria de ação autonomia, os desempenhos das professoras se aproximam no sentido de que os níveis de empenho acontecem nos mesmos pontos, embora haja uma diferença substancial na percentagem.

É possível supor que o fato de Rosa apresentar classificações nos níveis 4 e 5 em sensibilidade e estimulação pode estar relacionado à sua experiência profissional anterior, em uma escola privada. De acordo com ela, nessa escola “tinha muito estudo, toda a equipe tinha que estudar junto com a coordenadora [...] eu sinto muita falta da formação que eu tinha lá.” Também é importante o seu esforço pessoal.