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Polêmicas em torno do trabalho com projetos

2.3 O trabalho com projetos: o estado da arte

2.3.2 Polêmicas em torno do trabalho com projetos

No campo educacional, a utilização do trabalho com projetos está cercada de controvérsias, advindas, especialmente, das várias concepções atribuídas a ele (PACHECO, 2002; BOUTINET, 2002 e HERNANDÈZ, 1998), dentre outros. Pacheco (2002) aborda algumas questões polêmicas referentes ao trabalho com projetos, dentre as quais a atitude de dúvida existente em muitos professores e até mesmo em alguns pais, sobre o trabalho com projeto ser considerado mais uma “modernice, mais uma situação que vai fazer os alunos de cobaias, mais uma brincadeira que os irá distrair e desviar de aprenderem o que verdadeiramente interessa.” (P. 12). Comenta esse autor sobre a angústia de alguns professores, ao se verem “obrigados” pela instituição a utilizar o trabalho com projetos, sem ainda uma compreensão do que isso significa para sua ação em sala, e sobre o fato de o projeto não poder ser considerado uma poção mágica que resolverá todos os problemas da escola. Pacheco exprime que o trabalho com projetos pode contribuir para melhorar as condições de aprendizagem, se não for desenvolvido como uma receita, mas sim uma ação organizada que prevê o envolvimento de todos. É necessário que se realize uma séria reflexão acerca do uso de trabalho com projetos, com a participação de todos diretamente envolvidos.

Boutinet (2002), que utiliza a expressão “Projeto Pedagógico,” assevera que há três tipos de confusão relacionados ao projeto: uma ligada à variedade de expressões para definir o “recurso ao projeto”, denominações como projeto educacional, projeto didático, projeto político-pedagógico, projeto de aprendizagem, projeto de ensino, e outras, que envolvem, inclusive, distorções semânticas. A segunda confusão apontada pelo autor concerne à existência de um equívoco sobre a ação pedagógica. Explicando, ele diz que, como a proposição de se trabalhar com projetos foi sugerida pela sua perspectiva de abrir espaço para a criatividade do professor e do educando e pela

possibilidade se libertar das grades propostas pelos programas escolares, seu planejamento e desenvolvimento não podem ser realizados sem a participação do professor. Por último, Boutinet aponta a confusão referente às motivações contraditórias para a utilização do trabalho com projetos. Para ele, há um consenso de que trabalhar com projetos é uma ação positiva, por isso, todos assentam na sua utilização, suas justificativas: o burocrata da educação justifica dizendo que o projeto é um toque de criatividade que vai tornar o sistema mais eficaz; o libertário reconhece no projeto uma possibilidade de experimentação, e os que defendem uma educação privatizada aprovam o “recuo do Estado e de sua imposição”.

Hernandèz (1998) aponta às várias concepções dadas ao trabalho com projetos. Para ele, o trabalho com projetos é concebido, na maioria das vezes, como uma metodologia didática; noutras, como um caminho para extrapolar as amarras das grades curriculares; como um questionamento que possibilita redefinir os sentidos das disciplinas curriculares, numa perspectiva transdisciplinar do currículo e, por fim, como proposta “reconceitualizadora”, que considera o trabalho com projetos como

[...] uma estratégia para recriar a Escola, enquanto mediadora na construção de identidades das crianças e adolescentes [...] restabelecer o que “hoje” é pertinente para o ensino [...] para que o indivíduo possa compreender o mundo no qual vive [...] saiba como acessar, analisar e interpretar as informações. (P. 31).

O autor, quando aponta a concepção metodológica dos projetos, se refere a “um saber fazer” definido nos seguintes passos já predeterminados: sugestão do tema; levantamento e registro dos conhecimentos já elaborados pelo educando; questionamento aos educandos sobre o que querem saber; oferta de fontes diferentes de informações; elaboração de registros sobre o que foi aprendido e apresentação de um produto, ao final. Para esse autor, apesar de esse “saber fazer” apontar para uma perspectiva um pouco diferenciada, até mesmo inovadora, de organizar as atividades de ensino e aprendizagem, pouco modifica o pensamento do professor sobre as possibilidades de aprendizagem de seus educandos. Isto acontece porque, no desenvolvimento dessa metodologia, ainda persistem em sala modelos de ações que têm o professor como centro do saber e o educando como dependente de suas ações.

A sede de não se sentir excluído do que hoje se define como um “modismo” e a possibilidade de superar práticas habituais, que não estão contribuindo para a aprendizagem da criança justificam a busca compulsiva do professor pelas “receitas”

encontradas na avalanche de livros e manuais que dão sugestões de trabalhos com projetos à sua disposição na mídia impressa. O que se vê, em decorrência disso, são práticas sendo desenvolvidas e definidas como dentro da perspectiva de trabalho com projetos, mas que trazem distorções teórico-metodológicas que não contribuem para o desenvolvimento e aprendizagem da criança e do professor.

Outro aspecto polêmico relacionado ao projeto diz respeito a uma das etapas definidas de seu desenvolvimento. Refiro-me, mais especificamente, ao momento denominado de síntese ou culminância, que, para alguns autores, corresponde ao instante de finalização do projeto. Muitas vezes, o que se observa na prática desenvolvida é que há uma supervalorização desse momento, ou seja, o envolvimento e empenho, em especial, dos professores, estão direcionados à ultima etapa, a de comunicação e socialização do material produzido. Parece que não há uma compreensão clara dos professores de que o mais importante é o processo de construção interativa e coletiva em que as “crianças desenvolvem seu interesse, através de formulação de hipóteses e da experimentação de suas teorias, num modelo de pesquisa conjunta com os professores.” (KINNEY, 2009, p. 39).

Para Hernandèz (1998), a síntese final é importante como “agrupamento do estudado” e como ordenamento do percurso trilhado. A “culminância” precisa ir além da intenção de unir todo o produto elaborado para a “ostentação” para a família das crianças ou para os outros professores.

No exercício de compreender essa supervalorização dada pelos professores ao momento da culminância, é possível conjecturar a ideia de que isso ocorre porque é precisamente nesse momento final que os professores, audazes na tentativa de desenvolver um fazer pedagógico diferenciado, podem demonstrar concretamente, para todos, que conhecimentos foram edificados.