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pequenos agricultores ou pescadores), tendo como consumidores as

‘comunidades da periferia’”.

76 O MST nasceu da “articulação das lutas pela terra retomada no final da década de 1970, especialmente na região centro-sul do Brasil, expandindo-se aos poucos para todos os entes federativos do país. [Este movimento social] teve a sua gênese entre 1979 e 1984, sendo criado formalmente no ‘Primeiro Encontro Nacional de Trabalhadores Sem Terra’ em janeiro de 1984 na cidade de Cascavel/PR” (CALDART, 2001 apud DANTAS, 2012, p. 84).

infraestrutura das comunidades periféricas, a continuidade de seus propósitos foi interrompida nas gestões posteriores. No final da década de 1990, já no governo de Ângela Amin (1997- 2000), os problemas estruturais no maciço do Morro da Cruz continuavam os mesmos: esgoto a céu aberto, lixo, proliferação de ratos, perigo de deslizamentos nas encostas, crianças com elevado índice de verminoses, etc. Porém, o que havia mudado era, justamente, o jogo de forças sociais entre o aparato estatal e as comunidades dos morros, fruto da experiência obtida durante a administração da Frente Popular (DANTAS, 2012, pp. 85-86).

Deste modo, há de se reconhecer o papel dos canais de participação popular da segunda metade dos anos 1990 em Florianópolis para a consolidação do FMMC enquanto uma organização de caráter popular influente na política do município. Experiências históricas vinculadas à problemática migratória, à regularização fundiária dos/as sem teto e à organização política das comunidades pesqueiras e dos pequenos agricultores também contribuíram para a articulação política das comunidades dos morros. O debate e as ações coletivas de combate ao narcotráfico foram outros fatores preponderantes para seu fortalecimento (DANTAS, 2012).

Dantas (2012) – diferentemente de TOMÁS (2012) – destaca que o FMMC não pode ser compreendido enquanto um movimento social, principalmente porque mesmo apresentando demandas comuns, não se desvincula completamente do institucional, já que seu principal campo de atuação e negociações políticas é exatamente a esfera político- institucional. Decorre deste fato que suas conquistas tenham dependido em grande medida das oscilações políticas das gestões públicas em vigor. O autor afirma que

[...] composições sociais como o FMMC podem ser enquadradas em organizações de articulação e

mediação política, onde estas formas de mediação

se dão na interlocução e nas parcerias mais institucionalizadas entre a sociedade civil e o Estado (audiências públicas, assembleias, conferências políticas, OP, conselhos setoriais de políticas públicas, Agenda 21, etc.). Desse modo, o FMMC asseguraria nestes espaços institucionalizados, “oportunidades do exercício do ‘controle social pela cidadania’, considerado

como um meio político adequado e legítimo para a expansão da democracia (DANTAS, 2012, p. 88, grifo no original).

Ou seja, o FMMC cumpria com um papel aglutinador de diversos ativismos sociais (de bairro) articulados nas comunidades do MMC e em parceria com outros setores progressistas que atuavam politicamente na cidade. Seu modelo de organização por comissões (segurança, ambiente, trabalho e renda, educação, informação) efetivava debates e ações em torno de questões transversais às diferentes comunidades do maciço (DANTAS, 2012).

Na virada do século XX para o XXI os problemas sociais seguiram latentes no MMC. Dantas (2012) relata que em um estudo da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) realizado em 2002 – por iniciativa da professora Maria Dolores Buss, do Laboratório de Análises Ambientais (LAAm), vinculado ao Centro de Filosofia e Ciências Humanas (CFH) –, fez um diagnóstico do MMC através de pesquisas e questionários em 13 comunidades. Os resultados obtidos das análises indicaram que

[...] as prioridades destas comunidades eram: transporte, habitação, saneamento e lixo, organização comunitária, educação ambiental, conhecimento das áreas de preservação permanente e a situação das áreas de risco. [Também] identificou-se que 57% das famílias das comunidades do maciço sobrevivem com até um salário mínimo mensal, através dos serviços domésticos (25%) e construção civil (35%) especialmente (MARTINS, 2009c) (p. 92). Em 2005 as comunidades do maciço do Morro da Cruz já concentravam 35% da população empobrecida de Florianópolis e a atuação do FMMC deu uma grande visibilidade às comunidades do MMC e à pobreza urbana de Florianópolis frente a órgãos públicos e à imprensa e, por consequência, à opinião pública em geral (DANTAS, 2012). Tudo isso influenciou as mudanças de atitudes dos governos municipais em relação a essas comunidades, tanto no sentido de perceber suas demandas como em não mais tratá-las pontualmente, mas sim de forma articulada e holística. Tal contexto foi decisivo para a aprovação pela Câmara de Vereadores do Projeto de Lei sancionado pelo Prefeito Municipal para a regulamentação das Zonas Especiais de Interesse Social (ZEIS) do Maciço do Morro da Cruz, no ano de 2005

(TOMÁS, 2012), projeto que viria a ser financiado pelo Programa de Aceleração do Crescimento (PAC)77, do Governo Federal.

Os projetos no maciço deveriam beneficiar 5,6 mil famílias, através da melhoria das condições de habitação, infraestrutura, água, esgoto, energia elétrica e pavimentação. Investimentos em recuperação/educação ambiental e geração de emprego e renda também foram previstos. Ao todo, o investimento previa um montante de R$ 54,6 milhões, sendo que R$ 25 milhões seriam de responsabilidade da União; R$ 14,6 milhões da prefeitura; e R$ 15 milhões do governo do estado (DANTAS, 2012, p. 92).

A partir daí o FMMC – que estava fortemente envolvido nas discussões do Plano Diretor Participativo (PDP) – acabou mudando o seu foco, e os debates passaram a realizar-se prioritariamente acerca da implementação dessas ZEIS, no intuito de buscar garantir melhorias como “a regularização fundiária e a implementação de equipamentos comunitários como creches, equipamentos de lazer, posto de saúde [e] polícia comunitária” (TOMÁS, 2012, p. 291). O PAC acabou, portanto, desmobilizando as comissões do FMMC e a sua atuação nas ‘leituras comunitárias’78 em torno do PDP de Florianópolis (CARRIJO, 2009 apud DANTAS, 2012).

Os setores do poder público mais ligados ao empresariado conseguiram, deste modo, desarticular dois importantes fóruns que obstruíam a efetivação de interesses elitistas para o espaço urbano de Florianópolis: o FMMC, no que tange às obras de infraestrutura na área

77 O Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) é um programa do Governo Federal iniciado em 2007, no segundo mandato do Presidente Luís Inácio Lula da Silva (2007-2010). O programa consiste no investimento em obras de infraestrutura social, urbana, logística e energética do país.

78 As ‘leituras comunitárias’ representavam uma das etapas da elaboração do plano diretor em Florianópolis, formada pelos seguintes itens: a) instalação do processo de planejamento participativo; b) levantamento da realidade do município; c) leitura técnica; d) leitura comunitária; e) definição do macrozoneamento, das diretrizes e dos instrumentos; f) projeto de lei e g) implementação e gestão do plano diretor. As leituras comunitárias eram realizadas em audiências públicas, identificando as principais prioridades das comunidades (PLANO DIRETOR PARTICIPATIVO, s.d. apud DANTAS, 2012, p. 95, nota 74).

do MMC e o Núcleo Gestor do PDP, no que tange às políticas e direcionamento dos investimentos em todo o município.

As grandes quantidades de verbas liberadas pelo governo federal não tiveram a destinação esperada, sendo investidas em obras gerais de infraestrutura, como a abertura e pavimentação de ruas e instalação de redes de abastecimento de água, energia elétrica e de esgotos. Obras que são, obviamente, necessárias, mas que não incidem no problema da habitação, ao passo que cumprem com o papel de valorização fundiária das terras do MMC. Nesse sentido, a inauguração da Avenida Transcaeira (em 2012) viria a ser um marco para as comunidades do MMC, que passaram a interligar-se por esta via. O que também veio a ser um marco para o município como um todo pois, ao também ligar o Centro à área da UFSC (e também ao Saco dos Limões), por cima da barreira natural que é o MMC, a via tornou-se um acesso muito eficaz para o trânsito entre estes setores da cidade79.

De acordo com Pimenta e Pimenta, “Apenas a comunidade do Alto da Caeira realiza a conexão entre a baía sul e os bairros centrais da área insular de Florianópolis, fazendo com que esta área seja de grande interesse da especulação imobiliária” (2004, p. 06). Na Figura 5, que traz uma representação das vias das diferentes comunidades do MMC, pode-se notar a localização estratégica da comunidade do Alto da Caeira, situada entre a Serrinha e o Mont Serrat. Embora a publicação desta representação seja datada de 2007 (ano em que a Avenida Transcaeira ainda não havia sido inaugurada), pode-se perceber também como a ligação entre estes bairros viria a facilitar o acesso viário entre os bairros Trindade e Saco dos Limões com o Centro de Florianópolis – como veremos adiante, a Ocupação Palmares encontra-se em uma área entre as comunidades Alto da Caeira e Serrinha.

79 Todos os dias em Florianópolis, nos horários de pico, ocorrem filas enormes e tráfego lento em todos os acessos ao Centro que contornam o MMC. A Avenida Transcaeira é hoje uma possibilidade de “cortar caminho” em relação a esses trajetos e de fugir dos congestionamentos. Porém, possivelmente este atalho só não caiu ainda nas graças dos segmentos de média e alta renda da sociedade florianopolitana pelos estigmas que carregam consigo os morros e as favelas.

Figura 5 - Representação cartográfica das comunidades do MMC e seus sistemas viários.

Fonte:HENNING (2007 apud DANTAS, 2012).

As obras do PAC-Florianópolis passaram a ter o acompanhamento de um Núcleo Gestor composto por representantes, de cada comunidade específica (voltando-se ao atendimento pontual), sem qualquer relação institucional com o FMMC. Nesse processo, algumas

lideranças comunitárias foram cooptadas80 pelo poder público municipal, sendo envolvidas nas obras do PAC para suas comunidades e enfraquecendo politicamente o FMMC. Com isso, o ‘controle social’ das obras de infraestrutura nos morros do maciço foi perdido em meio às táticas postas em prática pela PMF, esvaziando e enfraquecendo o FMMC, que até então havia sido uma importante instância popular de discussão e pressão frente aos interesses hegemônicos na cidade.

Já o Núcleo Gestor, que desde 2006 debatia sobre os rumos do PDP – formado por representantes do poder público, movimentos sociais, ambientalistas, centros comunitários, associação de moradores, sindicatos e entidades de classe – foi destituído pela prefeitura de Florianópolis em 2009. Essa ação configurou uma manobra histórica da PMF em favor da iniciativa privada e agentes imobiliários, ao enviar o projeto do Plano Diretor (no qual a participação fora apenas uma alegoria) para a Câmara de Vereadores – considerada pelo Instituto de Planejamento Urbano de Florianópolis (IPUF) uma instância mais legítima do que o Núcleo Gestor – com grandes alterações no que havia sido elaborado (DANTAS, 2012, p. 95). À destituição do Núcleo Gestor e de seus 13 núcleos distritais, seguiu-se a contratação da Fundação CEPA (Centro de Estudos e Planificação do Ambiente), com sede na Argentina, para a sistematização das propostas realizadas. O projeto final da CEPA passou longe das demandas das comunidades e a tecnocracia mais uma vez saiu vitoriosa.

O projeto do PAC-Florianópolis para o MMC segue hoje em andamento e, como já foi dito, pouco se fez além das obras infraestruturais que favorecem a valorização do solo – como as obras viárias e do Parque Natural do Maciço do Morro da Cruz81, inaugurado

80 De acordo com Dantas (2012, p. 97): “Esta cooptação implementou-se de diferentes maneiras, a saber: 1) personificação das comunidades dos morros a partir da visibilidade de algumas poucas lideranças; 2) promessas verbais do poder público em períodos eleitorais, ludibriando as lideranças e, por conseguinte, as respectivas comunidades; 3) baixa escolarização e desconhecimento dos processos legais por parte das lideranças comunitárias sobre a implementação de obras públicas, que devem obedecer a prazos, padrões urbanístico-arquitetônicos e ser devidamente publicizado para as comunidades locais”.

81 O Parque Natural do Maciço do Morro da Cruz possui na sua sede uma área de cerca de 40 mil metros quadrados, localizada no topo do morro, e que pode ser acessada pela avenida do Antão ou pela comunidade do Monte Serrat. A área total destinada ao parque é de aproximadamente 1,495 milhão de metros

e aberto ao público em 2013. No que se refere à regularização fundiária, principal demanda das comunidades, não houve até hoje muito progresso.

A experiência do FMMC traz à tona a questão delicada que envolve os movimentos sociais populares urbanos e ativismos de bairro historicamente, no que se refere à relação com o Estado. O que nos remete ao alerta feito por Souza (2006, p. 462, grifo no original), ao mencionar que “A relação com o Estado, necessária e defensável em algumas situações, é arriscada. Estruturalmente e no longo prazo, o Estado tende a ser uma armadilha ao domesticar e cooptar ativismos”.

No caso das ZEIS do MMC, uma conjunção de fatores parece estar “preparando o terreno” para um processo de elitização destas áreas. O que deixa um grande ponto de interrogação sobre os rumos da habitação de interesse social na região. Se essas ZEIS terão efetivadas as regularizações fundiárias ou se essa população será expulsa num novo impulso segregacionista para as periferias sob a influência da especulação imobiliária crescente, é algo que depende da correlação de forças entre os atores envolvidos.

3.3. A OCUPAÇÃO PALMARES: UM MOVIMENTO

SOCIOTERRITORIAL

Se não há igualdade... para os pobres! Que não haja paz... para os ricos! Roda a baiana! Fala mais alto! Desce do morro e ocupa o asfalto!82

A Ocupação Palmares está localizada no alto do Maciço do Morro da Cruz, em uma área central do município de Florianópolis, mais especificamente no bairro Carvoeira, próxima ao limite com os