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simplesmente excluídos de uma vida cidadã, excluídos da vivência com

dignidade. [...] A cogestão democrática dos trabalhos desenvolvidos com a comunidade é um suposto e pressuposto insubstituível neste trabalho de tradução” (GOHN, 2010, pp. 52-53).

2010, p. 20). De acordo com Gohn (2010, p. 21), a educação não formal pode desenvolver, como resultados, uma série de processos, como:

- Consciência e organização de como agir em grupos coletivos.

- A construção e reconstrução de concepção(ões) de mundo e sobre o mundo.

- Contribuição para um sentimento de identidade com uma dada comunidade.

- Forma o indivíduo para a vida e suas adversidades (e não apenas o capacita para entrar no mercado de trabalho).

- Quando presente em programas com crianças ou jovens adolescentes, a educação não formal resgata o sentimento de valorização de si próprio (o que a mídia e os manuais de autoajuda denominam, simplificadamente, como autoestima); ou seja, dá condições aos indivíduos para desenvolverem sentimentos de autovalorização, de rejeição dos preconceitos que lhes são dirigidos, o desejo de lutarem para ser reconhecidos como iguais (como seres humanos), dentro de suas diferenças (raciais, étnicas, religiosas, culturais, etc.).

- Os indivíduos adquirem conhecimentos a partir da sua própria prática, os indivíduos aprendem a ler e interpretar o mundo que os cerca.

- Desenvolve a cultura política do grupo.

A autora define o conceito de educação não formal, portanto, como

[...] um processo sociopolítico, cultural e pedagógico de formação para a cidadania, entendendo o político como a formação do indivíduo para interagir com o outro em sociedade. Ela designa um conjunto de práticas socioculturais de aprendizagens e produção de saberes, que envolve organizações/instituições, atividades, meios e formas variadas, assim como uma multiplicidade de programas e projetos sociais (GOHN, 2010, p. 33).

Deste modo, a educação não formal apresenta um campo próprio, com intencionalidades, onde o eixo é a formação para a cidadania e a emancipação social dos indivíduos. Suas práticas ocorrem, de modo geral, para além dos muros das escolas, em organizações e ações coletivas como movimentos sociais, associações comunitárias,

formações políticas e lutas sociais diversificadas – cabe lembrar que a educação não formal, assim como os próprios movimentos sociais, como mencionado, não possuem necessariamente um posicionamento político progressista ou de esquerda, embora seja o foco nesta pesquisa.

Assim mesmo, quando Gohn (2010) enumera e resume os principais objetivos da educação não formal, entendendo-a como uma educação para a cidadania, nota-se sua aproximação com as pautas e demandas reivindicatórias de movimentos sociais de caráter progressista. Os objetivos são:

a) Educação para justiça social.

b) Educação para direitos (humanos, sociais, políticos, culturais etc.).

c) Educação para liberdade.

d) Educação para igualdade e diversidade cultural.

e) Educação para democracia.

f) Educação contra toda e qualquer forma de discriminação.

g) Educação pelo exercício da cultura e para a manifestação das diferenças culturais (pp. 39- 40).

Podemos compreender o processo organizativo dos movimentos sociais, construindo sua força social através de ações interativas e com intencionalidades compartilhadas, como um processo educativo integrante do que a autora conceitua como educação não formal. As diversas práticas construídas neste processo desdobram-se em diferentes processos educativos onde, além do próprio movimento social e seus apoiadores/as, também seus opositores/interlocutores e a sociedade como um todo – e isso depende em grande medida da força social e legitimidade das demandas do movimento – acabam tendo contato com as questões e se posicionado sobre elas.

De acordo com Gohn,

[...] os movimentos sociais sempre têm um caráter político (não confundir com partidário), que criam e desenvolvem um campo político de forças sociais na sociedade civil, contribuindo para seu desenvolvimento político. Eles politizam as demandas socioeconômicas, políticas e culturais, inserindo-as na esfera pública da luta política. Trata-se de coletivos que no processo de ação sociopolítica desenvolvem uma identidade, de

forma que se apresentam como atores coletivos (2006, p. 252).

Na base da resistência e da luta por visibilidade os movimentos sociais trazem à tona temáticas importantíssimas que, embora muitas vezes presentes nos currículos da educação formal, acabam sendo ocultadas ou tratadas sem a devida atenção e relevância. É também por esse caminho que os movimentos, influenciando diferentes agentes, gestam as possibilidades de ganhos concretos de autonomia e cidadania para os grupos sociais que estão mais sujeitos às diversas formas de opressão.

CAPÍTULO 3 – TERRITORIALIZAÇÃO COMO RESISTÊNCIA E O CARÁTER EDUCATIVO DA OCUPAÇÃO PALMARES

A Ocupação Palmares foi iniciada no Maciço do Morro da Cruz (MMC) no ano de 2012, por trabalhadores e trabalhadoras pobres e migrantes que já não podiam sustentar as suas famílias e pagar os aluguéis. Essa é a realidade de milhares de famílias na Grande Florianópolis, que criam e recriam a sua reprodução material cotidiana no improviso, à sua maneira. A ocupação ilegal dos morros e de outras áreas irregulares não é algo raro na capital catarinense e, assim como em todas as grandes cidades brasileiras, é algo intrínseco ao modo como foi produzido seu espaço urbano. Neste capítulo, trabalharemos com uma análise do processo organizativo da Ocupação Palmares ao longo de sua trajetória, analisando o seu caráter educativo enquanto movimento socioterritorial de luta por moradia. Primeiramente, consideramos necessário trazer uma breve contextualização histórica de como se deu a territorialização da pobreza em Florianópolis, assim como no MMC.

3.1. BREVE HISTÓRICO DA TERRITORIALIZAÇÃO DA

POBREZA EM FLORIANÓPOLIS

Um pedacinho de terra, perdido no mar!…63

A segregação espacial, a ocupação dos morros e a formação das favelas têm raízes profundas em Florianópolis, sendo que nesses processos históricos podem-se identificar alguns marcos cruciais, articulados por interesses dos grupos hegemônicos da cidade, que estão associados às conjunturas nacionais e internacionais. Neste subcapítulo percorreremos por algumas questões referentes a este tema.

A perspectiva de universalizar práticas higiênicas e dar um aspecto sadio à Florianópolis, nos anos iniciais da República no Brasil64,

63 Trecho do Hino Oficial do Município de Florianópolis, escolhido em concurso promovido em 1965 pela Prefeitura Municipal. Em 08 de julho de 1968 o projeto foi sancionado, vindo a ser a lei nº 871. A poesia foi composta por Cláudio Alvim Barbosa (Zininho) e intitulada Rancho de Amor à Ilha. A década de 1960 foi marcada por um boom na urbanização e aumento populacional na cidade, intensificando diversos problemas sociais, como a segregação espacial e a favelização.

gerou grandes alterações nas paisagens e a promoção de interferências para a população, através da indução a comportamentos homogêneos e disciplinados. As obras de saneamento, em nome da higiene e saúde pública, interferiram no modo de vida de vários sujeitos sociais, moldando condutas, normatizando comportamentos, impondo uma “nova ordem” urbana (NECKEL, 2003).

Uma conjunção de fatores levou a administração municipal a tomar as medidas que foram implantadas na virada do século e nas décadas seguintes. A Proclamação da República trouxe consigo a consolidação de uma elite política e econômica que, no anseio de transformar a capital da província em uma cidade dita “moderna”, passou a importar os padrões de comportamento europeus que já se difundiam entre as elites de outros centros urbanos do país – como a capital, Rio de Janeiro – e, em detrimento disso, cresceu o sentimento de repulsa tanto às populações tradicionais como às pobres. O povo açoriano ficou marcado como um símbolo do colonialismo e do atraso e a adoção de novos padrões arquitetônicos para construção das edificações na área central, no lugar das tradicionais casinhas de porta e janela, foi uma alternativa encontrada para esconder essa “herança”.

O temor que as epidemias de doenças diversas – que marcaram o século XIX na cidade – causavam em toda a população possibilitou a quem defendia mudanças urbanas reforçarem seus argumentos de controle social em meio ao combate às pestes. Os casos recorrentes de doenças, deixando muitos mortos, deixavam a sociedade alarmada, e a constante ameaça de epidemias mantinha em evidência as preocupações higienistas que passariam a influenciar a condução da saúde pública, das posturas, decisões e projetos de infraestrutura e serviços urbanos (SANTOS, 2009).

No início do século XX, as preocupações com doenças infecciosas, como a tuberculose, passaram a ser tratadas cada vez mais diretamente com obras sanitárias, incluindo as demolições de casas e cortiços. O tema da higiene pública passou assim a ser relacionado definitivamente às condições das moradias. O departamento de higiene pública apontava as condições precárias das casas de aluguel como focos de moléstias contagiosas. “Como os pobres eram os mais assolados pelas epidemias e viviam em geral de aluguel eram os mais forçados a abandonar as residências” (SANTOS, 2009, p. 393).