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poder de la clase obrera organizada –, o bien deben encontrarse nuevas fuerzas

1.3. PLANEJAMENTO URBANO: IDEOLOGIA, DOMINAÇÃO E SEGREGAÇÃO

Podemos dizer que, de certa forma, o modelo excludente de cidade que se produziu no Brasil foi, sim, planejado. Por mais que essa afirmação possa parecer contraditória com tudo o que ainda temos por explorar neste capítulo, é importante destacarmos este fato desde já. Esse planejamento não pode ser compreendido através de uma análise das ações decorrentes dos direcionamentos indicados nos planos, justamente porque esses planos – excetuando-se os planos do período que precede a matriz modernista de planejamento9, que é a grande referência até a atualidade – não foram pensados para serem concretizados. Villaça afirma que “somente entendida enquanto ideologia é possível compreender a produção e principalmente a reprodução no Brasil, nos últimos cinquenta anos, do planejamento urbano, cristalizado na figura do plano diretor” (1999, p. 182). Para o autor, as constantes mudanças, ao longo da história, de nomes, conteúdos e metodologias de elaboração dos planos, foram estratégias de renovação da ideologia dominante na forma de pensar as cidades, que serviram sempre como um modo de evitar o enfraquecimento da hegemonia da classe dominante, garantindo sua manutenção no poder. Portanto, é “o planejamento urbano enquanto ideologia que dominará – e ainda domina – o planejamento urbano no Brasil” (VILLAÇA, 1999, p. 227).

De acordo com Betoni (2014, p. 73, grifo no original), o coração da problemática ideológica reside no fato de que a ideologia

[...] não é um conjunto de ideias e pressupostos quaisquer, mas uma matriz que modera a relação entre o que deve ser visível e o que deve ser

9 De acordo com Souza (2010): “O modernismo foi o resultado de uma tentativa de melhor adaptar as cidades à era industrial e, por tabela, às necessidades do capitalismo. Mais do que isso: ele buscava mimetizar plenamente a racionalidade da produção industrial, transpondo para a produção do espaço urbano categorias próprias do universo da produção industrial” (pp. 125-126). Para o autor, Le Corbusier foi o grande profeta do Movimento Moderno em Arquitetura. Para ter uma ideia dessa racionalidade, cabe destacar que as ideias de Le Corbusier influenciaram muito Lúcio Costa e Oscar Niemeyer no projeto de construção de Brasília, que viria a ser a nova capital federal do Brasil (fundada em 21 de abril de 1960).

invisível, o imaginável e o inimaginável (ŽIŽEK, 1996, p. 7) – e o faz com um objetivo necessariamente prático. Nessa moderação o que deve ser ocultado, com o fim de legitimar o modo de produção capitalista, é fundamentalmente o

antagonismo de classes. Por mais que se queira

afirmar a existência de uma sociedade pós- ideológica, o fato é que a ideologia será necessária enquanto existirem conflitos dentro da atual ordem de desigualdade estrutural – ou seja, ela será sempre inevitável perante a insistência dos antagonismos de classe e das contradições entre capital e trabalho.

A capacidade de criar um ambiente de “conciliação de classes” e paz social, de falsificar a realidade (escondendo as suas mazelas) e de difundir a crença na técnica como uma espécie de “deus do progresso”, são as formas de manifestação da ideologia dominante utilizadas no modelo de urbanização que foi seguido pela sociedade brasileira.

É através de uma articulação dos segmentos dominantes da sociedade brasileira nas cidades, utilizando-se de suas influências no poder dirigente, que é criada uma representação de “cidade oficial”. Esta representação ignora a maior parte dos reais problemas urbanos, marcados principalmente pela gigantesca ocupação ilegal do solo urbano, que é um processo necessário ao próprio modelo de urbanização levado a cabo no país, como veremos adiante (MARICATO, 2011).

Nesse sentido, sobre “o descolamento entre as matrizes que fundamentaram o planejamento e legislação urbanos, no Brasil, e a realidade socioambiental de nossas cidades”, Maricato (2011) desenvolveu um importante trabalho intitulado As ideias fora do lugar e o lugar fora das ideias10, no qual ela defende que:

O urbanismo brasileiro (entendido aqui como planejamento e regulação urbanística) não tem comprometimento com a realidade concreta, mas com uma ordem que diz respeito a uma parte da cidade, apenas. Podemos dizer que se trata de ideias fora do lugar porque, pretensamente, a

10 Segundo a autora, “O título deste trabalho reúne o toque de dois dos mais brilhantes intelectuais brasileiros da atualidade: Roberto Schwarz e Francisco de Oliveira. “As ideias fora do lugar” é uma expressão cunhada pelo primeiro e dá título a um ensaio que já se tornou clássico entre as reflexões desenvolvidas sobre a sociedade brasileira” (MARICATO, 2011, p. 121).

ordem se refere a todos os indivíduos, de acordo com os princípios do modernismo ou da racionalidade burguesa. Mas também podemos dizer que as ideias estão no lugar por isso mesmo: porque elas se aplicam a uma parcela da sociedade reafirmando e reproduzindo desigualdades e privilégios. Para a cidade ilegal não há planos, nem ordem. Aliás ela não é conhecida em suas dimensões e características. Trata-se de um lugar fora das ideias” (MARICATO, 2011, p. 122). Para a autora, mesmo sendo a favela um dos elementos mais conhecidos mundialmente das paisagens urbanas brasileiras, ela não recebe a atenção necessária dos diversos órgãos responsáveis pelo planejamento das cidades, o que acaba por garantir a ampliação e consolidação cada vez maior de áreas de ocupação irregular no país. Essa ilegalidade acaba sendo funcional “para as relações políticas arcaicas, para um mercado imobiliário restrito e especulativo, para a aplicação arbitrária da lei, de acordo com a relação de favor” (MARICATO, 2011, p. 123), mas por outro ponto de vista – o ponto de vista de quem pensa numa cidade acessível para todos e todas – é completamente disfuncional, já que intensifica os diversos problemas socioambientais urbanos.

Abundante aparato regulatório (leis de zoneamento, código de obras, código visual, leis de parcelamento do solo etc.) convive com a radical flexibilidade da cidade ilegal, fornecendo o caráter de institucionalização fraturada, mas dissimulada (MARICATO, 1996). O aparato técnico corporativo, ou a burocracia ligada à aprovação de projetos e códigos de obras, não passa de um subproduto, nesse processo, alimentando-se da defesa de seu micropoder (MARICATO, 2011, p. 124).

Não é por falta de planos urbanísticos que as cidades brasileiras sofrem com os graves problemas que estamos acostumados, mas porque quem define os planos que são aprovados são as câmaras municipais, sob influência de interesses tradicionais da política local, grupos ligados aos governos de turnos e pressões econômicas de investimentos externos, do capital imobiliário e empreiteiras. São esses os agentes que acabam tendo o direito da participação efetiva na formulação dos planejamentos, onde seus objetivos específicos ditam as regras e as leis que são aplicadas de acordo com as suas circunstâncias (MARICATO,

2011). “O resultado é: planejamento urbano para alguns, mercado para alguns, lei para alguns, modernidade para alguns, cidadania para alguns...” (MARICATO, 2011, p. 125).

Sabemos que a expressão planejamento urbano muitas vezes é tratada de maneira superficial e não queremos aqui incidir neste erro. Por isso é importante esclarecer que optamos por trabalhar com ela de maneira abrangente, mais relacionada aos seus usos convencionais, nas suas diversas formas históricas, entendendo-as, como sugere Villaça (1999), como os tipos particulares de discurso e/ou ação do Estado sobre o espaço urbano, seja indicando um produto, seja um processo11. O objetivo aqui não é que nos restrinjamos à história do planejamento urbano, mas sim que façamos o percurso da história da urbanização brasileira tendo os discursos e ações do Estado como fio condutor, para que não percamos de vista o papel sempre presente e decisivo da ideologia.

Ao pensar num histórico do planejamento urbano, podemos fazer a seguinte subdivisão que, de um modo geral, é organizada em três períodos: 1º - de 1875 até 1930; 2º - de 1930 até a década de 1990; 3º - a partir da década de 1990 (VILLAÇA, 1999). É essa subdivisão que adotaremos nas próximas páginas.

O primeiro período, foi o responsável pela destruição das formas urbanas medievais (e coloniais), ainda buscando exaltar a burguesia através da forma urbana monumental, foi marcado pelos planos de melhoramentos e embelezamento e também pelo discurso e intervenções sanitaristas. O segundo é marcado pela ideologia do planejamento enquanto técnica de base científica, indispensável para a solução dos chamados “problemas urbanos”. Já o terceiro período é marcado pela reação ao segundo.

11 Sobre o método de seu trabalho, Villaça (1999, p. 181, grifo no original) destaca que para a definição de planejamento urbano stricto sensu, seu “fio condutor [...] foi constituído de um lado, pela idéia de “plano” e, de outro, pelas de “global”, “geral”, “integral” ou de “conjunto”. Essas idéias foram identificadas como sendo não só fundamentais como também invariantes no discurso convencional, dando-se-lhe unidade. [...] A partir da palavra plano foi escolhida a expressão planejamento urbano para designar essa forma específica de ação ou de discurso – do Estado sobre o espaço urbano, caracterizada por uma suposta visão geral ou de conjunto”.

1.3.1. 1875-1930: embelezar e higienizar

De acordo com Villaça (1999), o embelezamento urbano foi o marco para o nascimento do planejamento urbano brasileiro12, o que ocorreu sob influência europeia – sobretudo, francesa. Com origem renascentista, enfatizava a beleza monumental, tendo sido disseminado em várias cidades mundo afora (Madri, Barcelona, Buenos Aires, São Petersburgo, Budapeste, etc).

Esse tipo de planejamento foi altamente ideológico, pois foi amplamente utilizado para glorificar e ajudar a impor o Estado e a classe dirigente capitalistas, quando eram revolucionários. É muito significativo que seu mais esplendoroso exemplo seja dado pela capital da primeira nação do mundo que nasce capitalista. A cidade de Washington surgiu no mesmo ano em que Luís XV foi decapitado (VILLAÇA, 1999, p. 192).

As reformas iniciadas no século XIX foram responsáveis por uma série de mudanças nos hábitos e no cotidiano urbano e marcaram para sempre a cultura da sociedade e a estrutura das cidades no mundo inteiro. O período pós-Revolução Industrial trouxe consigo uma urbanização sem precedentes, e as condições de vida nas cidades eram precárias. Praticamente não havia serviços de infraestrutura básica. A grande concentração populacional, associada à falta de abastecimento de água, de serviços sanitários e de limpeza pública, proporcionaram, ainda na primeira metade do século XIX, o surgimento de uma série de epidemias como a de cólera, a febre tifoide, entre outras. O acúmulo de lixo e resíduos com consequente poluição do ar e das águas trazia diversos outros males e faziam inúmeras vítimas.

O grande fluxo migratório de famílias que trocavam o campo pelas cidades agravava a situação, e as condições de moradia eram demasiadamente ruins. Sujeira, miséria, fome, violência, roubos e

12 O autor define planejamento urbano lato sensu (que segundo ele, nas décadas de 1930 e 1940 chamava-se urbanismo) como sendo a “ação do Estado sobre a organização do espaço intra-urbano” (VILLAÇA, 1999, p. 173). Para ele, só podem ser consideradas da esfera do “planejamento urbano” as ações do Estado sobre o urbano que tenham sido objeto de algum plano, por mais amplo que seja esse conceito. Portanto, as ações sem plano não cabem como objeto de sua análise, embora o sejam os planos sem ação.

trabalhos precarizados tornaram-se parte do cotidiano europeu daquele período. Foi esse o contexto que fez com que os higienistas despontassem enquanto os primeiros profissionais responsáveis por tentar resolver os problemas através de intervenções nos centros urbanos. As condições de vida nas cidades modernas ficavam cada vez piores com o aumento dos níveis de industrialização e, desta forma, nas cidades industriais que até então eram consideradas sinônimos de caos, insalubridade, miséria e falta de higiene física e moral, adotaram-se políticas de reestruturação urbana (MÜLLER, 2002).

Iniciou-se a busca pelo controle dessas adversidades através de legislações que amenizassem os problemas da estruturação urbana. Nessa concepção, era necessário pôr fim a tudo aquilo que estivesse fora dos novos padrões de higiene e estética exigidos. As elites políticas e econômicas mobilizaram-se para afastar do centro das cidades tudo e todos aqueles e aquelas que identificassem como inconvenientes urbanos. Através das várias intervenções urbanísticas, as cidades foram sendo “saneadas e embelezadas”, buscando-se novas formas e padrões. O século XIX foi assim marcado pelas primeiras grandes operações de segregação espacial das cidades capitalistas que, sob o discurso do saneamento e embelezamento tinham, como principal medida, o afastamento da população pobre das áreas centrais.

Alguns autores, entre eles Robert PECHMAN, acreditam que é nessa época que se dá a “invenção da moradia” como instrumento de controle da burguesia, fruto das suas próprias preocupações e não da classe operária. Isto porque, a grande quantidade de trabalhadores vivendo em condições precárias e subumanas constituía, nessa época, uma enorme ameaça às elites, e implicava na necessidade de impedir que essas forças se unissem, visto que eram “perigosas e ameaçadoras” (MÜLLER, 2002, p. 26).

Nesse contexto, já podemos notar o modelo de segregação formulado por Villaça (2001)13, onde as elites vão conduzir, através da sua autossegregação, a segregação das populações pobres. Na Europa, sob a justificativa da higienização, do sanitarismo e do embelezamento, a classe trabalhadora era tirada de circulação das ruas e áreas centrais das cidades de diferentes maneiras. Ao passo que as novas

13 Sobre a segregação espacial discorreremos mais adiante, com o foco na urbanização brasileira.

infraestruturas diminuíam a necessidade do trabalho humano em serviços básicos como recolhimento de dejetos e entrega de água, também havia o estabelecimento de um padrão de comportamento e higiene pessoal que era moral, e que identificava os modos de vida dos/as pobres diretamente com os problemas de saúde pública presentes nas cidades. Criavam-se, deste modo, barreiras simbólicas nos centros urbanos e apenas a ascensão social possibilitava a livre circulação e uso do espaço urbano que, embora ainda público, tornava-se cada vez mais seletivo.

Essa nova ordem, estabelecida pelos urbanistas nos países da Europa, teve ampla divulgação e repercussão em diversos países fora do continente europeu, entre eles o Brasil, onde as informações chegavam através de uma elite que mantinha contato com essas reformas através de viagens, participações em congressos e exposições, e que, aos poucos, foi trazendo essas novas idéias de reformulação e embelezamento para o Brasil, desenvolvendo e estabelecendo novas formas de comportamento e disciplinando condutas, procurando adaptar e aplicar esses novos padrões à realidade brasileira (MÜLLER, 2002, p. 27). Essa concepção esteve muito ligada ao chamado “urbanismo sanitarista” – que, no Brasil, praticamente se extinguiu por volta da década de 1930. Até 1940, a expressão mais frequente quando se tratava de administração municipal era embelezamento urbano e, diferentemente do que passa a ocorrer a partir da ascensão da concepção modernista, não era apenas discurso. O embelezamento urbano refletia ações concretas do Estado no espaço urbano – embora com objetivos muitas vezes divergentes do que se defendia no discurso (VILLAÇA, 1999). Os interesses e a razão de ser desse modelo são bem explorados por Benchimol quando analisa o contexto do Rio de Janeiro. Conforme o autor:

O termo “embelezar” tem enorme ressonância no discurso propagandístico da época. Designa, mais do que a imposição de novos valores estéticos, a criação de uma nova fisionomia arquitetônica para a cidade. Encobre, por assim dizer, múltiplas “estratégias”. A erradicação da população trabalhadora que residia na área central; [...] a mudança de função do centro, atendendo – num plano mais imediato – aos interesses especulativos

que cobiçavam essa área altamente valorizada e – num plano mais geral – às exigências da acumulação e circulação do capital comercial e financeiro; razões ideológicas ligadas ao “desfrute” das camadas privilegiadas; razões políticas decorrentes de exigências específicas do Estado republicano em relação àquela cidade que era a sede do poder político nacional (1992, p. 228

apud VILLAÇA, 1999, p. 193).

De acordo com Neckel (2003), além das mercadorias europeias, novos gostos, hábitos e preocupações foram inseridos no contexto da elite brasileira, o que acentuava ainda mais as diferenças entre pessoas abastadas e pessoas pobres. Simultaneamente ao poder de compra, novas percepções e sensibilidades criaram um novo imaginário ideológico que fortalecia o medo e a aversão à pobreza. Não por acaso, era utilizada a expressão “classes pobres e perigosas” para referir-se à pobreza urbana, “que passa a ser vista como o outro, cujos maus hábitos contribuiriam para o surgimento das epidemias e das desordens da cidade” (NECKEL, 2003, p. 50). O estabelecimento de padrões de comportamento que definiam o que era social e moralmente tolerável desencadeia todo um processo de segregação e disputa territorial nos centros urbanos.

No Brasil, a implantação do embelezamento urbano e do urbanismo sanitarista se dá de maneira um pouco diferente, no processo de consolidação do modo de produção capitalista e ainda como forma de preparação para a industrialização das cidades. Apesar dessa diferença em relação à Europa, as mudanças ocorridas por lá serviram de modelo para que as antigas cidades coloniais brasileiras. Diante da necessidade de reformular suas estruturas urbanas deficientes, graças aos recursos gerados pela expansão econômica daquele momento e atração de capitais internacionais, – que passaram a entrar no país à procura de novas fontes de reprodução – ocorreu à implantação de novos serviços públicos, através de concessões obtidas com o Estado. Nesse período, em meio ao processo de transformação de um país colonial em republicano, com a modificação das relações de produção escravista para essencialmente capitalistas, foi que se deu o impacto do movimento sanitarista no Brasil, com a implantação de políticas de reformas sanitárias em grande parte do território nacional – o que era utilizado pelas elites como um meio de controle social e combate às mobilizações populares, a fim de afastar tanto pobres, como grupos organizados e

reivindicatórios de seus espaços de circulação (MÜLLER, 2002). Sobre esse contexto em São Paulo, Caldeira (2003, p. 214) cita que:

A elite paulista diagnosticou as desordens sociais da cidade em termos de doença, sujeira e promiscuidade, ideias logo associadas ao crime. Em 1890, o estado de São Paulo criou o Serviço Sanitário, seguido pelo Código Sanitário de 1894. Logo em seguida, agentes do estado começaram a visitar as moradias dos pobres, especialmente os cortiços, procurando por doentes e mantendo estatísticas e registros. Essas visitas geravam reações negativas: era clara para as classes trabalhadoras a associação de serviços sanitários com controle social.

Paralelamente a esse processo, as camadas ricas paulistanas, além de controlarem, também passaram a afastar-se dos pobres num processo de autossegregação, fundando bairros novos e “nobres” como os Campos Elíseos, a Avenida Paulista e Higienópolis. Ao passo que representantes deste segmento na administração municipal e instituições como a Federação das Indústrias planejavam reorganizar, limpar e abrir o centro da cidade, como Haussmann fizera em Paris (modelo que fora difundido desde a capital, Rio de Janeiro, para as demais cidades brasileiras), e afastar o operariado. Identificava-se a concentração de trabalhadores e trabalhadoras e as ditas condições anti-higiênicas de seus modos de vida como um mal a ser eliminado da cidade (MÜLLER, 2002; VILLAÇA, 1999).

A dispersão, o isolamento, a abertura e a limpeza seriam as soluções ideais para o meio urbano caótico, insalubre e suas tensões sociais. “No Brasil, no final do século XIX, início do século XX, consideravam-se “na estrada do progresso” as cidades engajadas em obras de embelezamento e saneamento, ou seja, cidades reformuladas nos moldes europeus” (MÜLLER, 2002, p. 14). Assim, através desses exemplos de planos e obras, as cidades brasileiras de maior expressão foram inseridas, gradativamente, em um projeto de modernização nacional, cuja implementação se tornou um dos objetivos principais do Estado brasileiro, no início do século XX.

Podemos observar, portanto, que a segregação espacial não é algo recente. Sobre esse processo, Villaça (2001, p. 136) afirma que os “transportes sempre foram, em qualquer modo de produção, os maiores modeladores do espaço, tanto intra-urbano quanto regional”. E na análise que faz sobre São Paulo destaca a influência dos sistemas de

transportes na localização de “dois elementos da estrutura urbana, que são os mais poderosos na estruturação do espaço metropolitano no Brasil: as zonas industriais e a região de concentração dos bairros das camadas de mais alta renda” (VILLAÇA, 2001, p. 140). Apesar de todos os elementos de uma estrutura interagirem entre si, os demais acabam sendo mais influenciados por estes dois, devido ao grau de independência que desfrutam na escolha/produção de suas localizações. No caso do primeiro elemento, isso se dá por forças externas à cidade, relacionadas ao escoamento da produção e, no caso do segundo elemento, aos interesses de consumo das burguesias que, comandando o setor imobiliário urbano, decidem a escolha/produção de suas localizações residenciais, produzindo para si a melhor acessibilidade e se territorializando de maneira privilegiada.

A segregação espacial dos bairros residenciais das diferentes