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2 QUADRO TEÓRICO DE REFERÊNCIA

2.3 PERCURSO HISTÓRICO DA ASSISTÊNCIA ESTUDANTIL NO BRASIL COMO

A Assistência Estudantil no contexto brasileiro vem sendo construída a partir de diversas reflexões, debates e práticas implementadas ao longo da história. Sua conformação está fortemente ligada às transformações sociopolíticas do país e a seus impactos na história da Educação Superior brasileira. Dutra e Santos (2017) pontuam que de iniciativas pontuais e

fragmentadas, restrita a instituições isoladas e escassos recursos, as discussões acerca da assistência ao estudante vão se tornando cada vez mais sistemáticas e complexas no decurso de sua trajetória até ganhar maior legitimidade na agenda do Governo e alcançar o status de política pública nos anos 2000.

Kowalski (2012), ao realizar uma investigação bibliográfica sobre a institucionalização da Assistência Estudantil no Brasil, considerando aspectos sociopolíticos e econômicos do país, sistematizou seu percurso histórico em três fases distintas. A primeira fase corresponde a um longo período, partindo da criação da primeira universidade até o período de “redemocratização” política do país. A partir desse momento, uma segunda fase inicia-se em meio a um espaço favorável para o desenvolvimento de uma série de debates e projetos de leis que resultaram em uma nova configuração da política de AE nas universidades brasileiras. A terceira fase, por sua vez, abarca um período de expansão e reestruturação das Instituições Federais de Ensino Superior (IFES) seguindo até os dias atuais. Conforme explicitado no quadro abaixo:

Quadro 1 - Linha do tempo dos principais acontecimentos para a institucionalização da assistência estudantil no Brasil

PRIMEIRA FASE

- 1928: Promoção, pelo presidente Washington Luis, da construção da “Casa do Estudante Brasileiro” que ficava em Paris.

- 1930: Abertura da “Casa do Estudante do Brasil” no RJ, acoplado ao RU. - 1931: Marca de nascença da AE na universidade, instituída pelo presidente Getúlio Vargas, através do Decreto nº 19851/1931.

- 1934: Integração da assistência estudantil passou na Constituição Federal no artigo 157. Previsão do fornecimento de material escolar, bolsa de estudo, assistência alimentar, dentária e médica.

- 1937: Criação da União Nacional dos Estudantes (UNE).

- 1946: Promulgação da Constituição Federal, que estabelece a assistência educacional para alunos “necessitados” e também aborda mecanismo referente à saúde dos discentes.

- 1961: Aprovação da LDB que estabelecia a assistência social como um direito a ser garantido de forma igual a todos os estudantes.

- 1970: Criação do Departamento de Assistência ao Estudante (DAE), com ênfase para os programas de alimentação, moradia, assistência médico- odontológico.

SEGUNDA FASE

- 1987: Criação do Fórum Nacional de Pró-Reitores de Assuntos Comunitários e Estudantis (FONAPRACE), congregando os Pró-Reitores, Sub-Reitores, Decanos, Coordenadores ou responsáveis pelos assuntos comunitários e estudantis das IFES do Brasil.

- 1988: Promulgação da Constituição Federal que gerou amadurecimento na discussão da política de assistência estudantil (acesso e permanência nas IFES). - 1990: Limitação de recursos nacional para assistência estudantil; discussões sobre a PAE de forma fragmentada e restrita a algumas IFES.

- 1996: Aprovação da LDB, que “de costas para a assistência estudantil”, não menciona nenhum tipo de financiamento a PAE.

- 1998: Aprovação, na Conferência de Paris, da “Declaração Mundial sobre Educação Superior no Século XXI”, que prevê a relevância social dos

programas assistenciais oferecidos nas IFES.

- 1999: Criação do FIES, que propõe financiar os cursos de graduação para os estudantes nas IES privadas.

- 2001: Aprovação do PNE, que dispõe da política de diversificação das fontes de financiamento e gestão das IES.

- 2004: Criação do PROUNI, que objetiva conceder bolsas de estudos para alunos de baixa renda em IES privadas.

TERCEIRA FASE

- 2007: Criação do REUNI, que prevê a ampliação de políticas de inclusão e de assistência estudantil.

- 2007: criação do PNAES, cujo objetivo é dar subsídios para permanência de alunos de baixa renda nos cursos presenciais na IFES.

- 2010: Sanção, em 19 julho, do PNAES como Decreto Lei nº 7.234; assistência estudantil concebida como política pública de direito. Aprovação do Decreto Lei nº 7.233, que versa sobre os procedimentos orçamentários e financeiros relacionados à autonomia universitária. Aprovação, em 30/12/2010, do Decreto nº 7416, que regula bolsas de permanência para a promoção do acesso e permanência de estudantes em condições de vulnerabilidade social e econômica.

- 2010/2011: Lançamento do Projeto Lei do PNE para o decênio 2011-2020, o qual, de acordo com a Meta 12, visa desenvolver os programas de assistência estudantil para ampliar as taxas de acesso nas IFES.

Fonte: Elaborada pela autora, com base em Kowalski (2012).

De acordo com Kowalski (2012), pode-se averiguar que durante o desenvolvimento da Política de Assistência Estudantil, foram registrados percalços e, em alguns momentos, a presença de ações, legislações e debates sobre a temática foram mais sólidas e avançaram mais que em outros. Entretanto, as fases expressam características bastante peculiares de acordo com o contexto social, político e econômico vivenciado em determinado momento histórico do país. Assim, a primeira fase se caracteriza pela assistência estudantil restrita ao atendimento dos alunos de classe média, os quais tinham acesso ao ensino superior da época e cuja formação eram destinadas ao trabalho para o Estado.

Ainda nesta primeira fase, segundo a autora, a política de educação estava relacionada aos direitos dos indivíduos à educação, à organização dos estudantes em centros voltados para sua adaptação e à participação no espaço acadêmico. Os benefícios da AE conferidos aos alunos, muitas vezes, não obtiveram um caráter expressivo que repercutisse de modo eficaz na permanência de um número expressivo de jovens nas universidades. Além do mais, não havia um projeto de âmbito nacional voltado exclusivamente para a assistência estudantil e, consequentemente, para a manutenção dos alunos nas universidades.

A segunda fase, conforme a autora se constitui em solo fértil ao desenvolvimento de políticas sociais no país, pois, a abertura política e a redemocratização criaram condições favoráveis para implantação e implementação dessas políticas. Nesta fase há um processo de democratização da educação, com a tentativa de universalização do acesso e de

implementação de uma gestão democrática, centrada na formação do cidadão. Ainda que não houvesse a existência de um programa nacional nas instituições federais voltados para a permanência dos jovens na universidade, foram criadas ações significativas que auxiliaram, de alguma forma, os segmentos estudantis mais vulneráveis social e economicamente a usufruírem de condições mais equânimes.

A característica fundamental que a diferencia das outras fases da PAE, conforme a autora é a existência do programa nacional de assistência ao estudante (BRASIL, MEC, PNAES, 2010), embora esse seja voltado a atender somente as universidades federais. Também há um esforço visível do FONAPRACE frente aos encontros anuais com dirigentes das IFES em assegurar uma rubrica própria para AE, sendo que essa foi garantida após a aprovação do plano. Assim, ainda que se encontrem distantes de uma configuração baseada no ‘status’ de política pública, essas ações vêm incidindo junto à assistência estudantil, tornando-a cada vez mais visível dentro das IFES e passível de cobrança sob a responsabilidade do Estado.

E, por fim, emerge uma terceira fase, a qual atualmente se encontra em pleno curso no seu desenvolvimento. Kowalski (2012) ressalta que essa fase se caracteriza por colocar a educação como um serviço, sendo que a formação acadêmica está voltada a atender à demanda do mercado.

Nessa terceira fase também é notada segundo Kowalski (2012) a preocupação dos governos em incluir uma parcela da sociedade que não tinha possibilidade de acesso e permanência à educação superior. Isso não impede de se reconhecer que ainda faltam elementos concretos, além da expansão das ações, para que se possa afirmar que a educação superior pública tenha se tornado mais equânime do que nas outras fases. Desta forma, a AE vem construindo seu percurso histórico, trilhando-o, muitas vezes, por caminhos incertos e descontínuos, mas fazendo sua história na formação e consolidação das políticas públicas do país.

É importante compreender que a configuração atual da proteção social brasileira é fruto de disputas que, desde a metade da década de 1990, com a instauração de uma nova agenda de caráter reformista para área social, tenta congregar, segundo Draibe (2000), ajuste econômico, direcionado para reformas macroeconômicas de estabilização, com reformas sociais que, em tese, visam eficiência e equidade. O autor refere ainda que, neste binômio, ajuste econômico e reformas sociais, sob a égide da “globalização”, confrontam-se na condução da política social os ideais “minimalistas” em defesa de medidas necessárias ao ajuste macroeconômico, cujo neoliberalismo revisita, de um lado, uma das premissas liberal, pautada no corte dos gastos

sociais associada ao corte de programas sociais públicos; e, do outro lado, a defesa dos ideais universalistas da proteção social, com vistas à consolidação do projeto democrático brasileiro. Desta oposição, surgem duas maneiras de compreender a proteção social e, consequentemente, efetivar a condução das políticas sociais: na primeira, a proteção social se constitui, segundo Costa (2009), em uma externalidade do esforço de ajuste macroeconômico, que gera o princípio da focalização; ou seja, direciona os gastos sociais em programas voltados para a parcela mais pobre da sociedade; e, a segunda, de acordo com os ideias universalistas, que consagram a política pública de proteção, tem por objetivo saldar a “dívida social” por um sistema de seguridade social que viabilize direitos sociais e seja a expressão de uma sociedade democrática e mais igualitária.

Portanto, compreender o papel da Assistência Estudantil para a vida acadêmica dos estudantes de classes populares implica entender a assistência como direito social assegurado por lei (ALVES, 2002). Por conseguinte, compreender a Assistência Estudantil no contexto das práxis acadêmicas significa entendê-la como direito social e constitui um rompimento da “ideologia tutelar do assistencialismo, da doação, do favor, e das concessões do Estado”, em que as políticas de assistência têm sido compreendidas (SPOSATI, 2002 p. 23).

Nesta lógica, o PNAES é reflexo daquilo que Draibe (1996) qualificou como dilema para os formuladores de políticas, que consiste na articulação da perspectiva universalista dos direitos inalienáveis, garantidos pelo Estado, com o receituário neoliberal concebido por princípios de seletividade e focalização nos mais pobres; um dilema que se apresenta no processo de elaboração das políticas de cada Instituto e na construção de uma concepção de assistência estudantil na Rede Federal de Educação Profissional ao procurar articular concepções universalistas de política a desenhos de programas minimalistas e focalizados, buscando assim, tentar garantir uma política de Assistência estudantil como direito social efetivamente, visando um processo emancipatório e de inclusão social através da educação. “A instituição do PNAES representou um marco e um importante avanço no que diz respeito à afirmação da política de Assistência Estudantil no país, possibilitando uma acepção mais próxima de direito social” (DUTRA; SANTOS 2017, p. 162).

Diante do exposto, vê-se que a Assistência Estudantil no Brasil vem se construindo em meio a diferentes contextos sociopolíticos e econômicos que possibilitaram a construção de um percurso no qual as discussões acerca da temática puderam se complexificar, mediante uma maior sistematização do assunto em articulação com o momento histórico que vivia o país, e na busca de sua consolidação como direito social.

Assim, distinguiram-se as três fases apresentadas, demarcando momentos importantes nessa trajetória. Ressalta-se, contudo, segundo Dutra e Santos (2017) que a história da Assistência Estudantil ainda está em curso, podendo assumir outras conformações ao longo desse trajeto, que no momento vem se configurando como um momento de grandes incertezas e ameaças a direitos já conquistados. Até o momento, essa trajetória histórica já percorrida não resultou no estabelecimento de um conceito único e consensual de AE.

2.4 A POLÍTICA DE ASSISTÊNCIA ESTUDANTIL NOS INSTITUTOS