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A PESSOA COM DEFICIÊNCIA INSERIDA NO MERCADO DE TRABALHO

Entre as produções científicas que abordam a pessoa com deficiência no mundo do trabalho, a princípio destaco duas dissertações cujo recorte e definição dos sujeitos mais se assemelha à esta pesquisa, por se tratar de egressos com deficiência da Educação Superior.

A primeira é Por que não sou professor? O que dizem os egressos com deficiência dos cursos de licenciatura da UNIVILLE sobre seus percursos na formação inicial e no mundo do trabalho, de Cassio Giobardo (2016), que tem como objetivo investigar os percursos na formação inicial e no mundo do trabalho que conduziram ao distanciamento do exercício profissional docente dos egressos com deficiência dos cursos de licenciatura da Univille. O enfoque são os egressos das licenciaturas, com o critério de inclusão de que não estivessem desempenhando atividades docentes no período da pesquisa. Apesar de entender essa seleção de sujeitos de uma maneira tendenciosa, as conclusões encontradas dizem mais respeito às barreiras que são comuns a todos os níveis educativos.

Além disso, esse estudo sinaliza como pode ser conflituosa a interpretação das problemáticas de mercado de trabalho restritas às pessoas com deficiência. Questões acerca das dificuldades no meio laboral e também para encontrar um emprego são mais complexas e profundas, resultado de um sistema capitalista e de decisões políticas estatais que fragilizam as relações trabalhistas e implicam diretamente na vida de todos que vivem do trabalho, não apenas as pessoas com deficiência.

Essa pesquisa, em especial, lembrou-nos um dos seminários de orientação de dissertação, ocasião em que recebemos um questionamento sobre se acreditávamos que os dados encontrados em nossa investigação seriam diferentes dos dados gerais, de acompanhamento de egressos da UFRN. No momento, estávamos convictos que sim, até ler, ainda que introdutoriamente, a sociologia educacional de Bourdieu e sua teoria da reprodução social. A bem da verdade, a universidade é uma estrutura social que também seria alvo da “mesmice”, que Carlos Skliar (2003) menciona, cujos padrões de normalidade devem ser reproduzidos para que se alcance o sucesso acadêmico. Ou, melhor dizendo, reproduziria aspectos sociais de um protótipo de universitário, que, no caso desta pesquisa, materializaram- se através das respostas convergentes ao contexto geral e também ao que sinalizam as outras análises. No entanto, mesmo que haja, de fato, essa convergência, ela não é total, o que suscita a inquietação de quais foram os meandros e as estratégias utilizadas por esses egressos para acompanhar “o fluxo” da universidade, além de como essa adaptação pode ser comprometedora para a construção da identidade da pessoa.

Um outro trabalho, dessa vez uma tese, foi fundamental para o olhar crítico aos nossos próprios dados: “Inclusão nas faculdades de tecnologia do Estado de São Paulo: percepções de gestores e de egressos público-alvo da Educação Especial, de Juliana Gisele da Silva Nalle (2018). Ainda que a autora utilize a nomenclatura “público-alvo da Educação Especial”, que segundo o Decreto nº 7.611, de 17 de novembro de 2011, engloba as pessoas com deficiência, com transtornos globais do desenvolvimento e com altas habilidades ou superdotação, os sujeitos selecionados intencionalmente são os com deficiência física, visual e auditiva.

Além dos egressos, foram entrevistados gestores também. Foi curioso entender como a fala dos gestores das faculdades pode direcionar críticas aos gestores das empresas e profissionais dos recursos humanos, quando a própria faculdade forma esses profissionais em potencial. Essa perspectiva é interessa para entender, como a pesquisadora cita, que a “ausência de preparação dos gestores das empresas, em consonância com a ausência de preparação dos professores e gestores da Educação Superior, podem se relacionar, pois a situação é a mesma, somente expressadas em locais diferentes” (NALLE, 2018, p. 246).

Nesse sentido, é preciso entender como as coisas não podem ser vistas de maneira isolada, mas dentro de um contexto, cujas relações de causa e efeito têm uma ligação não apenas com as pessoas com deficiência. Há, portanto, uma necessidade urgente de um olhar global sobre questões de diversidade e inclusão, não apenas nos departamentos de educação, mas de quantos mais fossem necessários. Apenas a partir desse olhar é que seria possível uma real transformação de currículos e também de contextos não educacionais, enfrentando o status quo e desvencilhando-se dos estigmas tão fortemente enraizados na história da evolução humana.

Também é preciso mencionar a pesquisa Processos de subjetivação de professores com deficiência: experiências de inclusão (MENEGHELLI JÚNIOR, 2012), cujo objetivo geral é analisar os procedimentos de subjetivação de professores com deficiência, com base na discussão de suas experiências/sentidos pessoais e profissionais de inclusão social. Para isso, o pesquisador utilizou-se da metodologia de história de vida e considerou três dimensões da inclusão: imposta – que se materializa pela aceitação de si como pessoa com deficiência; vivenciada – quando a inclusão permeia a participação em um contexto social; e degustada – que seria já o estágio da aceitação da diversidade, viver com naturalidade em um processo bilateral, tendo sociedade e pessoas agindo de forma convergente para a boa vivência no meio (MENEGHELLI JÚNIOR, 2012, p. 22-23).

É interessante, nesse trabalho, como essas dimensões são de fato explícitas na história de vida dos participantes, que são no total três licenciados e todos concursados da rede pública de ensino, seja estadual ou municipal. Com exceção de uma informante, os outros adquiriram

a deficiência após o período da adolescência (início da vida adulta e plena vida adulta). Para o pesquisador, todos viviam a dimensão degustada da inclusão, ainda que o processo de aceitação e ressignificação tenha ocorrido anteriormente.

Em Transição para a vida adulta – Inclusão de pessoas portadoras de deficiência no mercado de trabalho (OLIVEIRA, 2012), dissertação defendida na Escola Superior de Educação Almeida Garrett, Lisboa, Portugal, dá enfoque à transição dos alunos com Necessidades Educativas Especiais (NEE) da escola para o mundo do trabalho. Contudo, os questionários não são respondidos por esses sujeitos, mas sim pelas empresas do corpus de pesquisa, cuja análise dos resultados é feita na dimensão quantitativa. E, disponibilizando uma revisão bibliográfica extensa referente a esse processo de transição no mundo, mas mais especificamente em Portugal, a análise dos dados é um pouco restrita à descrição, apenas, confirmando algumas hipóteses pré-selecionadas. Esse trabalho, apesar da representatividade e também de revelar um interesse nos processos de transição para o mercado de trabalho, distancia-se mais que se aproxima desta pesquisa, seja pela seleção intencional das empresas, seja pelo enfoque em um período distinto (transição escola-trabalho). No entanto, avizinha-se quando analisa em termos de frequência absoluta e relativa os dados encontrados.

No artigo “Educação, inclusão e trabalho: um debate necessário” (PASSERINO; PEREIRA, 2014), as autoras de pronto já defendem que falar de inclusão e da dimensão laboral, partindo da educação, seria o estabelecimento de uma nova perspectiva, uma vez que seriam novas interfaces da educação brasileira, pensando na formação para a transição ao mundo do trabalho. Ainda que esse discurso pareça alinhar-se com o que é proposto pela questionável Lei nº 13.415, de 16 de fevereiro 2017, pelo então presidente interino Michel Temer, de flexibilização do currículo e mudanças na LDB/1996, não é nesse sentido que as pesquisadoras discorrem sobre o tema. É preciso entender que o enfoque no artigo gira em torno de uma parcela da sociedade que tanto precisa superar as barreiras do Ensino Médio, o qual as autoras consideram o principal “funil” para o acesso à Educação Superior, quanto tem o trabalho desvalorizado pela sua condição de deficiência. Nesse viés, diferenciam-se da Lei: o que é não só proposto, mas aprovado por Temer, visa reformular todo o sistema de ensino, tornando o currículo reducionista, o que pode firmar alicerces ainda mais difíceis de serem superados para as pessoas com deficiência.

Interessante pontuar, ainda, que, assim como brevemente discorrido anteriormente na tese de Nalle (2018), aqui também Passerino e Pereira entendem que, para além da formação desses sujeitos específicos, é necessário “incluir gestores, profissionais de recursos humanos das organizações, professores de ensino profissionalizantes, entre outros, apresentando-lhes

uma visão onde também a sociedade deve ser educada para inclusão (2014, p. 839, grifos nossos).

Nesse viés, o que Maria Nivalda de Carvalho-Freitas (2009), no seu artigo “Inserção e gestão do trabalho de pessoas com deficiência: um estudo de caso” demonstra é que essa ideia macro da educação para a inclusão precisa ser de fato efetivada, para que ela supere o discurso pronto e politicamente correto, atingindo efetivamente o que seria inclusão. Para tanto, seu referencial teórico, baseado em uma revisão histórica das formas de ver a deficiência ao longo do tempo, estabelece 4 matrizes de concepções de deficiência, a saber: a deficiência vista como um fenômeno espiritual, a normalidade como padrão de avaliação, a inclusão como sendo uma responsabilidade social e a interpretação técnica da deficiência. Essa última sendo dividida em ainda 4 outras percepções: o desempenho no trabalho, a estabilidade no emprego, os benefícios da contratação e a necessidade de treinamento.

A pesquisa a qual se refere o artigo foi realizada com uma grande empresa, com cerca de 1400 funcionários com deficiência sem comprometimento intelectual. Alguns dados que são importantes para problematizar esse tema é que 19% do total da amostra entende que deficiência possa ter uma explicação metafísica. Ora, quão significativo é quase ¼ dos gestores entenderem dessa forma? Acredito que essa ideia retoma mais uma vez retoma Nalle (2018), Passerino e Pereira (2014). Além disso, um dos gerentes afirmou que quando se fala em vaga em caráter de promoção, as pessoas com deficiência não são consideradas para ocupá-la – o que é confirmado quando quem responde são os funcionários, sendo essa principal queixa deles, que entendem isso como uma postura que subestimar suas capacidades sem antes checá-las (CARVALHO- FREITAS, 2009, p. 133).

Maria Nivalda de Carvalho-Freitas orientou vários trabalhos na Universidade Federal de São João del-Rei (UFSJ) cujos temas giram em torno da diversidade, do mercado de trabalho, da identidade e da deficiência. Dentre eles, menciono as dissertações Concepções de deficiência e percepção do desempenho por tipo de deficiência: a perspectiva dos gestores (SUZANO, 2011) e Sentidos do trabalho para pessoas com deficiência adquirida reinseridas no mercado de trabalho (SANTOS, 2016). Suzano reforça essa ausência do funcionário com deficiência em cargos de gerência, por exemplo, ao apontar o dado de que apenas 0,8% dos gestores supervisionam gerentes com deficiência (2011, p. 81). Além disso, analisando agora o desempenho, a pesquisa apontou que a deficiência física, seguida da auditiva, foram mais bem avaliadas. Além disso, cabe mencionar que esse dado pode ter sido enviesado, porque a maioria entrevistada gerenciava pessoas com deficiência em maior quantidade (2011, p. 94). Mais à

frente, constata-se também, através dessa pesquisa, que em quantidade o número de pessoas com deficiência física continua se destacando.

Na outra dissertação supracitada, Santos (2016) objetivou compreender os sentidos atribuídos ao trabalho por pessoas com “deficiência adquirida”. Nessa, alguns dados interessantes são o gênero, o qual foi mantida a proporção da Relação Anual de Informações Sociais (RAIS), que é de todas as pessoas com deficiência inseridas no mercado de trabalho: 64% são homens e 36% são mulheres. É relevante, outrossim, a interpretação de que há, sim, distinção entre adquirir uma deficiência e herdar, o que aponta uma lacuna nos estudos sobre deficiência, uma vez que, na maioria das pesquisas, esse não é um critério de inclusão/exclusão. Da mesma forma que entender a exigência de uma readaptação em muitos aspectos da vivência diária (quanto a aquisição) é no decurso, principalmente, da maturidade adulta, isso é algo que ainda se faz necessário investigar, porém apresentamos na análise dos dados um contraponto a ser também discutido.

Observando questões de políticas públicas como cotas, há dois artigos indispensáveis para compreender essa temática. O primeiro é “Uma questão de cotas? Como pessoas com deficiência percebem sua inserção no mercado de trabalho com base em políticas públicas de inclusão” (LINO; CUNHA, 2008); e o segundo é “A inclusão indesejada: as empresas brasileiras face à Lei de Cotas para pessoas com deficiência no mercado de trabalho” (RIBEIRO; CARNEIRO, 2009).

No primeiro, foram avaliados 49 sujeitos com deficiência com diferentes níveis de escolaridade, sendo todos alunos dos cursos de capacitação profissional (LINO; CUNHA, 2008, p. 69). Quando perguntados: “você acredita que houve alguma mudança após a iniciativa do governo quanto à obrigatoriedade legal das cotas de funcionários portadores de deficiência nas empresas privadas? Explique sua resposta”, a maioria respondeu afirmativamente e a principal explicação é que acreditavam que a abertura de vagas ocorreu por imposição da Lei. Seguindo essa linha de raciocínio, o artigo de Ribeiro e Carneiro (2009) debruça-se sobre dados da Procuradoria Regional do Trabalho, do Ministério Público do Trabalho, de 2000 a 2007, ao fiscalizarem empresas em Belo Horizonte que se enquadravam na Lei de Cotas.

Um dado salta aos olhos quando se fala do artigo de Ribeiro e Carneiro: “nenhuma das 23 empresas sujeitas à alíquota de 5% (de cotas) havia cumprido integralmente sua cota, sendo que sete delas não empregavam um único trabalhador caracterizado como portador de deficiência” (2008, p. 557). Sabe-se que essa alíquota é destinada às empresas com mais de 1000 empregados, por conseguinte, uma grande empresa. Percebe-se, nesse quesito, que já existem estratégias para justificar o não cumprimento da exigência legal, dentre elas: a alegação

da periculosidade do cargo, a ausência de capacitação e a não pertinência entre a vaga de emprego e o perfil empregatício da pessoa com deficiência.

Outra tática é se amparar de forma arbitrária na incapacidade biológica, sem sequer oportunizar essa atuação, meramente como um esclarecimento despreocupado diante de uma conduta errada. Analogamente, essa é uma barreira fundamentalmente atitudinal, cuja reprodução de estruturas sociais se dá evitando a vivência prática desses sujeitos, a qual seria a comprovadora da inabilidade ou habilidade para exercer determinadas funções.

Já a dissertação O trabalho de pessoas com deficiência em empresas privadas (BERGAMO JÚNIOR, 2009) traz à luz dados interessantes no que diz respeito ao recrutamento das pessoas com deficiência em empresas privadas que se enquadram na Lei de Cotas. Foram investigadas 5 empresas, cujas formas de recrutamento se dão de maneiras diferentes: através de setor de inclusão, de recrutamento terceirizado, de parcerias com instituições do terceiro setor, de recursos humanos e através da parceria com uma Faculdade.

Essa diversidade de formas de recrutamento pode ser vista como um empecilho para as pessoas com deficiência, uma vez que, em seu primeiro contato com a oportunidade, seu mérito já será posto em cheque por causa da deficiência. Diferente dos concursos públicos, cuja primeira etapa normalmente é vencida pelo mérito do conhecimento e aprovação em algum exame ou avaliação dos conhecimentos gerais e específicos. Isso pode ser exemplificado pela própria Cartilha do Censo da Pessoa com Deficiência, que indica que 5,9% dos trabalhadores com deficiência estavam empregados como militares e funcionários públicos estatutários, percentual maior do que o de trabalhadores sem deficiência, que era de 5,5% (2010, p. 23). Interessante esse dado que vai, talvez, de encontro ao imaginário popular, mas que em proporção se inscreve dessa maneira. Nesta dissertação, esse número também se destaca entre os egressos com deficiência empregados: a maioria está empregada em uma instituição pública, dado que na seção de resultados e discussões será mais explícito.

4 PERCURSOS E ESCOLHAS METODOLÓGICAS

A metodologia que foi aplicada para o desenvolvimento desta pesquisa compreende uma articulação de procedimentos com intenção de elucidar de forma exploratória e descritiva uma temática ainda pouco discutida na academia, que é o estudo de egressos da Educação Superior, autodeclarados com deficiência, em relação ao mercado de trabalho. Gil (2000) descreve que:

Estas pesquisas têm como objetivo proporcionar maior familiaridade com o problema, com vistas a torná-lo mais explícito ou a constituir hipóteses. Pode- se dizer que estas pesquisas têm como objetivo principal o aprimoramento de ideias ou a descoberta de intuições (GIL, 2000, p. 41).

Dessa forma, o resultado desta pesquisa pretende discorrer acerca desse momento de transição entre a universidade e a inserção no mundo do trabalho, de maneira que possibilite a continuidade e replicação da discussão através de outras pesquisas e mediante outros procedimentos.

Ainda, esta pesquisa se constitui como um estudo de caso, uma vez que analisará um fenômeno social bem definido: os estudantes egressos com deficiência em uma instituição definida, que é a Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN), visando conhecer em verticalidade seus “comos” e “porquês”, buscando o que há, nesse fato, de mais essencial e característico desse recorte (FONSECA, 2002). Tal modalidade de pesquisa possibilita uma análise qualitativa de dados levantados através de tanto uma revisão bibliográfica sólida quanto de dados significativos referentes à UFRN e à aplicação de questionários.

O método misto, quali-quantitativo, para a investigação desta pesquisa foi escolhido de acordo com os instrumentos, uma vez que as informações levantadas durante a aplicação dos questionários foram tabuladas para a obtenção, a priori, de dados quantitativos. Embora haja certa tensão entre métodos quantitativos e qualitativos, como uma dicotomia, para Yin (2006), é possível alinhar a seleção metodológica de estudo de caso e evidências quantitativas, uma vez que a triangulação pode revelar informações importantes a partir da estatística.

A posteriori, a entrevista semiestruturada deu subsídio para a complementação das informações quantitativas. Segundo Paranhos et. al., na perspectiva de complementariedade, “o objetivo é ponderar as vantagens e limitações de cada técnica específica e/ou tipo de dado” (2016, p. 390). Creswell (2010, p. 219) também confirma isso, quando afirma que “esse modelo geralmente usa métodos quantitativos e qualitativos como forma de compensar os pontos fracos inerentes a um método com os pontos fortes de outro método.”

Assim, tais características se coincidem com os objetivos e o objeto da pesquisa, de forma que se coadunem as informações em prol de que essa investigação se combine às anteriores e às seguintes para uma maior clareza sobre a inclusão efetiva de sujeitos com deficiência em uma IES, especificamente, na UFRN.