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Mas o que é um planejamento participativo?

PLANEJAMENTO PARTICIPATIVO

Segundo Gandin (1994), planejar é construir a realidade desejada. Não é só organizar a realidade existente e mantê-la em funcionamento (isto seria apenas o planejamento operacional, a administração), mas é transformar esta realidade construindo uma nova.

Construir uma nova realidade, o entanto, implica no envolvimento, em maior ou menor grau, de todos os envolvidos neste processo. Sendo assim, entendemos que o planejamento técnico minimiza o envolvimento dos diversos setores interessados na mudança que se quer provocar, focalizando-se apenas nos saberes técnicos como se neles estivessem todas as respostas.

A idéia de PARTICIPAÇÃO nos faz questionar essa situação. Falar em participação significa discutir a questão do PODER. Segundo Gandin (1994), estamos num mundo que anuncia claramente um século XXI com o poder distribuído entre as pessoas e os pequenos grupos e não mais concentrado nas mãos de alguns, sejam pessoas, governos ou instituições. Continua Gandin (1994: 55):

Estamos passando de uma época, em que se reconhecia uma cosmovisão pronta e determinada, para um tempo em que é preciso construir a cada momento uma visão de mundo; mais ainda, firma-se a convicção de que não só os poderosos ou os técnicos que têm capacidade de descobrir caminhos; todos temos esta sabedoria e este direito não pode ser subtraído das pessoas. Cada vez mais vem o tempo em que governar é coordenar o processo de definição

Dica de leitura

Um dos grandes filósofos que discutiu a questão do poder foi Michel Foucault. Se quiser pesquisar mais sobre o assunto, leia: - Microfísica do poder. Ed. Graal.

conjunta de rumos sociais e, conjuntamente, administrar os meios para seguir a caminhada nos rumos estabelecidos.

Ainda segundo Gandin (1994), podemos analisar três níveis de participação. É importante que a partir deles possamos analisar de que forma entendemos este conceito, e como pretendemos implementá-lo em nossa forma de elaborar e gerenciar projetos.

 O primeiro nível é a colaboração. De acordo com o autor, este é o nível mais freqüente na prática concreta hoje, embora não pudesse ser chamado verdadeiramente de participação. É o nível em que a “autoridade” chama as pessoas a trazerem sua contribuição para o alcance do que esta mesma “autoridade” decidiu como proposta. As pessoas participam com seu trabalho, seu apoio, mas atuam na execução do que foi pla- Uma outra classificação possível para os níveis de participação comunitária em projetos é a seguinte:

1º freqüência: caracteriza-se pela “participação”

das pessoas em eventos, demonstrável por uma lista de presença. Chama-se de participação o fato da comunidade haver simplesmente freqüentado a atividade;

2º espaços físicos cedidos: quando os projetos

dizem ter participação da comunidade porque esta cedeu um lugar para que a atividade seja realizada;

comunidade como mão-de-obra: o

especialista define o que deve ser feito e como deve ser feito. Depois disso convoca a comunidade para que ela execute o trabalho, ou seja, sirva de mão- de-obra barata.

4º tomada de decisões quanto à metodologia do trabalho: quando a comunidade é chamada a

decidir sobre o modo de execução do projeto. A idéia do projeto já chegou pronta, mas o grupo participa das decisões sobre como melhor implementá-lo.

5º participação na elaboração do projeto: aqui

efetivamente a comunidade participa do planejamento do projeto, opinando sobre qual idéia deve ser desenvolvida e como.

nejado por uma outra pessoa, sem ouvir suas sugestões e opiniões. Segundo Gandin (1994), o que este nível de “participação” alcança é que as pessoas se esforcem, trabalhem com vigor, sem discutir quais os benefícios que advirão deste trabalho e quem deles vai se apropriar. De forma resumida, podemos dizer que na colaboração alguém decide sem consultar grupo O QUE deve ser feito, e depois pergunta ao grupo COMO acha que seria melhor fazer aquilo que essa pessoa escolheu fazer. Infelizmente, muitos acham este “nível” (ou “subnível”) de participação muito bom. Mas não é! Esta é uma forma rasteira de envolver as pessoas no trabalho, mas muitas vezes tem apenas o intuito de “conquistar” adeptos, e não compartilhar poder. O nível de decisões do projeto e de construção da idéia a ser desenvolvida se mantém nas mãos de uma pessoa que exerce, assim, seu poder e autoridade.

 O segundo nível é o nível de decisão. Vai além da colaboração e tem uma aparência democrática mais acentuada. Segundo Gandin (1994), o chefe neste nível leva algumas decisões ao grupo e MANDA que todos decidam. Em geral, são decididos aspectos menores, desconectados da proposta mais ampla, e a decisão se realiza como escolha entre alternativas já traçadas, sem afetar o que realmente importa. Este patamar de participação já é maior do que o anterior, mas é importante perceber que o domínio ainda está muito concentrado nas mãos de um ou de poucos. Os demais participantes gerenciam poucos e menos signi

ficativos aspectos do projeto. Ou seja, poucos decidem sobre muito, e muitos decidem sobre pouco...

 O terceiro nível é o da construção em conjunto. A visão de mundo que “impera” em nossa mentalidade aponta para a idéia de que a participação real e efetiva é inviável. As pessoas não acreditam na igualdade fundamental que têm entre si: acreditam mais no “sábio”, no mais rico, no mais poderoso, no mais forte... (Gandin, 1994:57).

Segundo Gandin (1994:57):

A construção em conjunto acontece quando o poder está com as pessoas, independentemente dessas diferenças menores e fundamentadas na igualdade real entre as pessoas. Aí se pode construir um processo de planejamento em que todos, com seu saber próprio, com sua consciência, com sua adesão específica, organizam seus problemas, suas idéias, seus ideais, seu conhecimento da realidade, suas propostas e suas ações. Todos crescem juntos, transformam a realidade, criam o novo, em proveito de todos e com o trabalho coordenado.

É importante analisarmos que a “cultura da participação”, ou seja, hábitos e costumes que levem à prática da participação devem ser desenvolvidos naqueles que queremos engajar nestes processos de planejamentos participativos. Não podemos simplesmente exigir participação. Nossa história de vida lida com raros ou mesmo escassos momentos onde nos é permitido participar de decisões de construções em conjunto. Sendo assim, essa cultura não é clara para as pessoas que precisam conversar sobre isso, analisar suas dificuldades e possibilidades, inclusive terem

Dica da professora Outro tema interessante para a discussão: o conceito de igualdade suscita muitos debates, sendo uma questão central no que diz respeito aos temas da democracia. Em que sentido somos “iguais” (perante a lei, por exemplo) e em que sentido é importante destacar que somos todos absolutamente diferentes.

Sobre isso, procure pesquisar a diferença entre igualdade e eqüidade.

fortalecidas suas certezas de que são capazes de tomar decisões e fazer planos, e que isso implica também uma maior responsabilidade de todos diante do projeto em desenvolvimento.

Quando nos ausentamos da elaboração de uma proposta, nos sentimos menos envolvidos e responsáveis por ela. No entanto, quando nos reconhecemos no projeto do qual participamos da elaboração, nosso envolvimento é inevitável.

Por estes motivos, muitos preferem “não se envolver”... delegando ao outro poderes e responsabilidades, fixando-se no lugar de objeto da ação, sem envolvimento algum com o processo. Deste lugar é mais fácil apenas “reclamar”, sem que isso leve a questionamentos sobre o que poderia ou não poderia ter feito em relação ao projeto, afinal “não tenho nada a ver com isso”...

Vamos ver o que um dos grandes “mestres” da participação nos fala sobre este assunto: leia abaixo um texto de Herbert de Souza, o Betinho:

Participação – por Herbert de Souza

Disponível em http://www.mre.gov.br/cdbrasil/itamaraty/web/port /polsoc/partic/apresent/apresent.htm

Participação é um dos cinco princípios da democracia. Sem ela, não é possível transformar em realidade, em parte da história humana, nenhum dos outros princípios: igualdade, liberdade, diversidade e solidariedade. Falamos aqui de participação em todos os níveis, sem exclusão prévia de nenhum grupo social, sem limitações que restrinjam o direito e o dever de cada pessoa tomar parte e se responsabilizar pelo que acontece no planeta. Em resumo, cada um de nós é responsável pelo que acontece nas questões locais, nacionais e internacionais. Somos cidadãos do mundo e, portanto, co-responsáveis por tudo o que ocorre. A única forma de transformar este direito em realidade é através da participação.

Nesse sentido, a participação não pode ser uma possibilidade aberta apenas a alguns privilegiados. Ela deve ser uma oportunidade efetiva, acessível a todas as pessoas. Além disto, é preciso que ela assuma formas diversas: participação na vida da família, da rua, do bairro, da cidade, do país. Também da empresa, da escola e da universidade, das associações civis, culturais, políticas e econômicas. Participação é, ainda, um direito que não pode ser restrito por critérios de gênero, idade, cor, credo ou condição social. É universal.

A participação pode assumir a forma de uma simples ação pessoal. Ou pode organizar e motivar a formação de grupos e instituições. Todas são válidas e ocorrem na vida real.

Só com ampla participação podemos lutar pelos princípios da democracia, neutralizando as formas de autoritarismo freqüentes em nossa sociedade. É através dela que se acaba com a desordem de um

status quo injusto, que produz a marginalização. E é

também através dela que superamos a resignação e o medo. Só assim são geradas as condições para o exercício pleno da liberdade e da cidadania, só possíveis em uma sociedade democrática.

As sociedades autoritárias fazem tudo para limitar, restringir e desestimular a participação. Samuel Huntington, um ideólogo conservador americano, dizia que o excesso de participação era um dos maiores perigos para a democracia. Para ele, quanto maior a participação da cidadania, maiores os riscos para a estabilidade democrática. Mas a verdade é que somente através da participação é possível construir e consolidar a democracia.

Na cultura brasileira, a participação é percebida de forma limitada e limitante: "seja um bom pai de família e o resto virá por acréscimo"; "seja um bom trabalhador que os outros cuidarão de sua vida"; "seja um cidadão que vota a cada quatro ou cinco anos e o Estado fará o resto"; "não participe de tudo nem busque ampliar seus compromissos; isso só lhe trará dor de cabeça!". No fundo, a mensagem conformista e excludente é essa: cuide de sua vida e esqueça-se do resto!

A resignação e o medo da participação são resultados da cultura autoritária, que perpassa nossa história e instalou-se na nossa cultura e, portanto, nos nossos próprios hábitos. Participar, em vez de ser regra geral, tornou-se uma exceção. Temos, então, o cidadão limitado, fechado, sem iniciativa, dependente.

Mas, nos últimos anos, uma outra cultura vem surgindo, em oposição à pressão exercida pela cultura autoritária: é a cultura democrática, a cultura da participação. Tivemos movimentos amplos de participação da cidadania que ajudaram a mudar muito a cara do Brasil.

Compartilhamos com o Betinho desta idéia: quanto mais ampla e profunda a participação, melhor! Analise, cuidadosamente, ao longo do texto, a análise feita pelo autor sobre elementos de nossa história Nas últimas décadas, esse movimento minou as bases políticas da ditadura, que foi derrubada pacificamente, através de mobilizações como o Movimento pela Anistia e Diretas Já. Em 1979, um amplo movimento culminou com a decretação da anistia e a volta de milhares de pessoas exiladas em vários países do mundo; e, em 1984, outro grande movimento tomou conta do país exigindo a volta das eleições diretas que haviam sido banidas pela ditadura militar em 1964.

A cidadania também ampliou-se, com a participação da sociedade na elaboração da Constituição de 1988; pela primeira vez em nossa história, a sociedade participou ativamente da elaboração da nova Constituição através de seminários, debates públicos, propostas de emendas populares que colheram milhões de assinaturas por todo o país. Em reação ao governo Collor de Mello (1990-1992), de novo a sociedade se mobilizou através do Movimento Pela Ética na Política, que culminou no processo de impeachment do presidente. Em 1992, em reação à corrupção estabelecida no processo de elaboração do Orçamento, foi instalada uma Comissão Parlamentar de Inquérito que apurou vários escândalos e, pela primeira vez, também revelou a importância fundamental da discussão do orçamento para o processo democrático.

Desde 1993 até agora, se desenvolve um outro grande movimento: a Ação da Cidadania Contra a Fome, a Miséria e Pela Vida, colocando, na ordem do dia e em nível nacional, a luta contra a miséria através de três grandes temas - a fome, o trabalho e a terra - e mobilizando milhões de pessoas. Movimento similar se articulou também no Viva Rio, que expressa uma frente ampla de parcerias entre empresários, mídia, ONGs, líderes sindicais e populares em torno dos grandes problemas da cidade do Rio de Janeiro.

É importante destacar que muitos outros movimentos vêm se desenvolvendo no Brasil, em diferentes níveis e momentos de nossa vida política e cultural. É através dessa participação que está surgindo uma nova juventude, um novo cidadão e novas condições para que o Brasil possa superar a miséria e a exclusão e chegar à condição de uma sociedade democrática.

A participação é o caminho da democracia, e quanto mais ampla e profunda melhor.

política que “embotam” o desenvolvimento da participação, bem como aqueles indicadores que evidenciam uma mudança na cultura autoritária na direção de uma cultura da participação.