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4 TURISMO E PLANEJAMENTO: POLÍTICAS, PARADIGMAS E SUS-

4.4 Planejamento turístico, materialidades e crítica

A complexidade dos arranjos institucionais necessários ao desenvolvimento da atividade turística, assim como as inter-relações, especificidades e demandas dos componentes do sistema, representa um desafio de gestão para a eficácia dos planos voltados ao desenvolvimento sustentável.

Dessa forma, uma das questões centrais do planejamento turístico é formular medidas que equilibrem os interesses dos grupos que compõem o sistema, como também torná-las diretrizes aplicáveis em função do desenvolvimento das localidades e da própria atividade. Essa lógica reforça a indicação da avaliação crítica relativa às responsabilidades dos governos em termos de planejamento, destacando a gestão das políticas de sustentabilidade no turismo.

Hall (2003) defende que o estudo da política e arranjos de poder é vital na análise das dimensões políticas do turismo em âmbito local, tendo em vista que a organização política trabalha a favor de algumas questões, ao mesmo tempo que suprime outras. Para o autor, aqueles que têm posição de destaque no desenvolvimento do turismo podem em diversas situações se colocarem em uma posição preferencial na defesa e promoção dos seus interesses, por intermédio das estruturas e instituições pelas quais as comunidades são organizadas.

Já Cooper et al. (2008), por seu turno, lembram que o turismo pode estimular ou inibir o desenvolvimento, dependendo de quem tem a prioridade e de como orientam-se as decisões e diretrizes na atividade. O turismo constrói-se baseado em decisões políticas, o que evidencia o privilégio das instâncias administrativas e governos na interposição entre as instituições financeiras e grupos de decisões, por exemplo, e os sistemas turísticos. O cenário, no âmbito de acordos

mútuos entre políticos e grupos de poder, acaba favorecendo acordos fora da arena pública e promovendo a parcialidade na tomada de decisões, muitas vezes garantindo interesses particulares em troca de alocação de recursos e apoio político em detrimento do planejamento integrador e sustentável.

Entre os elementos observáveis nesse contexto, ressalta-se a avaliação crítica da materialidade do planejamento, ou seja, o documento que o referencia – plano. Considerando em termos de análise, este representa uma síntese política das diretrizes programadas, de onde se poderá abstrair questões qualitativas de análise, por exemplo, quando o Governo Federal, no enunciado que trata das políticas públicas do turismo, defende que:

[...] o desenvolvimento do turismo não atingirá seu ponto de excelência caso seja deixado inteiramente nas mãos do setor público ou do privado, já que o primeiro, teoricamente, voltará seus objetivos para maximizar os benefícios sociais, e o segundo, para os lucros. (BARBOSA, 2012, p. 66).

E a realidade evidencia outra lógica, situada em acordos entre governo e grupos de poder, os quais trabalham de forma associativa para a geração de lucros, cujas materialidades dos pressupostos do desenvolvimento sustentável revelam-se apenas em eventos discursivos político-burocráticos e ideológicos. Em complementação à análise, salienta-se ainda a importância da verificação in situ do desenvolvimento das diretrizes programadas espelhadas pela prática social.

Das reflexões propostas, busca-se investigar possíveis elementos emergentes que alertem, melhorem ou encaminhem diretrizes à sistematização mais integrativa e sustentável no planejamento turístico regional, haja vista que o contexto atual do turismo volta-se ao emprego de práticas de governança que efetive mudanças nos negócios e política ambiental, assim como trabalhe a evolução das competências administrativas dos governos em relação à atividade (OECD, 2012).

4.4.1 Análise documental: o “Plano” como síntese política e ideológica do planejamento

O planejamento tem como primeiro passo estabelecer claramente os objetivos a serem alcançados através das políticas públicas (DIAS, 2008). No Ceará, a orquestração e divulgação desses objetivos são elementos políticos estratégicos nos discursos pré-eleitorais, a exemplo das últimas campanhas para o governo do

estado, cujos candidatos focaram suas plataformas eleitorais em distintas políticas setoriais, tais como o turismo, a indústria, o agronegócio e a segurança pública.

Na pesquisa, o plano (documento formal) é visto como síntese do planejamento e constitui importante fonte de análise das diretrizes projetadas para as localidades, atividade e sociedade. Para além da leitura do texto com vistas à avaliação do conteúdo, a reflexão crítica dos enunciados nele contidos poderá revelar relevantes elementos qualitativos de análise, como as ideologias, as forças que atuam no delineamento do mesmo e a relação, com base na observação da prática social, da correlação entre a formulação das diretrizes e a materialidade das mesmas.

Assim, o que se busca na análise crítica do planejamento como elemento prático é acentuar uma possível relação dissonante do discurso político que se diz efetivo e as possíveis disparidades que possam ser constatadas quando se investiga essa efetividade. É sistematizar em debate o que o cotidiano já revela.

Se planejamento é tomada de decisão e gerenciamento (MINTZBERG, 2004), a análise do plano como síntese do planejamento considera-se como um meio de se apreender as intenções e sentidos programados, entendendo que existem razões e objetivos estratégicos, nem sempre postos em superfície, da defesa, refutação ou invisibilidade de ideias na formulação dos planos, na tomada de decisão.

Desse modo, um dos postos-chave da investigação que se propõe é o de dissecar os sentidos construídos e os porquês das posições defendidas nos planos apresentados. Assim, ao discutir o cerne das decisões, busca-se aproximar-se da essência das decisões, cuja análise se faz associando-se ao contexto, relação fundamental para uma melhor interpretação do objeto.

A análise do plano, o qual se entende como uma declaração de intenções formais da filosofia da administração vigente, torna-se, assim, um elemento fundamental de reflexão quando se deseja entender texto e seu contexto, intenções e práticas. Refletir, por exemplo, como se articula e delibera-se o controle do processo decisório, mais especificamente se as medidas adotadas no planejamento configuram-se em um conjunto de decisões hierárquicas ou em ações participativas, em medidas a proteger interesses particulares ou voltadas à dimensão integrativa e de compartilhamento de benefícios, em resumo, é adotar postura emancipatória.

Sendo assim, a interpretação reflexiva crítica busca captar o que subjaz na formulação das diretrizes, mediante exercício da interpretação, as quais se

fundamentam com o apoio também na interpretação do contexto sócio-histórico e na produção discursiva (THOMPSON, 1995). Mintzberg (2004, p. 27) assevera que as características estruturais e fundantes do planejamento, a interpretação das coisas e a racionalidade formal estão enraizadas em análise, e não em síntese, e é exatamente nela que está focado o interesse do estudo que se propõe.

Nessa direção, escolheu-se um dos elementos do corpus de análise da pesquisa – o documento de planejamento intitulado PDITS – 2013. Na análise, sempre tendo o contexto do desenvolvimento do turismo local e a experiência do autor como profissional de turismo, buscou-se captar elementos da relação entre as diretrizes do plano e os aspectos reais e falaciosos do desenvolvimento sustentável. Nessa dinâmica, intentou-se trazer ao debate a forma com que aparecem e são tratadas, por exemplo, a organização do território, a equidade social e a governança, entre outras questões direcionadas ao desenvolvimento sustentável no turismo, como na reflexão de Araujo (2009, p. 29), que postula que um plano ou um projeto de desenvolvimento turístico “[...] tem o potencial de alterar profundamente os territórios alvo dessas políticas, pois um território é o resultado, em última instância, das relações de poder que lhe confere organização interna”.

Analisar o planejamento em sua síntese – o plano, buscando entender sua essência, interconexão dos elementos, polissemia e discursos – considera-se como ponto importante para evidenciar algumas questões e a lógica de algumas delas. É a tentativa do autor, profissional e acadêmico, em combinar na investigação teoria e prática, epistemologia e empiria. Assim, a análise do planejamento, no sentido último, faz-se pelo esforço do autor de apreender e aprender, através da investigação crítica, proposta diferente de uma simples leitura.

A discussão apresentada aqui demonstrou que, em termos de conceito, política e sustentabilidade, o planejamento no turismo é um ponto essencial na elaboração de um cenário sustentável para a atividade. Contudo, para além da incorporação dos parâmetros abordados nos documentos de planejamento, é preciso uma política centrada na efetivação desses parâmetros, os quais, por meio de reflexão, posicionamentos críticos e efetiva participação da sociedade no debate e tomadas de decisão, direcionam um processo capaz de propor cenários mais sustentáveis para o desenvolvimento da atividade turística.