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4 TURISMO E PLANEJAMENTO: POLÍTICAS, PARADIGMAS E SUS-

4.2 Planejamento turístico: natureza, política e sustentabilidade

Os termos “planejamento e política” e “gestão do destino e ideologia”, respectivamente, interferem de maneira direta nos cenários social, econômico e ambiental dos destinos turísticos, assim como na produção e reprodução das práticas sociais. Mintzberg (2004) criticamente refere-se ao binômio planejamento e política como um jogo, ao analisar que a atividade política interfere no planejamento e que o planejamento é um exercício político e objetivo, afetado pela busca de interesse próprio por meio de confrontação e conflito.

Considera-se o planejamento um elemento central no debate das questões que delineiam as práticas locais dos destinos turísticos. Aqui, o tema será abordado a partir do próprio conceito de planejamento e das conexões com o turístico e com o planejamento turístico sustentável38, intercâmbios imprescindíveis para a organização e manutenção da atividade a longo prazo nos destinos turísticos.

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Como parâmetro de utilização dos termos (sustentabilidade, desenvolvimento sustentável e turismo sustentável) e tendo em vista a similaridade dos significados dos conceitos quando referidos, no trabalho, utiliza-se a diferenciação sugerida por Liu (2003): 1) Sustentabilidade – Refere-se ao estado que implica constantes condições de vida para as gerações atuais e futuras; 2) Desenvolvimento sustentável – Está associado ao processo de orientação a mudanças gerenciais que provocam e orientam processos de melhoria das condições para os envolvidos em tal desenvolvimento; e 3) Turismo sustentável – Define-se como todos os tipos de turismo (convencionais ou alternativos) que são compatíveis ou contribuem para o desenvolvimento sustentável.

No Ceará, a organização do turismo em termos administrativos e de planejamento representa ponto de análise histórica importante para o entendimento de como a atividade passa do status de “empírica” e pouco “eficiente” (IPECE, 1979) para o de uma atividade considerada como “estruturadora” e “estratégica” da economia regional, capaz de contribuir “para o aumento das oportunidades de trabalho e alternativas de geração de renda” (SEPLAN, 2000), área transversal de fortalecimento da imagem do estado e criação de infraestrutura (SEPLAN, 2003).

É exatamente no contexto de transição de gestões administrativas, desafios e concorrência que o turismo no Ceará desenvolve-se, cenário no qual governos e corporações montam suas ações e sofrem pressões para organizar a atividade, numa arena de disputa de prioridades entre os campos político, econômico, social e ambiental. Assim, um ponto de partida para entender o turismo e o planejamento atual do turismo no Ceará se faz pela reconstrução do tempo e espaço, com vistas a traçar as conexões que explicam as atuais estratégias, mecanismos, jogos políticos e sentidos incorporados e perpetuados como regras sociais, cristalizados nas práticas do turismo regional.

O planejamento funciona como uma ferramenta estratégica de organização socioespacial e construção de cenários, como também eixo onde se articulam redes de interesses e demandas de prioridades que nem sempre estendem seus benefícios de forma mais integral, o que vai de encontro à retórica política de que as diretrizes são traçadas com o “[...] fim último de redução das desigualdades espaciais e sociais” (IPECE, 2008, p. 7).

De um modo geral, o planejamento no turismo visa a otimizar a qualidade ambiental e o bem-estar humano (GETZ, 1986), assim ele se constitui de um plano de ação voltado para o futuro (GUNN; VAR, 2002) e elemento estruturante na política de desenvolvimento sustentável dos destinos turísticos (MARUJO; CARVALHO, 2010). Nesse contexto, a elaboração do planejamento está diretamente atrelada a processos políticos (CRUZ, 2000, 2005), constituindo-se de uma vasta rede de programas e forças. Na concepção de Gunn e Var (2002), é exatamente a agregação desses elementos que deverá ser planejada.

Aparna (2007) defende que, para superar os problemas multifacetados do turismo, faz-se mister um planejamento compreensivo, de modo a maximizar os benefícios e minimizar os custos e desvantagens provocados pelo desenvolvimento da atividade. Para o autor, os planejadores e governos precisam, entre outras

coisas, considerar o limite de crescimento do destino, algo que, na maioria das vezes, tem sido negligenciado.

Seja na apologia ao crescimento econômico via turismo, seja no debate crítico quanto às externalidades geradas pelo avanço da atividade nos territórios, o planejamento é um tema importante como um elemento balizador das políticas e estratégias de organização das destinações objetivando a construção de cenários futuros. Nessa direção, o equilíbrio do binômio sociedade e meio ambiente tem centralizado os debates e exigências do planejamento no turismo.

O debate atinente ao planejamento, pautado no paradigma da sustentabilidade, amplia o viés economicista genericamente adotado nas arenas dos debates sobre o turismo e evidencia a imprescindibilidade de diretrizes multissetoriais e adoção efetiva da dimensão sustentável e de processos colaborativos na organização dos destinos.

Ruschmann (2008, p. 11) analisa as dificuldades de alcançar consensos a respeito do crescimento do turismo e do desenvolvimento planejado da atividade, “[...] principalmente porque o controle da atividade depende de critérios, dos valores subjetivos e de uma política ambiental e turística adequada que ainda não se encontrou no nosso país nem em outros países”.

Considera-se, para uma análise mais crítica do planejamento, investigar o que a autora cita como “valores subjetivos”, que se entende como os acordos firmados fora da arena pública, delineando a produção e reprodução do modus operandi do turismo. Nessa questão, a intenção é exatamente entender as relações sociopolíticas e as tomadas de decisão, cujas forças de comando, por interesses outros, acabam suplantando as decisões e perfis integrativos de planejamento que trariam sustentabilidade tanto para a atividade turística como para as comunidades locais.

A esse respeito, cita-se o volume de investimentos do governo nas escalas regional e local, especificamente no Ceará, em infraestrutura turística e urbana, área priorizada no macroprocesso de gestão estratégica do desenvolvimento regional com base no turismo, vislumbrando a geração de emprego e renda, marca retórica do discurso do governo, a qual o ator social reconhece, como destacado nos trechos da análise do PDITS e refutado nas falas dos entrevistados na sexta parte desta tese.

Numa concepção técnica, Mintzberg (2004) entende o planejamento como um procedimento formal para produzir um resultado articulado, na forma de um sistema integrado de decisões. No que tange ao turismo, Acerenza (2003) atribui

ao planejamento público um processo racional e indispensável na organização e ordenação dos recursos disponíveis para a obtenção do bem-estar e satisfação das necessidades do cidadão e progresso da coletividade. Já Barretto (1991) entende que o planejamento do turismo tem em comum duas ideias: a de complexidade e a de ação voltada para o futuro. A autora defende que “[...] um bom planejamento de turismo requer uma profunda pesquisa social, em que toda e qualquer tentativa de neutralidade seria um desrespeito para com os sujeitos que necessariamente fazem parte do processo” (BARRETTO, 1991, p. 12-13). Contudo, dificilmente o

planejamento, quando avaliadas suas materialidades, direciona as ações ao bem- -estar físico e social das localidades, parâmetros-base do planejamento turístico.

Fazenda, Silva e Costa (2008, p. 79) elencam o conjunto da articulação estratégica entre o ambiente e o ordenamento territorial e entre os recursos financeiros e a articulação intersetorial dos atores do turismo regional como elementos estratégicos para o desenvolvimento turístico regional. Já para Costa (2001), o novo panorama que emerge para o planejamento turístico sugere uma revisão do ponto de vista técnico e racional do processo, o qual enfatiza as particularidades e demandas locais, as forças que atuam no mercado, o financiamento dos projetos e a posição do destino no mercado mundial.

Na avaliação de Gunn e Var (2002, p. 3), o desenvolvimento do turismo tem sido executado por pessoas que focam o turismo em suas partes, e não em seu todo (sistema), por exemplo quando priorizam os aspectos econômicos em vez do amplo aspecto atribuído à sustentabilidade. Sobre isso, Cooper et al. (2008, p. 240) comentam que, nos locais em que o turismo se desenvolve de forma mais rápida, a exemplo do Nordeste brasileiro, mudanças na economia relacionadas à expansão da atividade têm criado uma nova estrutura de poder, a qual exerce apoio político estratégico para o direcionamento de suas demandas e prioridades.

O governo também representa um elemento-chave no planejamento e delineamento dos territórios turísticos, haja vista o poder político de intervenção e articulação que tem (PADIN, 2012). Com isso, cada região é influenciada pela construção sócio-histórica e redes de práticas locais, que determina a superestrutura político-ideológica e atua na tomada de decisão, priorizando ou tornando invisível, de determinadas questões em função de alianças políticas e empresariais de poder.

No turismo, apesar da retórica governamental de que o planejamento é participativo e elemento de integração regional, com poucas exceções, o que se verifica são posicionamentos hierárquicos e verticalizados, sendo a “participação” um ato apenas constitutivo das exigências políticas ou das agências financiadoras dos projetos turísticos, tendo como pena, caso não efetue essa “participação”, a recusa ou liberação dos recursos financeiros.

Assim, o planejamento, em termos de participação, é dissimulado, “passivo” e “funcional” (PRETTY, 1995), caracterizado apenas pela informação à comunidade do que já foi decidido sem deliberar sobre as reais demandas sociais, o que torna o evento essencialmente político-funcional, como ocorre nos fóruns de turismo. Essa realidade demanda estudos de avaliação nas escalas nacional, regional e local, com a intenção de verificar até que ponto os interesses dos atores sociais e da comunidade local são considerados no processo de tomada de decisão (ARAUJO, 2006).

Malgrado o contexto complexo, de exigências e de forças em que a atividade turística desenvolve-se, destaca-se o planejamento como uma ferramenta estratégica que, se usada efetivamente e amparada por paradigmas integrativos, representa um mecanismo importante para o desenvolvimento regional.

Para tanto, é preciso que haja a ponderação das demandas do sistema turístico, avaliações qualitativas do processo e inclusão de elementos integrativos e sustentáveis efetivamente, e não apenas como uma retórica a cumprir uma funcionalidade política. Contudo, uma avaliação com base na observação do turismo como prática denuncia o predomínio de interferências dos campos da política e economia, que se complementam e se articulam com vistas a garantir seus interesses, distanciando-se dos pretensos resultados contidos no planejamento.

4.3 Planejamento, turismo e desenvolvimento sustentável: fundamentos,