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5 POLÍTICAS PÚBLICAS DE TURISMO NO BRASIL (CEARÁ)

5.4 Reflexões, materialidades e práticas: o turismo no Ceará

O desenvolvimento do turismo no Ceará faz parte de um amplo projeto de modernização iniciado no estado nos anos 1980. Assim, desde o início a atividade turística vincula-se à política, viés de entendimento importante para situar o contexto em que a atividade se desenvolve, as práticas atuais e os elementos característicos e constitutivos do fenômeno no contexto regional.

No Ceará, o turismo agrega funcionalidades, e o campo político e empresarial atuam como estruturadores e articuladores do cenário que se deseja estabelecer/manter. O recurso utilizado para a construção do panorama socioambiental e econômico, além dos aparatos técnicos, trabalha elementos menos visíveis, mas muito eficazes, constituintes da imagem e do conjunto de ideias que se deseja perpetuar na sociedade, e constrói o Ceará turístico marcado pela ativação de elementos simbólicos, da imagem, do poder e do discurso.

Assim, é importante refletir e investigar criticamente o contexto político, social, econômico e ambiental em que se desenvolve o turismo no Ceará, de sorte a criar novos repertórios interpretativos das práticas sociais do turismo, o que neste trabalho considera-se como um encaminhamento importante voltado ao desenvolvimento sustentável. Faz-se mister endenter que, concomitantemente ao plano arrojado de modernização do Ceará, momento em que o turismo é priorizado como atividade econômica, também se formulou um discurso poderoso delineador das práticas sociais referentes ao fenômeno, criando-se os sentidos que sedimentam a ideia da vocação, potenciais e estrutura do estado para o turismo.

O turismo passa, então, a ser visto como a redenção econômica e social de algumas localidades, posteriormente territorializadas pelo turismo, razão que reforça o deslumbramento pelo discurso governamental que intermedeia os financiamentos das agências e bancos internacionais. Assim, todas as possíveis modificações e adaptações nessas localidades passam a ser aceitas como o

preço a ser pago como garantia de permanência no seleto grupo de localidades contempladas pelos recursos.

Dessa forma, a aderência às ideias são naturalizadas, reforçando o jogo de poder existente nesse processo e revelando a eficiência do aspecto ideológico (domínio) como estratégia cognitiva que “naturaliza” e constrói “sentidos comuns” aos grupos dominados (VAN DIJK, 2005). Nesse sentido, ressalta-se a análise crítica dos discursos no contexto social, para um melhor entendimento dos mecanismos utilizados que auxiliam na aceitação e reprodução das ideias. A esse respeito, Van Dijk (2010, p. 235) avalia que:

[...] a estratégia global do discurso manipulador é se concentrar, discursivamente, nas características cognitivas e sociais do receptor, as quais o tornam mais vulnerável e menos resistente à manipulação e as quais também o tornam uma vítima mais crédula para aceitar crença. Sendo assim, é importante entender a centralidade do poder político em relação ao planejamento e projetos desenvolvidos nas localidades, sobretudo no litoral, onde a atividade é intensa e positivamente estruturada a gerar mais recursos, entendendo que, ao transformar os espaços em produto, também se transformam as relações sociais daquele lugar. No contexto das políticas públicas do turismo no Ceará, embora a tônica da participação da comunidade na elaboração dos projetos e a incorporação de elementos qualitativos relacionados à sociedade e ao meio ambiente sejam exigidas nos projetos, a avaliação das práticas evidencia o crescimento econômico ainda como prioridade regional do planejamento.

No Ceará, os discursos reforçam a noção do crescimento como forma de potencializar a “vocação” turística, através da construção de imagens, da criação de sentidos e da imagem do espetáculo (DEBORD, 2003). Para Debord (2003, p. 24), “O espetáculo é o momento em que a mercadoria chega à ocupação total da vida social. Tudo isso é perfeitamente visível com relação à mercadoria, pois nada mais se vê senão ela: o mundo visível é o seu mundo”, assim a imagem espetacularizada do turismo exerce função de filtro a interpretações mais realistas de qualquer imagem que não seja a do próprio espetáculo.

Desse modo, o aparato político-ideológico reforça a ideia do turismo das grandes obras, da modernização, do crescimento, da geração de riqueza e do desenvolvimento sustentável, estratégia política que objetiva vender a imagem de

um estado administrativamente estável e bem-sucedido. Contudo, para uma reflexão crítica, Coriolano (2004, p. 257) avalia que “Não basta conhecer a forma, a estrutura, a função e o sistema turístico, mas explicar e teorizar, identificando as determinações, contradições e negações”.

Sob esse postulado, Hintze (2013, p. 22) lembra que, “[...] quanto mais se espetaculariza o turismo, mais problemas existentes na atividade são produzidos de maneira invisível”, reforçando a dinâmica do agendamento de determinados temas do discurso pró-turismo em detrimento da “invisibilidade” de outros referentes às externalidades51 produzidas pela atividade. Esse é um fato que não pode ser negligenciado. A respeito desse tema, Van Dijk (2010, p. 207) explica que:

[...] se os receptores leem ou escutam muitos discursos semelhantes de políticos ou da mídia e não têm informações alternativas concorrentes, tais modelos podem, por sua vez, ser generalizados para representações abstratas e socialmente compartilhadas.

No Ceará, a comunicação no turismo, aquela que entra na arena social, é selecionada, agendada, posicionada a cumprir funções, seja para executar exigências burocráticas de compartilhamento da informação, com vistas à obtenção de recurso ou ao financiamento, seja para reforçar sentidos e imagens que o enunciador deseja estabelecer. De uma forma ou de outra, a situação denota uma relação de poder e acaba por contribuir para a manutenção das práticas sociais do turismo. Assim, apesar das opiniões divergentes, não consensuais, o discurso do turismo no Ceará é comandado por grupos empresariais e políticos formados mais por consensos do que por opiniões críticas e divergentes, sendo a estratégia sempre a estabilidade das organizações.

Nesse contexto, é interesse do estudo investigar que estratégias aparecem em destaque e trabalhar o direcionamento de raciocínios e leituras qualitativas do turismo, com base na reflexão de sua imbricada natureza com o cotidiano e (re)construção da práxis e dos seus contextos (EDENSOR, 2001). No Ceará, as práticas do turismo são forjadas nos bastidores e refletem múltiplos interesses, com ênfase nos pertinentes à manutenção de poderes locais, ao enriquecimento empresarial e à construção de filtros sociais que orientem as

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Externalidade: impactos das ações da atividade turística, geralmente associadas ao meio ambiente e ao cotidiano das populações circundantes, cujos efeitos podem ser positivos ou negativos, benefícios ou danos/custos, respectivamente.

leituras do fenômeno, objetivando estabelecer a imagem do turismo idealizado, espetacularizado.

Portanto, há que se entender que o turismo no Ceará representa mais do que um fenômeno social, ou uma atividade econômica em destaque. O turismo, como vem sendo articulado, é conectado com o campo empresarial, agrega lobistas de interesses múltiplos, sendo lócus de acordos, área de compartilhamento de poderes e plataforma de articulações. Destarte, defende-se a análise do turismo para além da idealização da atividade como área do desenvolvimento regional, incluindo no panorama interpretativo a função ideológica e funcional do aparato discursivo na interposição da construção das realidades observáveis.

Nesse sentido, é através da compreensão dialética das inter-relações (organização e estratégias) forjadas na área do turismo que se busca a criação de repertórios, raciocínios críticos e conhecimentos para a projeção de novos caminhos. No turismo, pesquisas relacionais que deem conta da complexidade do fenômeno e da relação com os sistemas sociais constituem um recurso pouco explorado, sobretudo pela estabilidade dos sistemas que regem a atividade, as quais reforçam hierarquias, posições sociais e inércia à adoção de medidas emancipatórias e de posicionamentos em face dos problemas observados.

Com atenção à questão e com base nas leituras para a confecção da tese, a figura e as explicações a seguir apresentam etapas empírico-epistemológicas direcionadas a posicionamentos críticos no segmento turístico, fundamentado na sequência:

Figura 6 – Etapas empírico-epistemológicas direcionadas a posicionamentos críticos no turismo

Fonte: Elaboração própria (2016).

1) Reconhecimento do problema social – No turismo, em uma boa parte dos segmentos que o compõem, existe uma inércia na elaboração do pensamento crítico por parte do ator social. Os problemas são vistos como parte do processo, reforçados pelas hierarquias, jogos de Passo 1

Reconhecimento do problema

social

Passo 2

Discussão com base no contexto social, formação de repertórios e

pensamentos críticos

Passo 3

Adoção de posturas e formação de movimentos emancipatórios

poderes, falta de informação ou acomodação. Dessa forma, é preciso que se reconheça primeiramente que existe um problema a ser resolvido para elaborar novos raciocínios às questões vivenciadas. 2) Discussão com base no contexto social, formação de repertórios e

pensamentos críticos – Reconhecido o problema, é possível fomentar debates e questionamentos do problema observado, o que será possível a partir da incorporação de pensamentos críticos e visões da inter-relação do referido problema e do contexto social de cada ator social. Dessa etapa, espera-se uma compreensão mais complexa e realista do problema.

3) Adoção de posturas e formação de posicionamentos emancipatórios – Por fim, espera-se que o construto de raciocínio sobre o problema, a aquisição de conhecimento e o entendimento das relações sociais e contextos observados favoreçam a adoção de posturas, retroalimentem sensos críticos e reforcem posturas emancipatórias, posição adotada pelo analista crítico-discursivo ante os problemas sociais observados.