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5 POLÍTICAS PÚBLICAS DE TURISMO NO BRASIL (CEARÁ)

5.3 Turismo no Ceará: plano, política e desdobramentos

O avanço do turismo no Ceará se estabelece concomitantemente a uma série de mudanças político-administrativas ocorridas no estado a partir da década

de 1980, as quais estruturaram, de forma estratégica, uma nova imagem político- -administrativa associada ao Governo Estadual e priorizaram o turismo como

atividade potencial de geração de riqueza e distribuição de renda, sendo a exploração do recurso natural para o lazer e o turismo o maior insumo.

Com projetos iniciados na década de 1970, é marcadamente na década de 1980 que se observam grandes mudanças estruturais na forma de gerir e pensar a atividade turística no Ceará, a qual se encaminha alinhada à macroproposta do Governo Federal de abertura de mercado e interesse em tornar o turismo atividade prioritária do segmento econômico nos estados e municípios. Assim, com a ascensão do empresário Tasso Jereissati (1986) e de Ciro Ferreira Gomes (1990) ao governo do estado, o Ceará adere à política de globalização da economia, marcada pela abertura de mercado e incentivos fiscais em consonância com a Política Nacional de Turismo, instituída no primeiro mandato de Fernando Henrique Cardoso, que tinha como diretriz a promoção do turismo visando ao desenvolvimento socioeconômico do país.

Nesse contexto, o turismo passa a representar um elemento emergente da economia, ao qual também se vinculam o novo perfil administrativo e a

imagem que se queria estabelecer para o Ceará. Assim, o momento político- -administrativo em que o turismo se insere no Ceará é marcado por duas fases

distintas: a primeira representada por uma política mais tradicional, cujo último representante foi o governo de Virgílio Távora (1982); a segunda vivenciada a partir da década de 1980, voltada às políticas de redemocratização, marcada principalmente por rupturas nas formas de produzir e vivenciar a política (CARVALHO, 2001).

O turismo cearense teve sua primeira referência no governo de César Cals (1971), cuja atividade é vista como potencial, contudo, no contexto do período, desprovida de uma política de ordenamento e planejamento eficaz para a atividade

(PLAGEC, 1971-1974). No Ceará, só a partir da década de 1980 o turismo passa efetivamente a compor a agenda de prioridades setoriais do estado como atividade indutora do desenvolvimento regional, incluindo o Ceará entre os polos de investimentos turísticos nos cenários nacional e internacional.

De acordo com a política de desenvolvimento do governo (1998), a partir dessa década “[...] o turismo é priorizado como aglutinador e gerador de negócios econômicos, do desenvolvimento social e base do desenvolvimento regional e municipal”. Entre as mudanças estratégicas, o governo buscou criar uma nova imagem política e administrativa para o estado, procurando distanciar-se da associação do Ceará árido e de poucos recursos e perspectivas de crescimento para um cenário promissor aos investimentos, onde o sol passa de fator limitante à justificativa de local propício aos negócios turísticos.

Assim, na década de 1980 o governo implementa uma série de medidas para atrair investidores para o turismo, o que trabalha transversalmente a imagem simbólica do “Ceará moderno” nos cenários regional e nacional. Para tanto, um conjunto de ações buscou sedimentar essa ideia. Entre elas, Dantas (2002) lembra a forma simbólica de produção dos discursos do governo ao apresentar um estado próspero e potencial aos investimentos turísticos. No mesmo sentido, Coriolano (1998, p. 39) cita a criação de infraestrutura como mecanismo que intenciona ampliar os investimentos e criar fluxo de visitantes:

Com a intenção de levar o Estado do Ceará a competir no mercado globalizado, implanta-se no território cearense uma infra-estrutura e acelera-se sua modernização. Essas ações „progressistas‟ significam a entrada do Ceará na nova modernidade e seu alinhamento às exigências da globalização. O governo passa a considerar o turismo uma prioridade econômica com a visão da globalidade.

No Ceará, o turismo articula-se com o macroprojeto de ação governamental de apoio aos setores considerados potenciais ao desenvolvimento, orientando-se pela criação de infraestrutura, participação dos setores produtivos e incentivos fiscais (SEPLAN, 2003). Assim, o turismo passa a ser citado pelos governos como atividade exitosa e potencial para a atração de divisas, incremento da comercialização e geração de emprego e renda.

Nesse contexto, o turismo passa a integrar a agenda prioritária dos investimentos governamentais no Ceará, pautando-se pelo incremento da atividade e pela busca de competitividade do destino. Entre as ações estratégicas,

está o fortalecimento da imagem do estado, diversificação de produtos, promoção e criação de infraestrutura e captação de investimentos nacionais e estrangeiros (SEPLAN, 2003).

O desenvolvimento do turismo no Ceará associa-se a um conjunto de decisões político-administrativas de investimentos e captação de financiamento para a área, contribuindo diretamente para o atual status da atividade, e continua a produzir funcionalidades, representações e poderes. Assim, o interesse no contexto de desenvolvimento e investimento no turismo não é “despretensioso”, mas articula interesses políticos, garante a manutenção de projetos empresariais e perpetua poderes por intermédio de discursos estratégicos, elaborados de maneira a garantir a aparência do processo que se deseja estabelecer/perpetuar.

O posicionamento do turismo na agenda social também se faz pela publicidade e marketing, através da mediação e disseminação da ideia da eficácia política em transformar as paisagens litorâneas em produto, ação que contribui para reforçar a imagem do Ceará turístico e justifica os vários acordos de empréstimos e financiamentos com o objetivo de criação de infraestrutura e embelezamento dos destinos para incremento do fluxo turístico.

Da mesma forma, o turismo associa-se à rede de práticas políticas, cenário de onde se articulam acordos partidários, empresariais e econômicos e transitam os recursos financeiros. Assim, nos discursos políticos pró-turismo, segmentos como cultura, comércio, lazer, estrutura urbana, marketing, saúde, serviços, treinamentos, segurança, entre vários outros investimentos, são setores que se articulam na órbita do turismo, sendo a natureza gerencial voltada ao crescimento a curto prazo, aumento de demanda e manutenção da imagem e sentidos relacionados à ideia do sucesso do turismo cearense no contexto do mercado. Freitas (2008, p. 39) lembra que o turismo e suas relações orienta m-se pelo modo de produção capitalista, em que o Estado desempenha papel importante na defesa dos “interesses econômicos hegemônicos” e “utiliza seu poder para alterar, consoante seu projeto político, a relação de forças na sociedade, garantir a manutenção das relações de produção dominante e consolidar sua base de sustentação”.

A atividade turística tem sido central na agenda governamental do Ceará desde os anos 1980, da mesma forma que não tem sofrido grandes modificações na forma de gerir e articular-se politicamente ao longo das últimas

décadas. No estado, a articulação da pasta do turismo fica a cargo da Secretaria do Turismo (Setur)47, que, entre as suas atribuições, trabalha no fortalecimento do Ceará como destino turístico, marcadamente voltado ao turismo de sol e praia, através da priorização da organização socioespacial para o incremento da atividade nas localidades litorâneas, centrando a organização em torno da

demanda48. Assim, no Ceará, uma das bases de planejamento do turismo pauta- -se pela lógica do produto-demanda, relação que prioriza a organização

socioespacial e de atrativos nas localidades em função da atração de determinada demanda.

Assim, o litoral passa a concentrar as atenções e investimentos como território a ser explorado como produto turístico, ressaltando-se para essa escolha o potencial paisagístico da região, o clima favorável e a localização privilegiada em relação a potenciais centros emissores de passageiros, como os Estados Unidos e os países da Europa e da América do Sul. Associada aos elementos físicos, a imagem turística do estado constrói-se também simbolicamente, principalmente mediante o discurso político e governamental, com apoio estratégico da mídia especializada e de ações de marketing, reforçando a ideia do Ceará litorâneo e paradisíaco, hospitaleiro, festivo, ensolarado e de aventura.

Nesse sentido, a zona costeira cearense é sinalizada como prioritária aos investimentos turísticos, tendo como base a adaptação e a utilização dos sistemas ambientais litorâneos ao lazer e turismo, com apoio dos órgãos administrativos estaduais e municipais, empresariado e participação da comunidade. A esse respeito, Becker (1996) assevera que o turismo é híbrido, no sentido em que agrega ao mesmo tempo as potencialidades para o desenvolvimento e a degradação socioambiental das localidades, dependendo da eficiência e direcionamento do planejamento na regulação e gestão da atividade nos territórios turistificados.

47

Antes da Setur, criada em 1995, o planejamento e desenvolvimento do turismo no Ceará foram gerenciados por outros órgãos ligados ao desenvolvimento econômico e turístico do estado, tais como: a Empresa Cearense de Turismo (Encetur) e a Companhia de Desenvolvimento Industrial e Turístico do Ceará (Coditur).

48

A organização do destino com foco na demanda constata-se pelo perfil de pesquisa encomendado pelos órgãos gestores do turismo regional/local no Ceará, que, entre outras questões, focam-se em análises, por exemplo, da motivação do visitante, procedência, volume de gastos, impressão da localidade e fontes que foram utilizadas para a obtenção das informações sobre o destino e serviços utilizados na localidade visitada.

No Ceará, o perfil de turismo de sol e praia, caracterizado por fluxos sazonais intensos na alta estação, e as políticas focadas na atração de demanda e utilização das áreas naturais aos serviços turísticos são aspectos que influenciam diretamente a sustentabilidade das regiões costeiras, centralizando a importância das questões socioambientais nas políticas e gestão do turismo no Ceará. Em relação ao litoral cearense, observam-se nos últimos 40 anos altos investimentos e adaptações nas comunidades costeiras em função do turismo, cujo planejamento trabalha sistematicamente a criação de infraestrutura e de passeios, visando ao incremento do fluxo turístico, geração de divisas e posicionamento competitivo49 do destino50.

Contudo, apesar do discurso positivo vinculado ao turismo e aos avanços socioeconômicos proporcionados pela atividade, os ganhos e o desenvolvimento turístico no Ceará ainda são centralizados (OLIVEIRA, 2007) e não transpõem às comunidades a suposta eficiência econômico-social atribuída ao turismo como vetor do desenvolvimento sustentável, o que evidencia os “simulacros”, por exemplo, da imagem criada em torno dos órgãos administrativos do turismo, planejadores e políticos como promotores da governança e do desenvolvimento sustentável nos territórios turistificados.

No Ceará, o turismo ocupa centralidades, perspectivas e potencialidades em proporcionar o desenvolvimento socioeconômico e ambiental regional, contudo ainda falho no que concerne à proporcionalidade das localidades beneficiadas pela atividade e forma com que se compartilham as decisões e benefícios proporcionados pelo desenvolvimento da área. Isso evidencia as incongruências, falácias e simulacros quando contrastados os discursos e a avaliação das práticas pertinentes ao desempenho do turismo como política setorial do desenvolvimento regional no Ceará.

Ressalta-se, nesses termos, a importância da avaliação do modo como tem se desenvolvido a atividade turística no Ceará, cuja experiência profissional do autor permite projetar para os próximos anos: o agravamento das

49 Na Política Nacional de Turismo, o termo “competitividade” do destino turístico é entendido

como “[...] a capacidade crescente de gerar negócios nas atividades econômicas relacionadas com o setor de turismo, de forma sustentável, proporcionando ao turista uma experiência positiva” (MTur, 2013, p. 23).

50

Os destinos turísticos adotam perfis diferenciados para o desenvolvimento das á reas turísticas. No Nordeste brasileiro, especificamente no Ceará, adotou-se o enfoque econômico e de

marketing, com foco para investimentos multinacionais e desenvolvimento de infraestrutura, a

externalidades negativas relacionadas à degradação do meio ambiente, a perda de competitividade do destino e a “prostituição” da atividade, em detrimento da falta de gestão, fiscalização e efetividade na execução de políticas públicas voltadas ao desenvolvimento sustentável.