• Nenhum resultado encontrado

5 POLÍTICAS PÚBLICAS DE TURISMO NO BRASIL (CEARÁ)

5.1 Reflexão crítica do turismo no contexto brasileiro

Diz o Plano Nacional de Turismo (MTur, 2013, p. 9) que a área do turismo “[...] se consolida como importante atividade econômica para o desenvolvimento social, geração de emprego, investimentos em infraestrutura, sustentabilidade e modelagem do ambiente competitivo”. Um ponto fundamental na estruturação desse cenário se faz por meio da organização e integração institucional, com a imprescindível “[...] participação e a ampliação da representatividade dos agentes produtivos nas diferentes instâncias de governança que integram o modelo de gestão descentralizada” (MTur, 2013, p. 26).

O termo “desenvolvimento”, como empregado no planejamento das políticas públicas federais para o turismo, conota governança, participação e sustentabilidade socioambiental, entre outras questões relacionadas a perspectivas de se alcançar um estado melhor em relação ao atual. O termo, assim, “[...] pressupõe mudança, transformação – e uma transformação positiva, desejada e desejável” (SOUZA, 1996, p. 5). É também um projeto e um processo, que no turismo dependem das relações complexas e em rede entre territorialidades, decisões voltadas à obtenção de lucro, acordos políticos e intenções vinculadas à estabilidade das localidades, sociedade e natureza.

Um processo que mistura discursos, utopias, falácias e possibilidades, postulando a necessidade de se buscar uma síntese exequível, não apenas no debate, mas, principalmente, em relação a uma prática social efetiva. Assim, há que se desenvolver posturas relacionadas aos novos paradigmas do desenvolvimento sustentável, discutido na seção anterior, como as políticas de governança através do compartilhamento de poder. Assim, entende-se que diretrizes e planos são condições objetivas importantes do processo, mas, para efetivá-las, há que se incluir posicionamentos qualitativos reais que direcionem o desenvolvimento dos destinos turísticos.

Nesse contexto, embora o discurso e os planos do governo para o turismo alinhem todos os pressupostos do desenvolvimento, uma avaliação integrativa revelará os sistemáticos investimentos governamentais no modelo de turismo que prioriza o crescimento e alcance de metas em territórios preestabelecidos, em detrimento do desenvolvimento pautado no compartilhamento de poder e de efetiva regionalização e interiorização da atividade.

Como lembra Veiga (2008, p. 56), “[...] no crescimento a mudança é quantitativa, enquanto no desenvolvimento ela é qualitativa”. O mercado dá prova da magnitude do retorno financeiro e de crescimento que o turismo pode proporcionar, sendo esse o índice que invariavelmente justifica os investimentos como área estratégica de desenvolvimento setorial, contudo é na capacidade de gestão, posturas e equilíbrio do sistema que reside o desenvolvimento no turismo.

O que se propõe ao avaliar os planos do governo não é rechaçar a ideia da possibilidade do turismo em promover o desenvolvimento local, mas incorporar a esse processo visões alternativas da avaliação e validação dos planos e diretrizes, entendendo a importância de posicionar-se criticamente frente aos discursos institucionalizados “tidos como certos”, quando a realidade evidencia outras materialidades – uma forma de retroalimentar cenários sustentáveis por intermédio de posturas e aquisição de repertório crítico.

Nas políticas públicas e planejamento do turismo brasileiro, o termo “desenvolvimento” adquire marca discursiva que articula a construção do sentido que se constrói da eficácia técnica e administrativa daqueles que o comandam. Assim, os planos de desenvolvimento constroem justificativas e atribuem aos gestores e grupos de poder a capacidade técnica de formular as práticas excelentes e a organização da atividade. Nesse sentido, as reflexões crítico-analíticas e a

participação do ator social são relevantes no debate da realidade e de seu contexto. Aliás, essa é uma premissa da pesquisa e permanece como viés de avaliação dos termos “turismo”, “discurso” e “prática social”.

A cooperação e a visão do ator social (em todos os níveis) são medidas a validarem, do ponto de vista material, as diretrizes do planejamento governamental: é valorizar as observações locais sobre o objeto; é evidenciar as práticas que quase sempre são diferentes das intenções. Como propõe Sampaio (2013, p. 180), é centralizar a reflexão em termos de “visibilidade” e “invisibilidade”, ou seja, é “[...] identificar aquilo que, em contextos turísticos locais, é visível e invisível e refletir sobre esta relação”, a fim de captar outras impressões e tornar o debate mais contundente, com base na realidade percebida das relações e dos processos gerenciais do turismo. O que se defende é desmistificar certezas mediante o contraste com as materialidades e práticas sociais do turismo, o que fortalece reflexões sobre os sentidos, ideologias e outros elementos nucleados no turismo como processo da modernidade e relações sociopolíticas. E pautar debates sobre as hipóteses governamentais, por exemplo, de que no turismo repousa “[...] uma forte solução para crescimento sustentado e sustentável do país, com redução de desigualdades regionais, inclusão social e geração de emprego e renda” (MTur, 2013, s.p.). É entender que a lógica que rege o planejamento e a formulação das diretrizes da atividade turística, visando ao crescimento econômico da atividade, pauta-se pela geração de divisas, expansão da infraestrutura, fusões e acordos de gabinete, “[...] internalizando lucros à montante e à jusante” (BALASTRERI RODRIGUES, 2012, p. 654). É ser crítico ao perceber que, justificando-se a necessidade de adaptações das localidades ao turismo, territorializa-se física e culturalmente as regiões às demandas e exigências do mercado, sendo essa uma condição para que o destino seja, pelos setores administrativos e empresariais, considerado “parceiro” do desenvolvimento.

O cenário em que se propõe o debate diz respeito ao processo histórico de desenvolvimento do capitalismo, no qual o turismo se consolida, através de suas “[...] múltiplas dimensões e significações, na sociedade contemporânea” (BENEVIDES; CRUZ, 1997, p. 1), de modo a entender as relações e o contexto em que os governos se colocam como articuladores e intermediadores dos recursos federais e das instituições financeiras e ditam o que, como e com que perspectiva as localidades “vocacionadas” ou “com potencial” para o turismo irão se desenvolver,

sendo o estado o primeiro a realizar “[...] a primeira seleção espacial de lugares/regiões que devem ser contemplados por seus programas de desenvolvimento do turismo” (CRUZ, 2006, p. 344). É nesse contexto que governos e aliados assumem centralidade política, poder e visibilidade no panorama do turismo e reforçam os discursos que modelam as práticas sociais.

O governo brasileiro, via Ministério do Turismo (MTur) e demais secretarias, tem desenvolvido políticas estratégicas para o turismo, considerando o segmento econômico como um “[...] grande potencial de alavancar e contribuir para a consolidação do desenvolvimento socioeconômico equilibrado, mesmo em distintas condições territoriais”, projetando, por intermédio de planos e ações, “[...] posicionar o Brasil como uma das três maiores economias turísticas do mundo até o ano de 2022” (MTur, 2013, p. 29-31), meta difícil de atingir ao se considerar o cenário brasileiro de decrescimento ocorrido nos anos de 2014 e 2015, em que setores como o turismo sofreram perdas diretas de investimentos.

O turismo, como área estratégica da economia, tem na potencial geração de emprego e renda, volume de divisas geradas e intenções de crescimento do número de viajantes a indicação das potencialidades de tornar-se uma atividade autossustentável e capaz de potencializar o desenvolvimento das regiões/localidades. De acordo com o MTur (201340, p. 41), a estruturação dos municípios, regiões e estados brasileiros para o turismo visam a promover “[...] o desenvolvimento econômico e a geração de emprego e renda”. Com essa promessa, é crescente o número regiões que abrem seus territórios41, estruturam as localidades e articulam o turismo como política voltada ao desenvolvimento regional/local.

Existe uma relação direta entre política e desenvolvimento do turismo nos destinos, cujo entrelaçamento influi efetivamente nas decisões de um modo geral, incluindo o tipo de turismo, as localidades que serão priorizadas, as diretrizes e grupos empresariais priorizados e a mediação do objeto em termos de criação de sentidos, construção de imagens e discurso. Dessa forma, o planejamento e a tomada de decisão no turismo são funcionais, no sentido de garantirem a

40

Neste tópico, utilizam-se exemplos retirados do Plano Nacional de Turismo na sua versão 2013/2016 (MTur, 2013), por ser essa a versão atualizada das edições do MTur (2011 e 2007).

41

Neste trabalho, utilizar-se-á o conceito de território como o espaço territorializado, ou seja, o espaço com a intenção de torná-lo produto. O turismo faz parte desse sistema territorial, que, construído pelos atores e suas relações de poderes, interfere nas características de cada território. Há, nessa relação, uma organização política que territorializa os espaços, apropria-se dos recursos e age numa dinâmica que busca o crescimento do setor nas áreas priorizadas para o turismo, como tem ocorrido com o litoral cearense (GALVÃO; FRANÇA; BRAGA, 2009).

convergência dos interesses de alguns grupos, que “[...] articulam o Estado, o mercado e a sociedade” (FISCHER, 2002, p. 13).

É a partir da reflexão que se relativiza a fetichização do turismo, defendida por alguns grupos que lucram e mantêm influência nos territórios turistificados. Na concepção de Hintze (2013), é importante considerar o papel do “mercado” na descrição do turismo. O autor chama a atenção para a forma como a estrutura e a abordagem do fenômeno têm legitimado a atividade, o mercado e seus agentes. No mesmo sentido, é preciso avaliar quais as estratégias e ferramentas têm sido empregadas para esse fim, quais, como no capitalismo pós-industrial, têm sido encaminhadas pela utilização de “[...] estruturas produtoras de signos, de sintaxe e de subjetividade” (GUATTARI, 2001, p. 31).

Nesse sentido, faz-se necessária a observação do contexto moderno e globalizado no qual o turismo se insere, de sorte a recontextualizar o fenômeno como prática social mundial e atividade que centraliza o interesse das políticas de desenvolvimento de vários países, principalmente em economias emergentes, dotadas de patrimônio natural potencialmente capaz de ser explorado, como no Brasil, especificamente no litoral nordestino. Essa posição de vantagem causa uma das faces mais contundentes desse processo: a necessidade de adaptação dos recursos socioambientais à escala de crescimento projetada.

O modelo de desenvolvimento do turismo brasileiro pauta-se com ênfase ao incremento da demanda (mercado), oferta turística e criação de infraestrutura, sendo alguns vetores do desenvolvimento, como os aspectos socioambientais superficialmente debatidos e efetivados, o que representa um déficit em termos de competitividade do destino e da sustentabilidade. Como exemplo, cita-se a análise de programas como o Programa de Regionalização do Turismo (PRT) e o próprio Plano Nacional de Turismo (PNT), os quais, em suas diretrizes, citam a importância das questões ambientais para as regiões turísticas, porém de forma genérica, sem esclarecerem as metodologias e formas segundo as quais o pilar será desenvolvido. Quanto à análise dos resultados da execução do Prodetur/NE,

Perazza e Tuazon (2002, p. 6) ressaltam:

[...] a ausência de programas e planos que contemplassem de forma global os impactos que o crescimento do turismo teria sobre o território, o meio ambiente e a sociedade. A falta de um marco de compromisso de planejamento e gestão territorial urbana, com enfoque ambiental e turístico,

gerou problemas de gestão e articulação entre os atores, que resultou em impactos negativos observados nas áreas beneficiadas pelo Programa. Sob esse viés, sendo o produto turístico estruturado em função do mercado e da demanda, encontra-se aí um ponto de reflexão importante no modo como os espaços naturais e a sociedade serão impactados e, fundamentalmente, qual a estratégia utilizada no planejamento para a adequação entre o crescimento que se projeta e as questões ambientais. Nesse contexto, a eficiência econômica associada ao turismo parece “desqualificar” reflexões acerca da relação crescimento e uso dos recursos naturais para o turismo, processo que “[...] erode os benefícios econômicos provocados pelo turismo”, uma vez que destrói a base da atividade, ou seja, “[...] a variedade da paisagem, a biodiversidade e os serviços ecossistêmicos disponíveis” (UNEP, 2009, p. 3).

No Brasil, o turismo, como atividade econômica, sistematiza-se com mais ênfase a partir da década de 1990, marcado sobretudo pelo direcionamento de políticas para a construção do cenário (estrutural, de serviços e institucional), com a intenção de potencializar o turismo nas economias dos estados e municípios. A articulação em torno do turismo é direcionada pelas aspirações neoliberais vividas no Brasil na década de 1990, no governo de Fernando Collor de Mello (1990-1992), período em que houve a abertura e negociação política para investimentos e a organização mais intensa dos destinos turísticos, mediante a liberação de recursos proporcionada pelo acordo entre bancos e agências de financiamento.

Um dos marcos da década de 1990 para o turismo foi a criação do Programa Regional de Desenvolvimento do Turismo (Prodetur) e a versão do programa para o Nordeste, sendo a primeira fase iniciada em 1994, com o objetivo de possibilitar a expansão e a melhoria da atividade turística na região. Com esse programa, o governo brasileiro investe estrategicamente no turismo como área capaz de contribuir para o desenvolvimento regional, tendo a “redução da pobreza” como uma das maiores justificativas do programa. Além disso, a referida década também marca o incremento do marketing, do discurso político em torno do turismo e da estruturação da imagem administrativa em consonância com um perfil moderno de gestão e investimentos para o desenvolvimento do país.

A partir do governo de Luiz Inácio Lula da Silva (2003-2010), cria-se o Ministério do Turismo, e o planejamento da atividade passa a ser avaliado no contexto nacional no que concerne à estrutura, potencialidades e impactos, visando

à organização de diretrizes de integração dos destinos nacionais e de desenvolvimento da atividade em âmbito nacional e regional/local. O modelo, também adotado no governo de Dilma Rousseff (2011-2016), orienta as políticas públicas brasileiras no desenvolvimento do turismo, com ênfase, entre outras questões, no investimento em infraestrutura para o crescimento da estrutura turística nos estados e municípios e diretrizes voltadas ao desenvolvimento de políticas de governança, mediante programa de participação e avaliação.

Desse modo, nas últimas décadas o Governo Federal, por meio do MTur, tem orquestrado diretrizes e políticas direcionadas ao gerenciamento e orientação dos estados e municípios brasileiros para o desenvolvimento do turismo, apostando no potencial e capacidade do turismo em proporcionar crescimento econômico e geração de empregos nos destinos (UNWTO, 2013a), medida considerada estratégica no Brasil para equilibrar o déficit social.

Assim, o governo justifica o crescimento do turismo como uma estratégia que proporcionará o crescimento econômico, a redistribuição de renda e a redução das desigualdades sociais, orientado pelo PNT, cuja estrutura financeira parte de programas como o Prodetur e o Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) (IPEA, 2009), sendo esse último voltado a proporcionar, via programas e ações, aporte financeiro ao incremento da infraestrutura para desenvolvimento do turismo nos estados.

Nesse contexto, os destinos turísticos brasileiros têm desenvolvido políticas que visam à criação de estrutura e serviços objetivando o incremento do volume de passageiros. Embora os planos do governo tenham como meta o incremento do turismo internacional, nos últimos anos o turismo doméstico tem sido o esteio dos destinos brasileiros, a exemplo do Nordeste, especificamente do Ceará. Parte do incremento do turismo doméstico atribui-se ao marketing das regiões brasileiras e às políticas de redução de preços desenvolvidos entre os setores público-privado, potencializando o acesso da classe C ao consumo do turismo e estimulando os turistas das classes A e B a viajarem mais pelo Brasil.