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EDUCAÇÃO

Na organização das ações para melhorar a qualidade da educação brasileira, o governo de Luiz Inácio Lula da Silva (2007-2010) estabelece como um dos pilares de sustentação do PDE o regime de colaboração entre os entes da federação, previsto na Constituição Federal de 1988 e na LDB nº 9.394/1996, sendo interpretado da seguinte forma:

Regime de colaboração significa compartilhar competências políticas, técnicas e financeiras para a execução de programas de manutenção e desenvolvimento da educação, de forma a concertar a atuação dos entes federados sem ferir-lhes a autonomia. Essa simples divisão de tarefas, se articulada em grandes eixos (educação básica, superior, profissional e continuada), com regras transparentes e metas precisas, passíveis de acompanhamento público e controle social, pode pôr em marcha um avanço perceptível e sólido [...] (BRASIL, 2007j, p. 10-11).

Por meio do PDE, o governo federal se compromete em “[...] ir ao encontro de quem mais precisa, construindo o regime de colaboração na prática” (BRASIL, 2007j, p. 23), buscando concretizar o que prescreve a Constituição Federal de 1988, que estabelece para a União o papel de apoiar técnica e financeiramente os entes federados, no exercício de sua

função redistributiva e supletiva, tendo em vista as limitações de ordem administrativa, financeira ou de gestão por parte das unidades governamentais – estados e, sobretudo, municípios –, que impactam na oferta e qualidade da educação.

A palavra regime compreende o ato de governar uma nação, ou seja, definir regras e ações dentro de um sistema político-territorial. Colaboração implica uma forma de trabalhar com o outro, ou seja, cooperar. Para Araujo (2010), a instituição do regime de colaboração na educação brasileira envolve a regulamentação das responsabilidades dos entes federados, isto é, a definição de instrumento jurídico que determinará os modos de gestão das competências comuns previstas na Constituição Federal de 1988.

Portanto, a política do PDE é vista, segundo a referida autora, como uma ação de coordenação do governo federal no sentido de estabelecer uma colaboração, presidida por ações a ser implementadas pela União, pelos estados e municípios, modificando as formas de relação entre os entes federados, principalmente na disponibilização e no acesso pelas secretarias educacionais de ações e programas de assistência técnica e financeira do MEC.

A assistência técnica da União significa dar suporte aos entes federados, por meio de programas de formação aos professores, capacitação de profissionais ou membros dos conselhos, disponibilização de mecanismos para planejamento, gestão e monitoramento de ações educacionais, realização de estudos, avaliações, entre outros. Por sua vez, a assistência financeira engloba a transferência de recursos aos estados e municípios, assim como o repasse de bens materiais, como livros didáticos, equipamentos e mobiliário por meio de programas do FNDE/MEC (FARENZENA, 2012c).

Esse regime de colaboração previsto no PDE constitui-se a partir de um “[...] compromisso fundado em diretrizes e consubstanciado em um plano de metas concretas, efetivas, voltadas para a melhoria da qualidade da educação” (BRASIL, 2007j, p. 24). Nessa direção, o governo federal institui o Plano de Metas Compromisso Todos pela Educação, por meio do Decreto nº 6.094/2007, com o objetivo de melhorar a qualidade da educação básica, mediante a colaboração entre União, estados, municípios e Distrito Federal, bem como as famílias e a comunidade escolar, com base em ações e programas de apoio técnico e financeiro do MEC.

O Plano de Metas Compromisso Todos pela Educação indica um conjunto de diretrizes a ser implementado pelos estados e municípios, com metas que dizem respeito a: a) democratizar a gestão educacional (envolver os professores na elaboração do projeto político pedagógico, fomentar e apoiar os conselhos escolares, instituir os Conselhos de Educação etc.); b) valorizar os profissionais da educação (promover a formação inicial e continuada,

implementar o plano de carreira, cargos e salários, valorizar o trabalho do profissional mediante desempenho no trabalho – dedicação, assiduidade, pontualidade, responsabilidade etc.); c) promover o acesso e a permanência dos estudantes (garantir a matrícula do aluno próximo de sua residência, combater a repetência e a evasão escolar, mediante atividades de recuperação e acompanhamento dos estudantes); d) garantir a avaliação (acompanhar os estudantes, por meio do registro da frequência e desempenho na avaliação escolar, e divulgar os resultados do Ideb para a comunidade escolar); e) alfabetizar os alunos até os oito anos de idade; f) promover a inclusão de crianças e jovens com necessidades especiais nas salas do ensino regular; g) garantir os programas de alfabetização para jovens e adultos; h) promover a educação infantil; i) promover parcerias com outras áreas (saúde, esporte, cultura), bem como parcerias externas à comunidade escolar; entre outras diretrizes.

A elaboração das diretrizes previstas no Plano de Metas tem uma ampla influência do movimento Todos pela Educação, que congrega diversos setores da sociedade, como “[...] agentes sociais, intelectuais, empresas, instituições públicas e privadas [...]”, contudo, uma grande parcela dos sujeitos que compõe o movimento não provém da educação, são “[...] profissionais ligados à economia, administração, comunicação, ao mundo dos negócios ou pessoas que ocupam determinados cargos políticos nos governos [...]” (VOSS, 2011, p. 52).

O discurso proferido pelo movimento é de garantir uma educação de qualidade para todos, estabelecendo como principais objetivos: a) propiciar condições de acesso e sucesso escolar; b) garantir a alfabetização de crianças; e c) ampliar e melhorar o gerenciamento de recursos públicos e privados investidos na educação. Esses objetivos foram resumidos em metas a ser obtidas até o ano de 2022, apresentadas a seguir:

Meta 1 Toda criança e jovem de 4 a 17 anos na escola; Meta 2 Toda criança plenamente alfabetizada até os 8 anos; Meta 3 Todo aluno com aprendizado adequado à sua série; Meta 4 Todo jovem com o Ensino Médio concluído até os 19 anos;

Meta 5 Investimento em Educação ampliado e bem gerido (TODOS PELA EDUCAÇÃO, 2012, p. 12).

O Plano de Metas Compromisso Todos pela Educação passa então a ser permeado por um projeto criado pelo setor empresarial, que entende que a qualidade da educação só será concretizada “[...] mediante uma ampla mobilização de forças composta por ‘atores’ da sociedade civil e por órgãos da sociedade política”, bem como pela definição de metas e monitoramento de ações, via avaliação, como meio de imprimir mais eficiência às políticas públicas da educação (MARTINS, 2009, p. 25). Entretanto, não houve uma ampla consulta e

um debate com setores da educação (escolas, secretarias de educação, sindicatos, universidades, entidades acadêmicas etc.), de modo que os entes federados são condicionados a implementar as diretrizes elaboradas pelo governo federal, instituindo um novo modelo de regulação das redes de ensino. A esse respeito, Barroso (2005) destaca que a regulação na educação busca instituir o equilíbrio e a coordenação dos sistemas educativos, de modo que esse processo não implica apenas a criação de normas que orientem o funcionamento das instituições como ainda possibilita reajustar a ações dos sujeitos em função dessas normas.

Nesse sentido, o Plano de Metas passa a ser visto como mecanismo de regulação específica do governo federal sobre os entes da federação, mediante a elaboração do PAR, que, por sua vez, passa a orientar as ações dos municípios, sendo estas definidas previamente pelo governo, condicionadas às metas para melhorar a qualidade educacional, atestada por meio dos índices educacionais – Ideb. Ao mesmo tempo, ocorre um (re)ajustamento de diversas decisões e ações por parte dos atores envolvidos no processo de elaboração do PAR, bem como pelo próprio MEC, que também (re)ajusta constantemente suas decisões e ações nessa política (FARENZENA; MARCHAND, 2013). Portanto, a regulação no Plano de Metas passa a ser com base em suas diretrizes, com a adesão por parte dos municípios, que devido às fragilidades técnicas e financeiras, são conduzidos a aceitar os termos previstos pelo governo federal, ficando submetidos às “[...] formas de controle e vigilância, de autoverificação, muitas vezes com base na cobrança dos resultados que foram prometidos por meio da fixação de objetivos e metas [...]” definidos no contrato firmando entre os entes (OLIVEIRA, 2009, p. 202).

O Plano de Metas escolhe o Ideb como mecanismo para verificar o cumprimento das metas que foram fixadas no termo de adesão ao compromisso. Criado a partir dos estudos realizados pelo Inep para avaliar a aprendizagem dos estudantes em nível nacional, esse índice é calculado com base no rendimento escolar dos estudantes (taxa de aprovação), obtido no Censo Escolar, combinado com o desempenho dos estudantes por um conjunto de avalições em larga escala implementado pelo Sistema de Avaliação da Educação Básica (Saeb), composto pela Avaliação Nacional da Educação Básica (Aneb) e pela Avaliação Nacional do Rendimento Escolar (Anresc), também denominada Prova Brasil.

Ao criar o Ideb, a União coloca como desafio melhorar a qualidade dos sistemas de ensino ao fixar metas a ser atingidas pelas instâncias locais. Essas metas têm como parâmetro os índices educacionais dos países desenvolvidos, determinando que as redes de ensino e as escolas alcancem até o ano de 2021 um Ideb igual a 6,0:

O IDEB calculado para o País, relativo aos anos iniciais do ensino fundamental, foi de 3,8, contra uma média estimada dos países desenvolvidos de 6, que passa a ser a meta nacional para 2021. O desafio consiste em alcançarmos o nível médio de desenvolvimento da educação básica dos países integrantes da Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico (OCDE), no ano em que o Brasil completará 200 anos de sua independência, meta que pode ser considerada ousada (BRASIL, 2007j, p. 22).

Embora os resultados do Ideb venham a se constituir num parâmetro para avaliar a qualidade da educação no país, com a finalidade de fornecer indicadores da realidade educacional para subsidiar o monitoramento das políticas públicas, além de possibilitar a alocação de recursos para os sistemas de ensino, o termo qualidade continua tendo como base a “[...] racionalidade instrumental que tende a sobrevalorizar indicadores e resultados quantificáveis [...]”, sem considerar nesse processo os sujeitos e outras dimensões que permeiam as práticas educativas (AFONSO, 2007, p. 18).

Segundo Dourado, Oliveira e Santos (2007, p. 3), o conceito de qualidade na educação é complexo, uma vez que implica múltiplos significados e elementos imprescindíveis para “[...] qualificar, avaliar e precisar a natureza, as propriedades e os atributos desejáveis ao processo educativo [...]”, tendo em vista a construção de um projeto direcionado para a formação crítica dos sujeitos. Na pesquisa realizada pelos autores, os organismos multilaterais utilizam como paradigma a relação insumo-processo-resultado. Isso significa que a qualidade educacional é definida pelos recursos materiais e humanos investidos e sua relação com os processos internos da escola (ensino, aprendizagem, currículo, projeto político-pedagógico, gestão, cultura organizacional etc.). A qualidade também será medida com relação aos resultados de desempenho dos alunos nas avaliações externas implementados pelo governo federal.

A qualidade da educação passa por outros fatores que vão além apenas dos recursos repassados às redes de ensino e às escolas. Nesse processo, pensar em qualidade educacional significa considerar fatores externos e internos às escolas. Nos fatores externos, consideram- se as condições socioeconômicas das famílias (condições de moradia, trabalho etc.) e o nível sociocultural das famílias (escolarização dos pais, hábitos de leituras, acesso a recursos tecnológicos, formas de lazer etc.). Nos fatores internos, consideram-se outros elementos, que incluem as condições de oferta do ensino (definição do custo-aluno necessário para cada etapa e nível da educação, assim como infraestrutura e recursos didáticos para o desenvolvimento da prática pedagógica); gestão e organização do trabalho pedagógico; remuneração e valorização dos profissionais da educação; políticas de formação inicial e continuada;

políticas para redução dos índices de repetência e evasão das escolas, entre outros fatores (SILVA, 2009; DOURADO; OLIVEIRA; SANTOS, 2007)20.

Portanto, embora o Ideb tenha sido projetado para identificar a qualidade da educação em nível nacional, esse instrumento impõe às redes públicas e às escolas mudanças estruturais nas formas de trabalho e de gestão da educação, pois

[...] acentua o foco na quantidade, na comparação e competição, e realça uma restrita concepção de qualidade que pode ter consequências redutoras dos fins e meios da educação. Seu uso como parâmetro para aferir a melhoria da aprendizagem tem sido criticado, bem como o fato de que seja divulgado mais como ranking do que mapeamento das escolas que precisam de ajuda (FREITAS; OVANDO, 2015, p. 971).

A adesão ao Plano de Metas por parte dos entes federados é estabelecida com a assinatura do Termo de Adesão, que celebra o comprometimento dos estados e municípios em melhorar a qualidade da educação básica, tendo as diretrizes previstas no Decreto nº 6.094/2007 e a evolução do índice educacional aferida pelo Ideb. Apesar de voluntária, as unidades governamentais são compelidas a assinar o termo de compromisso para garantir a assistência técnica e financeira da União. Conforme Camini (2009), nessa política, ocorre um processo de subordinação e dependência das instâncias governamentais, que passa a incorporar em seus projetos as diretrizes definidas pelo Estado, criando planos de ações e cargos para viabilizar as demandas do governo federal.

Para viabilizar a colaboração entre os entes federados que aderiram ao Plano de Metas, o MEC propõe a elaboração do PAR, que congrega um “[...] conjunto articulado de ações, apoiado técnica e financeiramente [...]” (BRASIL, 2007b) pela União, a partir da aplicação de um instrumento diagnóstico sobre a situação real das condições da rede pública de ensino, a ser avaliada por uma equipe local.

20 O PNE (2014-2024), ao tratar sobre a avaliação educacional, propõe a criação de um sistema nacional de avaliação que contemple, além dos resultados de estudantes em testes padronizados implementados pelo MEC, a inclusão de fatores intra e extraescolares. Trata-se, portanto, da criação do Sistema Nacional de Avaliação da Educação Básica (Sinaeb), que tem como propósito estabelecer uma avaliação mais ampla, participativa e diversificada, levando em consideração múltiplos fatores que impactam na qualidade educacional. A proposta do Sinaeb está articulada a cinco diretrizes: universalização do atendimento escolar (acesso, permanência e infraestrutura escolar); melhoria da qualidade educacional (práticas pedagógicas, aprendizagem, ambiente educativo e formação do estudante); valorização e remuneração dos profissionais da educação; gestão democrática (planejamento, participação e financiamento); e superação das desigualdades educacionais (SANTOS; HORTA NETO; JUNQUEIRA, 2017). Todavia, a criação desse Sistema foi revogada pela Portaria nº 369/2016, no governo do presidente Michel Temer, que assumiu a presidência após o golpe de 2016 à presidente eleita em 2014, Dilma Rousseff (SOUZA, 2017).

3.2 PLANO DE AÇÕES ARTICULADAS: A RELAÇÃO ENTRE UNIÃO E MUNICÍPIOS