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Abrir-se para a realidade do outro e tentar compreendê-lo é uma condição fundamental para construir um bom vínculo afetivo. Não pode haver amor se o egoísmo comanda, e não pode haver uma comunicação eficaz se há egocentrismo. Ao aceitar a suposta magnificência do parceiro, você minimizará a si mesmo pouco a pouco e a sua autoestima ficará por um fio. Que opção resta? Que o narcisista decida produzir uma transformação radical em sua vida e ser mais generoso e humilde. Uma revolução interior que nem todos estão dispostos a empreender e que poucos conseguem.

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STRATÉGIAS DE SOBREVIVÊNCIA AFETIVA

Para se relacionar com um estilo narcisista-egocêntrico, a maioria das pessoas recorre a duas estratégias básicas: adorar o parceiro sobre todas as coisas ou fazê-lo descer do pedestal e humanizá-lo. Ambas têm consequências complicadas de se lidar.

Reconhecer a “supremacia” do narcisista e prestar-lhe homenagens

Para seguir esta estratégia é preciso fazer das tripas coração e guardar o orgulho no bolso. A ideia é se adaptar de uma forma radical ao narcisismo do parceiro para que tudo seja cor-de-rosa. Isso implica aceitar sinceramente a supremacia do outro e se convencer de que somos sortudos por ter um companheiro que foge do normal. As pessoas que se decidem por esta opção assumem uma atitude submissa e complacente ao extremo.

Os comportamentos mais representativos desta atitude são:

Adotar uma posição subordinada para que a grandiosidade do parceiro não seja alterada.

Mostrar admiração constante (elogios, afagos, adulações e reforços).

Aceitar as poucas manifestações de amor, caso existam, porque “essa é a sua maneira de ser” e é preciso respeitá-la.

Manter um perfil baixo para não competir com o parceiro.

O ideal é se concentrar e aproveitar as conquistas dos narcisistas esquecendo-se de si mesmo.

Se apontar alguma falha ou erro deles, deve fazê-lo com absoluta delicadeza e diplomacia. A assertividade está proibida porque são muito sensíveis.

Contribuir com a sua boa imagem usando todas as ferramentas possíveis. Deixar-se manipular às vezes para evitar discussões.

É importante criar uma “resistência à indiferença”. Esse calo vai sendo conseguido com os anos, com bastante esforço e trabalho.

O que você acha? Você está disposta ou disposto a decidir pela linha branda? Tem o dom da paciência e a calma necessária? Algumas pessoas sentem-se orgulhosas de poder servir o ego do seu parceiro e de fortalecê-lo até ele explodir. Nesse sentido, uma mulher me falava: “Quanto mais importante ele for, maior eu serei”. Uma forma curiosa de grandiosidade sacerdotal: o caráter transitório da baixa autoestima.

Colocar o narcisista em seu lugar e fazê-lo descer do pedestal

Esta posição tenta equilibrar a relação e torná-la mais democrática, o que implica uma crise certeira, já que o sujeito narcisista não aceitará sob nenhuma circunstância perder ou compartilhar o poder. A consequência desta alternativa pode levar ao rompimento, visto que a confrontação é dirigida aos pontos mais vulneráveis do sujeito, ao próprio coração do ego: “Você não é tão especial quanto acredita”. Apesar da boa intenção, é preciso ser realista: são necessárias várias toneladas para baixar a intensidade ególatra do narcisista. Então não é somente uma questão de boa vontade e perseverança: o narcisista deve concordar com a mudança.

Estes são alguns dos comportamentos que definem esta atitude:

Evitar as manifestações de admiração e os afagos que só procuram alimentar o ego do outro. Não mais reverências submissas, ainda que o outro as solicite.

Não colaborar com a boa imagem dele por obrigação. Vestir-nos, arrumar- nos e comportar-nos como considerarmos conveniente. Se isso é útil ou não para a grandiosidade do parceiro, está em segundo plano.

Não reprimir a crítica ou as divergências quando forem justas e fundamentadas (tampouco se trata de castigar o outro nem de se vingar). Tentar ser realista: haverá muito poucas ou mesmo nenhuma conduta altruísta por parte da pessoa narcisista, portanto é melhor não fazer reclamações de nenhum tipo e muito menos súplicas.

Em geral, é preferível dizer o que pensamos e expressar os sentimentos com honestidade.

A melhor forma de desbaratar um estilo manipulador é conhecer a intenção da pessoa que tenta ter o controle: “O que ele ou ela procura com isto?”. Cada vez que descobrimos e manifestamos qual é o verdadeiro propósito do narcisista, o comportamento manipulatório perde poder. Uma vez que conheçamos a sua motivação e intenção, tudo se resume a não entrar no jogo.

Oposição firme e direta. Você é capaz de seguir a linha dura ou os seus medos e inseguranças o detêm? Deseja realmente colocar o narcisista em seu devido lugar ou ainda quer compartilhar do estrelato dele? Algumas pessoas não são capazes de aplicar os recursos de enfrentamento porque estão apegadas e temem a reação negativa do parceiro, sobretudo se existe um relacionamento de dominação-submissão de longa data. Rebelar-se contra as figuras emblemáticas de autoridade e/ou admiração não é fácil, porque, de tanto ficar submetido, o costume vai se instalando no disco rígido e a lucidez é perdida. Alguém contava o caso de um cachorrinho que incomodava um leão recém-nascido; o mordia, o empurrava, o perseguia, enfim, tornava a vida dele impossível. O curioso é que o leão cresceu, se transformou em um enorme animal que amedrontava a todos com a sua imponente juba e o estrondoso rugido, mas seguia temendo o insignificante

cachorrinho. Tão somente por vê-lo de longe, fazia xixi de tanto medo. Alguns condicionamentos são, assim, absurdos e irracionais. Talvez você seja um leão ou uma leoa que não percebe que os anos passaram e já não tem por que temer quem antes o dominava.

A

ONDE NEGOCIAR

?

Amar e não ser amado, dar e não receber, ser manipulado e sentir-se um objeto, tudo isso é inaceitável se não queremos ser vítimas de um amor doentio. Qualquer coisa que afete a nossa integridade física ou psicológica deve ficar fora de uma relação. E se o amor é muito? Não se trata de quantidade, mas de qualidade. Não importa o quanto amem você, mas como o fazem. Um amor sem reciprocidade é injusto, ainda que o seu parceiro não possa viver sem você e precise de você como da água.

Meio-termo? Não é tão simples, às vezes ficamos num limbo afetivo sem saber o que fazer. Uma paciente, depois que o marido havia passado por uma terapia de um ano e meio para modificar o estilo afetivo narcisista, me contava: “Devo reconhecer que houve melhora... Agora me manipula

menos, não exige tanta referência e admiração como antes.

Já não é tão indiferente e reconhece alguns dos seus erros quando está de bom humor. Mas eu me pergunto se devo me resignar a ter um companheiro ‘mais ou menos’. Não é bem o que eu queria para a minha vida. A verdade é que a convivência com ele ainda segue complicada e às vezes a soberba brota dos poros dele... Faz esforço, mas agora eu sou o problema, porque não sei se consigo ficar com alguém assim... Quero um amor completo ou não quero nada”. Birra da minha paciente? Intolerância? Não, pelo contrário. Cansaço, tomada de consciência e determinação de limites. É a clareza afetiva que os anos de sofrimento dão.

Para alguns, a relação com uma pessoa “mininarcisista”, “subnarcisista” ou “seminarcisista” é

suportável. Para outros, definitivamente, não. Um narcisismo leve, é evidente, não causa tanto estrago como um caso moderado ou severo e, inclusive, o seu parceiro pode se adaptar às suas exigências sem sofrer traumas severos. A pergunta é se isso basta, se é suficiente ir levando a vida e suportando as situações no lugar de ter uma vida boa e satisfatória, não necessariamente ideal nem perfeita. Um homem jovem, casado havia um ano, me dizia o seguinte: “Um psiquiatra me falou que ela era uma ‘seminarcisista’ e que se eu a amava de verdade tinha de aceitar a sua maneira de ser. Ele insistiu que se fosse uma ‘narcisista completa’ seria pior para mim. Eu me pergunto por quê. Qual é a diferença entre estar à sombra de uma mulher que se sente Deus ou de uma que acredita ser um semideus? De todas as formas, estarei por baixo, de todo modo irei sofrer!”. Ter um companheiro narcisista implica um esforço para manter o “eu” na superfície e não se deixar afundar pela arrogância do outro. Não podemos descartar o fato de que a mente cria calos, assim como o corpo, e com a ajuda do autoengano podemos ver luz onde só há escuridão. Alguns otimistas assumem o papel de “reeducadores emocionais”, tentando descentrar o narcisista e reacomodando o ego dele. Eu não seria tão otimista, mas você é quem decide.

Como reconhecer uma pessoa narcisista antes