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Por que nos envolvemos em uma relação obsessiva? O fascínio do “bom partido”

Não é difícil sentir atração por uma pessoa obsessiva, já que muitos dos seus comportamentos, como disse, são respeitados e admirados em nossa cultura. A responsabilidade, a posição rigorosa em questões ético- morais e a capacidade de trabalho, entre outras, podem deleitar qualquer um que aspirar a uma relação convencional. Em muitos grupos sociais, a “seriedade” continua sendo uma virtude pré-matrimonial. Se somarmos a isso uma pitada de solvência econômica, o prato está servido.

Partindo dessas “vantagens”, podemos definir três vulnerabilidades ou necessidades básicas que facilitam o envolvimento com um estilo obsessivo-compulsivo: “Preciso de alguém eficiente ao meu lado” (incompetência/fracasso), “Preciso de alguém que me conduza pelo bom caminho” (autocontrole insuficiente) e “Preciso de um companheiro muito responsável e confiável” (compromisso/lealdade).

I

NCOMPETÊNCIA

/

FRACASSO

: “P

RECISO DE ALGUÉM EFICIENTE AO MEU LADO

O sonho de qualquer pessoa que se considere incompetente é ter alguém ao seu lado que resolva os problemas de forma rápida e eficaz. O estilo perfeccionista atrai os que se sentem inúteis como o pólen atrai as abelhas. Como resistir às palavras mágicas de um bom obsessivo? “Não se preocupe, deixe tudo em minhas mãos” ou “Eu me encarrego, confie em mim”. É o encanto do salvador ou da salvadora que desculpa a insuficiência.

O problema aparece depois, quando a alegria e o alívio inicial se transformam em fiscalização e controle. Isso

ocorre quando o “corretor de erros”, amparado em sua história de acertos, passa a ser o pior dos censores.

Um paciente deprimido explicava assim a sua desilusão ao ver a nova atitude da sua parceira: “Aquilo pelo qual eu me apaixonei nela agora está me destruindo. Antes de conhecê-la, eu sentia que fazia tudo mal, me considerava um inútil, mas tinha a esperança de algum dia mudar para melhor... Mas, agora, estou pior. Cada dia que passa ela me lembra que devo fazer melhor as coisas, que estou muito longe de ser o seu ideal de homem, e isso me afunda no desespero”. Pensemos na dinâmica que se esconde atrás desse tipo de relação: “Eu me envolvo com alguém ultraeficiente porque suscita em mim admiração e segurança e suponho que compensará o meu medo de errar, mas ao cabo de um tempo descubro que essa pessoa é o pior crítico da minha conduta”. Seria como escapar de um predador se escondendo no seu covil. Dessa forma, sob o peso implacável da reprovação, das regras, da censura, a percepção da incompetência e do fracasso crescerá de forma exponencial, o que precisamente se queria evitar.

A

UTOCONTROLE INSUFICIENTE

: “P

RECISO DE ALGUÉM QUE ME GUIE PELO BOM CAMINHO

Trata-se de uma versão mais sofisticada do salvador ou da salvadora. Essa vulnerabilidade ocorre em pessoas que tiveram em suas vidas épocas de muito descontrole e excessos de conduta, e num dado momento acham que devem assentar a cabeça e retomar o rumo. Aqui é onde entra o “parceiro terapeuta”, que com seu bom exemplo ensina o caminho da sensatez e da contenção. Quem nunca escutou a seguinte declaração de amor/agradecimento: “Antes de conhecer você, minha vida era um desastre, mas hoje, graças a você, sou outra pessoa”? Para alguém que deseja se emendar dos maus passos e tirar dos ombros os

sentimentos de culpa, uma pessoa normativa será vista como uma oportunidade de se redimir, limpar o disco rígido e fazer um profundo “exame de consciência”.

Conheci muitas senhoras agradecidas às suas noras por terem resgatado o filho desencaminhado pela farra, a droga ou o juízo final. Desejo assinalar que um número considerável dessas redentoras afetivas mostra um claro estilo obsessivo. Obviamente também há homens bons samaritanos que adotam mulheres fora de controle para encaminhá-las, mas na minha experiência profissional encontrei mais mulheres do que homens desempenhando esse papel. Para cumprir a função de benfeitor e reeducador afetivo, ninguém melhor de que uma pessoa organizada, disciplinada, controlada e todos os demais “adas” que formam o perfil perfeccionista.

C

OMPROMISSO

/

LEALDADE

: “P

RECISO DE ALGUÉM MUITO RESPONSÁVEL E DE CONFIANÇA

É um fato: as pessoas que respondem por seus atos e compromissos despertam confiança. Esperamos que os outros nos levem a sério e cumpram a palavra empenhada, não importa que se trate de uma aventura, de um encontro casual ou de uma relação estável: a responsabilidade é um princípio ético não negociável em qualquer tipo de vínculo, porque nos dá garantia de sermos respeitados. Pois bem: nisso, a maioria das pessoas obsessivas é perita. Além de serem responsáveis ao extremo, costumam ser fiéis. O impacto que produzem é de coerência e de certa solvência moral, o que as faz especialmente apetecíveis para os que valorizam o compromisso afetivo e precisam dele para compensar antigos fracassos.

Uma mulher sobrevivente de uma relação passivo- agressiva me contava entusiasmada as vantagens da sua nova conquista: “A verdade é que não posso acreditar

nisso... Eu não confiava mais nos homens, mas este sim vale a pena. É responsável, cuidadoso, comprometido, nunca chega tarde, é detalhista e leva em conta as minhas necessidades. Não é egoísta como o meu ex. Estou surpresa que a vida tenha me dado este presente...”. E era compreensível a sua euforia. Depois do pesadelo passivo- agressivo, o contraste era indiscutível: “Um homem que se preocupa comigo e mantém a palavra!”. No entanto, como vimos antes, a responsabilidade e o compromisso podem se transformar em atitudes tão severas e férreas que terminam destruindo psicologicamente o outro. É preciso ter presente que o obsessivo exige o mesmo que dá, multiplicado por dez, portanto é muito provável que a responsabilidade que tanto admiramos nele termine se voltando contra nós. A responsabilidade compulsiva (rigorosa/fria), sem o equilíbrio que proporcionam a ternura e a flexibilidade mental, se transformará inevitavelmente numa forma de tortura.

Podemos nos relacionar de forma saudável com