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Você é um demônio? Sou um homem; portanto, tenho dentro de mim todos os demônios. Gilbert Keith Chesterton Jamais é desculpável ser mau, mas há certo mérito em saber que se é. Charles Baudelaire

O estilo antissocial é uma forma de antiamor (a outra corresponde, como veremos, ao estilo esquizoide). Segundo alguns filósofos peritos nesse assunto, as características que definem essa personalidade estão intimamente ligadas a uma espécie de “maldade essencial” que bloqueia qualquer tipo de aproximação afetiva. Do ponto de vista ético, são considerados “idiotas morais”, ou seja, pessoas incapazes de reconhecer os direitos dos demais. Não é uma boa carta de recomendação para um pretendente, e menos ainda se levarmos em conta que esses indivíduos tendem a violar as normas sociais, são extremamente impulsivos, irresponsáveis e, com frequência, apresentam comportamentos fraudulentos e ilegais. Mas o que surpreende mesmo é que consigam alguém, casem e tenham filhos.

Se no estilo paranoide a questão é como “viver com o inimigo”, aqui se trata de como “sobreviver ao predador”. E não falo necessariamente dos assassinos em série, mas os que têm um estilo antissocial e estão inseridos na nossa sociedade como pessoas de bem, quando, na realidade, são uma ameaça para qualquer um. Não importa em que categoria estejam: caloteiros de colarinho branco, viciados em perigo, fanfarrões, imprudentes ou abusadores, todos têm o núcleo da destruição interpessoal, todos coisificam os demais, não importa quanto amor jurem.

Carmem conheceu Antônio quando estava prestes a se formar advogada. Ele era professor da universidade e vinte anos mais velho do que ela. Mesmo que ele já tivesse casado três vezes e tivesse quatro filhos, parece que Carmem não se importou muito com isso. Ela sentiu-se fascinada pelo modo de vida arriscado e irreverente que Antonio levava. Numa consulta posterior, ela confirmou esse aspecto: “Acho que me apaixonei pela energia e pela sua vontade de aproveitar a vida... Havia tanta paixão nele”. Pouco tempo depois, ela engravidou e decidiram se casar. Infelizmente, os problemas não demoraram a aparecer. O

primeiro que chamou a atenção de Carmem foi a falta de preocupação de Antônio com o filho que estava a caminho. Sua “vontade de viver” contrastava de forma notória com a frieza que demonstrava com a gravidez. Não a acompanhava ao médico, nunca perguntava como se sentia e, “para não incomodá-la”, havia começado a dormir na biblioteca. E foram aparecendo mais coisas. Apesar do aperto econômico, um dia chegou em casa com uma grande surpresa: tinha comprado um carro de corrida para competir profissionalmente! Ela o fez ver que não poderiam pagar por ele e o convenceu a devolvê-lo. Em outra ocasião, gastou o salário numa enciclopédia de cem tomos que não cabia no apartamento. Quando a criança nasceu, o homem seguiu impávido e distante, mas começou a ser agressivo com ela. Um dia a agrediu com uma cadeira e quebrou a sua clavícula. Isso fez com que a família de Carmem interviesse e a levasse embora, mas ao ver que iria perdê- la, ele pediu perdão e jurou que frequentaria um grupo de terapia, coisa que nunca fez. Dois meses depois do incidente, o demitiram da universidade porque descobriram que tinha um romance com uma estudante, a quem não voltou a ver porque Carmem ameaçou se separar de novo. Nessa época, começaram a ameaçá-lo pelo telefone devido a algumas dívidas que havia contraído com apostas nos cavalos. Ela saiu em sua defesa e pagou tudo com suas economias e dinheiro emprestado. Ainda é preciso somar sete acidentes menores de automóvel e um atraso de três meses no aluguel do apartamento que os deixou na iminência de serem despejados. Enfim, a lista dos comportamentos ilegais e irresponsáveis de Antônio era considerável.

Além desse panorama truculento e esgotante para qualquer um, Carmem tinha de lidar com os gostos sexuais de Antônio, que não eram nada convencionais. Sempre queria experimentar coisas novas e chegava com propostas loucas dos mais variados tipos, com as quais ela concordava

porque eram os únicos momentos em que o via relaxado e que lhe dava algumas demonstrações de carinho. Numa consulta, Carmem definiu o problema do casal da seguinte forma: “Não é que ele não me ame por eu ser como sou... Já percebi, o problema é que ele não sabe amar. Nunca o ensinaram a respeitar os demais, não compreende nem entende a dor alheia. Não é bom pai, nem bom marido, a única coisa que deseja na vida é aproveitar e não se aborrecer. Desde a vez em que ameacei denunciá-lo, não voltou a me bater, mas, quando fica furioso, me xinga e já chegou a me empurrar... Quero me separar, mas tenho medo dele. Ultimamente, diz que, se eu deixá-lo, me mata e se mata, e eu acredito que é capaz de fazer isso. Tenho a esperança de que com algum tipo de ajuda ele mude”.

Tanto na vida como no amor, às vezes a esperança é a primeira coisa que é preciso perder. Esperar que Antônio sofresse uma transformação radical era tão provável quanto alguém ganhar três vezes seguidas na loteria. De toda a forma, a sorte favoreceu Carmem. O homem, de tanto ciscar aqui e ali, encontrou uma substituta e partiu com essa mulher. Depois de quatro anos de sofrimento, Carmem por fim ficou livre e com a sequela típica que acompanha esses casos: “Não quero mais saber do amor”. Uma fobia amorosa que deve ser interpretada como uma resposta natural do organismo para se curar e esquecer as más experiências.