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2- Capítulo 1: Fracasso no processo de tornar-se si mesmo: A categoria da multidão

2.4 Política e imprensa: os diretores de massa

A relação entre Kierkegaard e determinados setores da imprensa e da política ocuparam boa parte da sua reflexão, especialmente no segundo percurso de sua escrita. Muito do que se fez na Dinamarca do século XIX em termos de política e de impressa constituíram, aos olhos do pensador dinamarquês, importantes mecanismos para se pensar a dinâmica do processo de massificação. Tanto os políticos quanto os escritores anônimos da imprensa de Copenhague não serão poupados pela crítica kierkegaardiana que identifica, na categoria da multidão, a tendência ao anonimato. A imprensa e a política são partícipes deste anonimato, na medida em que são capazes de influenciar sobre tudo o que querem, ainda que não tenha a coragem de fazê-lo enquanto indivíduo isolado57. Não é por acaso que na cena política, alvo das preocupações dos dinamarqueses na década de 40, os políticos surgem para Kierkegaard como aqueles que exercem profissão de estar à frente das massas, ou seja, são seus diretores cuja estratégia reconhece: “não é necessária uma grande arte para ganhar a multidão; basta um pouco de talento, uma certa dose de mentira e algum conhecimento das paixões humanas”58. Kierkegaard também observa: “... no fundo, ninguém despreza mais a condição do homem do

57 IBIDEM, 1986, p. 100. 58 IBIDEM, 1986, p. 100.

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que aqueles que fazem profissão de estar à frente da multidão”59, dispostas a usar todo mundo e para quem todo mundo é massa de manobra. Dito isto, se constitui um ponto relevante aprofundar um pouco mais, ainda que brevemente, na crítica kierkegaardiana endereçada tanto à 1) política, quanto à 2) imprensa.

Não se pode ignorar o fato de que em 1847, ápice dos problemas políticos desencadeados desde a segunda década do século XIX, Kierkegaard apresenta suas considerações cristãs em forma de discurso já anunciadas no subtítulo de As Obras do Amor. Nesse texto, ao se debruçar no segundo capítulo sobre o mandamento do amor, sobretudo na parte II C, surge o tema das diversidades terrenas e o da igualdade cristã, o que apresenta bastante relação com a temática das Notas sobre o Indivíduo escritas no mesmo ano. Ou seja, tanto as Notas sobre o Indivíduo quanto As Obras do Amor são textos veronímicos do mesmo período histórico e tratam de temas análogos. A relação ocorre especialmente na abordagem dos temas entre o cristianismo e as diversidades da vida terrena, cuja arena de embates se dá no plano político. Em As Obras do Amor, Kierkegaard mostra que a empresa levada a cabo pelo viés dos engajamentos temporais, cujo propósito é o estabelecimento da igualdade humana, está fadada ao fracasso, dado a sua impossibilidade. Ou ainda, apesar de haver diferenças significativas na vida terrena entre uma pessoa e outra, Deus consegue vê-las de maneira individual no interior da multidão.

Não que o cristianismo ignore as diferenças temporais e queira idealizar o homem puro, mas o ponto é que tanto as diferenças da vida, assim como as tentativas de homogeneização dos indivíduos, são extremamente artificiais, efêmeras e contingentes quando diante do eterno. Já os engajamentos temporais, com a finalidade de erradicação das diversidades terrenas, catalisados na política, mostra uma certa ingenuidade ao tentar resolver, no plano mundano, o

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que só será alcançado no plano do eterno. Conforme reflete o pensador dinamarquês, para Cristo:

...não há nenhuma quantidade, nenhuma multidão, pois os inumeráveis estão para ele contados, são todos indivíduos... pois o cristianismo não fez desaparecer as diferenças... jamais viveu um ser humano sem estar vestido ou revestido das diferenças da vida terrena; tampouco como o cristão vive ou pode viver sem o corpo, tampouco o pode sem as diferenças da vida terrena, que pertence a cada um especialmente pelo nascimento, pelo estado, pelas circunstâncias, pela cultura etc. – nenhum de nós é o homem puro. (KIERKEGAARD, 2005, p. 91.)

Ora, o fato de que da perspectiva cristã todos são iguais nivela os homens, não por baixo como poderia se pensar, mas por cima, o que a temporalidade não pode perceber. Já a política, esta sim, nivela por baixo. O processo de massificação forma aquilo que Kierkegaard costumava se referir como nivelamento democrático. Mas a ideia de nivelamento aqui é mais do que um nivelamento político. Refere-se à uma condição de massificação da subjetividade. O nivelamento lança mão da aprovação alheia e tem seu télos amparado na causa das massas. Todavia, o nivelamento democrático a ser denunciado diz respeito ao fracasso da subjetividade em levar adiante a tarefa de tornar-se Indivíduo singular, na medida em que concentra seus esforços nas causas temporais. Então, as massas nas quais Kierkegaard se refere, que dão forma ao nivelamento, são aquelas compostas por camponeses com sua lista de reivindicações, como destacamos a propósito do contexto histórico. Mas é, em última instância, o ato de massificação existencial que impede o indivíduo de tornar-se um eu, visto que segue o fluxo das multidões e se ampara nos litígios temporais para nortear sua subjetividade. Os movimentos de massa estão excessivamente preocupados com o erradicação das desigualdades. Não obstante, o ideal de igualdade mundana pretendido pela política não pode ser alcançado na temporalidade.

Não se trata para Kierkegaard de sustentar uma postura, como já se supôs, apolítica. Não está em jogo aqui se deve ou não haver engajamentos no plano temporal. O que ele insiste em discutir é o tema dos limites de uma empreitada temporal, em um contexto histórico em que

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é importante ou não, se as pessoas devem se engajar ou não, se fazer política é certo ou errado. O que está em jogo é mostrar uma outra face daquela, de resto desconhecida de seus contemporâneos, especialmente dos líderes da cristandade que oferecem uma solução fácil para a erradicação de determinadas desigualdades, como se isto fosse o problema maior. Mais do que na política, cujos limites são reiteradamente apontados nas Notas sobre o Indivíduo, o engajamento deve ser na tarefa que não se limita ao combate às adversidades mundanas. Trata- se do engajamento na esquecida tarefa isolada de tornar-se si mesmo. Então, a rigor, nestes textos aqui reivindicados, Kierkegaard não está discutindo teoria política, mas está denunciando-a, assim como fizera com o tema da ética em Temor e Tremor onde seguir a moralidade universal poderia ser uma tentação sedutora, que pode levar as massas ao esquecimento de si. Assim como a ética, a política também encontra os seus limites, pois se circunscreve à temporalidade. Tornar-se si mesmo constitui uma tarefa mais ousada, muito embora a cristandade dinamarquesa, capaz de muitos engajamentos no plano temporal, não possa efetivamente se engajar na empreitada de tornar-se um eu. Quando isso ocorre, a política, por meio de seus movimentos de massas, acaba por contribuir para o anonimato e para a circunscrição dos seus agentes na categoria da multidão. Então, a crítica de Kierkegaard aqui é àqueles seus contemporâneos militantes em muitas frentes, mas que fracassam em uma tarefa mais sublime do que todas elas, qual seja a de se tornar Indivíduo singular diante de Deus.

Há quem sustente que Kierkegaard defenda um certo conservadorismo quando o assunto é política. Este argumento, contudo, não se sustenta quando se leva em conta o contexto das discussões do filósofo. Se equivocam tanto os que se apressam em classificá-lo como apolítico60 quanto os que veem nele uma postura de conservadorismo político. Neste ponto concordamos com Bruce Kirmmese quando observa:

60 Desenvolveremos mais este ponto no último capítulo. Contudo, cabe salientar que o filósofo dinamarquês foi

mal compreendido quanto a este ponto, conforme notou Cleide Scarlatelli, e foi equivocadamente acusado de ser associal e apolítico. Cf. RODHEN, 2001, pp. 127-128.

52 Antes de mais nada, parece realmente estranho que Kierkegaard, que discordou de seus colegas da Golden Age sobre praticamente cada ponto importante no que se refere à religião e filosofia, deva partilhar de seu conservadorismo político e sua inconsciência elitista ao que estava acontecendo na sociedade em torno deles. Em segundo lugar, e até mesmo mais prejudicial, a tradicional interpretação conservadora da política de Kierkegaard sempre fracassa quando tenta explicar o notável e

vociferante “ataque à cristandade” que ele levou a cabo nos últimos anos de sua vida.

Ele exigiu nada menos que o total desmantelamento da tradicional síntese aristocrático-conservadora conhecida como “cristandade” ou “cultura cristã”, que foi o casamento tradicional e confortável do elemento “horizontal” da sociedade

tradicional e o elemento “vertical” da transcendência religiosa, uma síntese na qual a religião tinha servido como fiadora da estabilidade social, “valores morais” e

importância pessoal. Essa própria cristandade que foi o alvo final da autoria de Kierkegaard foi a matriz na qual a exuberante vida cultural da Golden Age tinha florescido, e sem a qual murchou rapidamente. (KIRMMESE, 1990, p. 3.)

O pensador dinamarquês quer chamar a atenção para o fato de que a política almeja, no fim das contas, criar uma plataforma igualitária. Mas acontece que paradoxalmente, o ideal perseguido pela política só se alcança de maneira plena na esfera religiosa, pois a ação política é limitada como argumenta Kirmmese61 e não pode ser alcançada por empreitadas temporais ou mundanas.62 Ou seja, embora os políticos não estejam interessados diretamente na eternidade, o que a política (que é marcada pela temporalidade) almeja é um objetivo que está além do seu alcance, de modo que apenas a eternidade está apta à oferecer. Se todos pudessem tornar-se Indivíduo singular e tomar o amor como um dever realizariam o que a política busca sem sucesso.

Assim, Kierkegaard se coloca na contramão dos movimentos políticos pautados na força das multidões, critica os teólogos do reavivamento político-teológico tais como Peter Hansen, Ramus Sorensen e J.A. Hansen, que abraçam as causas camponesas, mas endereça sua denúncia especialmente à cristandade de seu tempo por não se tornar o essencialmente cristão. A igualdade prometida pela política é paliativa. Ora, tanto os fracos quanto os poderosos “apostam

61 Cf. KIRMMESE, 1990, pp. 412-414.

62 Segundo Kierkegaard: “Com efeito, para chegar a uma igualdade completa, há que rejeitar totalmente a mundanidade, e quando se conseguiu a igualdade completa a mundanidade acabou.” KIERKEGAARD, 1986, p.

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todas as suas fichas” em questões mundanas, mas não atingem o ponto nevrálgico, para além das querelas terrenas, o que inviabiliza o ato de efetivamente tornar-se si mesmo. Isso só pode se dar no quadro prometido pela eternidade. Visto que as diversidades mundanas sempre estarão presentes, o filósofo faz uma reflexão importante:

Na verdade, longe de nós apoiarmos alguém no temerário engano de que só os poderosos e os nobres são os culpados; pois na medida em que os pequenos e os fracos só corressem obstinadamente atrás das vantagens que a vida terrena lhes nega, em vez de humildemente se esforçarem por alcançar a feliz igualdade do essencialmente cristão, aí eles também prejudicariam a sua alma. Cego o cristianismo não é, nem unilateral; ele vê com a calma da eternidade equitativamente todas as diversidades da vida terrena, mas ele não apoia com discórdia somente um dos lados, ele vê, e certamente com tristeza, que ativismo terreno e falsos profetas da mundanidade querem em nome do Cristianismo, como charlatães, divulgar a crença nessa ilusão, como se fossem apenas os poderosos que incorrem na falta da diversidade da vida terrena, como se os pequenos tivessem o direito de fazer tudo para alcançar a igualdade – só excluindo de seus meios o tornar-se cristão em seriedade e verdade. Será mesmo que por este caminho se poderia chegar mais próximo da igualdade e da equidade cristãs? (KIERKEGAARD, 2005, p. 92.)

Os embates da vida terrena não são ignorados pelo cristianismo. Porém, é preciso que tanto o fraco quanto o poderoso superem o obstáculo da diversidade, não no plano político- temporal, o que é impossível, dados a condição humana e o jogo de interesses. No plano da política, o amor não é tomado como uma qualidade valorativa. Na política não há um eu, só pode haver um nós. Não há o próximo, o que há são os interesses de determinados grupos, divididos entre amigos e inimigos. Não há indivíduo, o que há são um bando de ninguéns, amontoados e ávidos. O máximo que se pode conseguir são vitórias efêmeras. Em nome de tais vitórias age-se sem a responsabilidade de se dizer eu. Age-se em nome de uma causa das massas. Isso é particularmente perigoso, pois pode levar a uma massificação da subjetividade, na medida em que desconsideram o problema maior que é esquecer-se de si e se tornar um indivíduo inventado no interior das massas. Mas, de novo, o ponto de Kierkegaard não é defender uma postura apolítica, assim como Kierkegaard também não proíbe a adesão a algum tipo de multidão. Ele não está interessado em fazer teoria política. O alerta é para o nivelamento

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democrático e a massificação da vida, cujas implicações existenciais podem culminar na falha da tarefa de tornar-se um autêntico eu, ou se quisermos, pode culminar no fracasso do tornar- se Indivíduo singular.

A superação das adversidades mundanas que se consegue com políticas igualitárias63 e movimentos de massa não passa, para Kierkegaard, de uma realização parcial da eternidade, como apontou Kirmmse64. Os movimentos socialistas, emergentes na época do pensador dinamarquês, segundo observa Gimenes de Paula, ao valorizar a massa e o número, valorizaram um reino de iguais do qual Kierkegaard não compactuou65. O autor de Doença para a Morte, por sua vez, vê a necessidade premente de se ocupar da nobre tarefa de tornar-se Indivíduo singular, se afastar da multidão (em um contexto social em que muitos acham que se deve juntar a ela) e se engajar em questões eternas, visto que de fato lhe interessa pensar, como assinalamos, a cristandade em contraste com a categoria do Indivíduo singular.

Ao fim e ao cabo, o que está em jogo é a tentativa de Kierkegaard de se diferenciar de teólogos do reavivamento político dinamarquês que insistem em aderir aos movimentos políticos de massa engajados nas causas temporais, cuja valorização é quantitativa e não qualitativa. Neste sentido, insistirá Kierkegaard, a política é tão oposta quanto possível à categoria do Indivíduo singular66, já que a constituição da sua subjetividade se dá de maneira solitária e isolada diante de Deus e não no interior da multidão, engajada na temporalidade, como queriam esses teólogos.

63 Kierkegaard diz: “Nenhum político, nenhum espírito do mundo conseguiu e pode levar até as últimas

consequências ou realizar a ideia de igualdade humana [...] Só a ordem religiosa, com o auxílio da eternidade, pode realizar até o fim a igualdade humana, a qual é divina, essencial, não mundana, verdadeira e única possível” IBIDEM, 1986, p. 94.

64 KIRMMESE, 1990, p.414

65M. G. de Paula salienta a diferença entre Kierkegaard e pensadores da esquerda hegeliana “... o cristianismo

concorda com o socialismo no fato de que todos os homens são iguais. Entretanto na perspectiva cristã, há um Deus que é inteiramente outro de todos os iguais. Kierkegaard se recusa a aceitar a ideia de abolição de Deus para o favorecimento de um suposto reino de iguais que existiria na massa de proletários. Por isso, para ele o socialismo nivela os homens de modo rasteiro” de PAULA, 2008, p. 234.

66Segundo Kierkegaard ‘O Indivíduo’: é a categoria do espírito, do despertar do espírito, tão oposta quanto

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Por conseguinte, a política e a categoria da multidão acabam por se confundir em sua empreitada de, por meio da quantidade, impor a ilusão de acústica que propicia a confusão entre vox populis e vox Dei,67 como se a massa tivesse a verdade por impor suas convicções, com

uma maioria de pessoas em seu apoio. A verdade da qual Kierkegaard quer tratar, no entanto, diz respeito (para nos servimos de uma expressão que mais tarde será empregada por Paul Tillich), aos problemas de preocupação última68. Problemas filosóficos de natureza existencial que só podem ser acessados de maneira plena pelo Indivíduo singular. Os problemas de preocupação última dizem respeito à condição eterna de cada um, bem como sua destinação final, mas acabam obliterados porquanto recebem uma atenção inferior às demandas terrenas que, por sua vez, tomam a política como o seu baluarte. Eis aí o engano da cristandade dinamarquesa que se equivoca ao fazer esse jogo, seja porque deposita sua expectativa em engajamentos efêmeros, seja porque deixa de tornar-se si mesma, ao se voltar para a multidão e o número. Desse modo, a política enquanto nivelamento democrático não passa de um braço da categoria da multidão.

Outro vetor importante para se pensar a questão do binômio Indivíduo singular e multidão, diretamente relacionado à política, é o problema da imprensa em Copenhague, que

no caso de Kierkegaard se expressa principalmente com sua discussão pública com o jornal ‘O

corsário’.

Esta publicação semanal fora fundada em 1840 por Meier Goldschmidt que também ficou a cargo de sua edição até outubro de 184669. Amplamente baseado nos periódicos de publicação francesa, O Corsário teria se tornado um tipo de jornal nunca visto antes em Copenhague.70 Enquanto jornais conservadores apoiavam o governo e periódicos liberais se

67 IBIDEM, 1986, p. 113.

68 O interesse de Paul Tillich pela filosofia de Kierkegaard não se limitou à sua orientação a Adorno. A ideia de

preocupação última é uma concepção influenciada por suas leituras do pensador dinamarquês.

69 Depois desse período o jornal continuou sendo editado por outras pessoas até 1855, mas o período que estamos

interessados é até o ano de 1846.

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opunham à monarquia absoluta, O Corsário se contrapunha a ambos, na medida em que assumia uma linha editorial satírica cujas bases políticas radicalmente defendiam a abolição da monarquia. Desse modo, O Corsário constantemente entrava em rota de colisão com os censores.

Em 14 de Novembro de 1845 O Corsário, na edição de número 269, compara o líder do partido liberal Orla Lehmann ao pseudônimo kierkegaardiano Vitor Eremita, organizador de Ou/ou. Em dezembro de 1845 Peter Martin Moller, um dos editores anônimos do Corsário, após publicar em um outro periódico, no jornal Gaea, um artigo denominado “uma visita a Soro”, faz alusão à obra Ou/ou e acaba por provocar a fúria de Kierkegaard que, por sua vez, discorda de maneira veemente das colocações de Moller. Então Kierkegaard se propõe a respondê-lo no jornal Faedrelanted.

Assim começaria um grande embate na imprensa de Copenhague entre Kierkegaard (cujas consequências foram notoriamente nocivas para sua imagem pública) e P. M. Moller, o

então editor anônimo do jornal ‘O Corsário’; anonimato que será denunciado pelo pensador

dinamarquês ao longo dos embates. Assim, esta batalha por meio da imprensa se estendera até o ano de 1846, ano em que Kierkegaard pensa a imprensa enquanto mecanismo de massificação e inicia as suas Notas sobre o Indivíduo. Esse episódio marcaria de maneira indelével o filósofo, pois acentuou e refinou sua crítica em relação à irresponsabilidade da imprensa anônima que controla a multidão e provoca o escárnio jocoso com o propósito de se divertir às custas do outro71. A imprensa está interessada no espetáculo, ou ainda, para ficarmos com os termos do pensador dinamarquês, a imprensa está no sentido oposto à verdade, porque está à procura do fantástico72. Quando a imprensa entra em ação quer se comunicar com as massas, e para isso

71Kierkegaard lamenta: “E ponho-me a chorar [...] pensando na miséria de nosso tempo [...] quando vejo que um

anônimo pode fazer com que se diga, através da imprensa, dia após dia (e até em matéria intelectual, ética e religiosa) tudo o que ele quer sobre coisas que, de outra maneira não teria coragem de, em pessoa, minimamente

mencionar enquanto indivíduo” KIERKEGAARD, 1986, p.100.

72 Assim na passagem onde Kierkegaard afirma: “... a verdade não se determina senão opondo-se ao abstrato, ao fantástico, ao impessoal, à multidão, ao público que exclui Deus como intermediário” IBIDEM, 1986, p. 101.

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pouco importa se tem que avançar sobre o indivíduo. Para a imprensa anônima dinamarquesa, o indivíduo isolado fica em segundo plano, já que possui uma importância secundária em relação à multidão.

Kierkegaard sofreu esta exposição pública com o jornal ‘O Corsário’ de maneira direta73. Em 1855, quando reflete sobre este episódio, o filósofo lembra que teve que sofrer o riso, o que lhe trouxe muitos problemas, desde as charges que o jornal publicou em cada edição