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Por que os estudantes se apropriam inadequadamente de outros textos em suas produções textuais?

Apropriação Indébita e Autoria: Elementos para Superar

4. Por que os estudantes se apropriam inadequadamente de outros textos em suas produções textuais?

No contexto aqui apresentado, não se pode tratar a apropriação indébita apenas como uma decisão individual de cada estudante. Mais sensato seria considerá-la uma proposta de produção incentivada ou, ao menos, forte- mente tolerada dentro da lógica de poder sobre a produção acadêmica.

Ao propor basicamente textos que são sínteses diversas - como fichamentos, resenhas, resumos – e, principalmente, ao deixar claro para seus estudantes que não leu a produção deles ou que, no máximo, leu “na diagonal”, “passou os olhos”12, o professor passa que mensagem sobre o juízo que faz da cópia e da autoria?

11 Tradução minha: Concretamente, nossas propostas educacionais são, por um lado, mo-

bilizar o copiar-colar como uma atividade que permite trabalhar a leitura, a seleção de fontes e a escrita de fontes e promover a apropriação do conhecimento. Por outro lado, copiar e colar não é apenas um exercício de escrita; é também um bom ponto de partida para incentivar o questionamento dos alunos sobre o que está em jogo por meio da leitura e da escrita e sobre os métodos de produção e validação do conhecimento - todas ques- tões-chave para o aluno, o futuro profissional e o cidadão na era digital.

12 Expressões correntes no meio acadêmico, ambas servem para nomear leituras superfi-

Ao condicionar a validade de qualquer produção textual à existência de um referencial teórico aprovado pelo professor, mas nem sempre clara- mente indicado e, sobretudo, sem trabalhar o papel que o diálogo com outros autores deve desempenhar na confecção de trabalhos acadêmicos, que caminho a instituição instiga o estudante a percorrer, se não o da pará- frase, do pastiche, do plágio, todos praticados mais ou menos às cegas?

Ao excluir os estudantes do lugar de sujeitos de conhecimento, redu- zindo-os desde o ingresso nos cursos superiores à condição de reprodu- tores e, no máximo, técnicos em formação, que convite à autoria as IES e suas práticas pedagógicas estão enviando para que os graduandos se esforcem para alcançar a condição de autores?

Em uma visão bastante pessimista, talvez o projeto seja mesmo não oferecer espaço a todos para que sejam autores e sujeitos de conhecimento. Embora o discurso das IES, por meio de seus documentos oficiais, ateste o contrário, talvez o jogo já esteja jogado e os ganhadores já estejam defi- nidos. Quem quiser romper o círculo e ingressar no seleto e restrito mundo da autoria terá de vencer todas as armadilhas postas na sua trajetória no Ensino Superior, tornando-se autor e sujeito de conhecimento, apesar de todo o esforço feito pelo sistema para que permaneça na condição de reprodutor ou, no máximo, replicador. Esse entendimento reforça os pres- supostos regulatórios da propriedade, aqui apresentados, e, também, o que afirma Foucault (1996):

O que é afinal um sistema de ensino senão uma ritualização da pala- vra; senão uma qualificação e uma fixação de papéis para os sujeitos que falam; senão a constituição de um grupo doutrinário ao menos difuso; senão uma distribuição e uma apropriação do discurso com seus poderes e saberes? (p.44)

Por outro lado, com algum propósito construtivo, o enfrentamento dessa questão depende da procura de elementos que permitam: (a) identi- ficar mais claramente a relação que os estudantes, ao seu ingresso, mantêm com a escrita; (b) analisar as práticas desenvolvidas com a escrita ao longo do seu processo de formação; (c) ouvir o posicionamento de estudantes e professores quanto a essas práticas e seus efeitos; (d) experimentar estra- tégias e procedimentos voltados para superar os problemas. Da conver- gência dessas ações, talvez possa resultar o que aponta Silva (2008):

Urge então reconfigurar, dentro da academia, as concepções de pes- quisa, leitura, produção e autoria; e, viabilizando mudanças mais profundas em atendimento a essas demandas tão urgentes, estimular criações na comunidade acadêmica que possam contribuir com os graduandos no desdobramento de vínculos motivadores do desen- volvimento intelectual, social e educacional. (p.366)

Matéria do jornal O GLOBO (8 de julho de 2012, p.24), intitulada

Faculdades se blindam contra plágio, informa que a Pontifícia Univer-

sidade Católica do Rio de Janeiro, além de conter em seu site informe assinado pelo Vice-reitor Acadêmico em que o plágio é discutido, faz uso regular do software holandês Efhorus, que compara textos e detecta coinci- dências. Idêntica providência é adotada na Escola Superior de Propaganda e Marketing, em que se adota o programa Safeassing. A Universidade do Estado do Rio de Janeiro, por seu turno, optou por criar o Departamento de Inovação para lidar com as questões de cópia. E a Universidade Federal Fluminense divulga, desde 2010, uma cartilha sobre plágio acadêmico.

Retomando Krokoscz (2011, p.762), destaque-se que, em sua inves- tigação, “A ação mais comum nas abordagens de todas as universidades estudadas é a ação de orientação. A ação menos comum é a de natureza ética, caracterizada por apelo a princípios e valores. Essas ações foram classificadas neste estudo como preventivas”.

Sem prejuízo de outras práticas, penso que ir além significa entender a questão dentro de um cenário com a complexidade aqui apresentada; uma complexidade que envolve necessariamente a formação básica dos estudantes, a lógica da produção do conhecimento em nossa sociedade e as práticas pedagógicas predominantes nos cursos superiores; uma complexi- dade que, uma vez assumida, coloca a todos os sujeitos desse cenário como coautores de suas mais diversas apropriações, inclusive das indébitas.

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A Formação Universitária dos Docentes