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PORTO – CIDADE EM EXPANSÃO

CAPÍTULO 2. CONTEXTUALIZAÇÃO DA CIDADE E DO PORTO DE SANTOS

2.2. PORTO – CIDADE EM EXPANSÃO

Na mesma época em que o Brasil se especializava, cada vez mais, nas commodities, principalmente as sacarias de café, no mundo as cargas já se apresentavam como manufatura. Essas eram distribuídas aos diversos mercados pertencentes às grandes potências da época, segundo Monié e Vasconcelos (2012, p. 5) “No século XIX, a expansão das atividades industriais transformou a natureza das trocas comerciais e intensificou a circulação de mercadorias em todas as escalas”. Esse processo, viabilizado pelo desenvolvimento tecnológico, exigiu uma modernização do parque portuário.

Assim, voltando ao modelo proposto por Hoyle (1989), em linhas gerais, as cidades portuárias passaram a se desenvolver dissociando-se da figura do porto. Essa etapa inicia- se no século XIX perdurando até início do século XX e foi marcada pelo rápido crescimento comercial e industrial, forças de crescimento para o desenvolvimento do porto para além do limite com a cidade. Iniciou-se o desenvolvimento do cais linear, a modernização dos equipamentos para atender ao aumento das trocas marítimas e movimentação de carga fracionada. “Esses movimentos marcam a transição da era ‘porto­cidade primitivo’ para a fase ‘porto­cidade em expansão’, período de maior intensidade das relações entre espaços portuário e urbano” (MONIÉ e VASCONCELOS, 2012, p. 5).

Diante dessas rápidas demandas internacionais, surgem em Santos os armazéns e a reordenação do ambiente, como observa Lanna (1994). A ferrovia alterou o tecido urbano da cidade. Com a ascensão de uma grande elite ligada à atividade cafeeira, o aumento populacional e o desenvolvimento e sofisticação das atividades comerciais, sobretudo nas praças portuárias onde ocorriam trocas de dados materiais e de informações (BAUDOUIN, 1999), as populações mais ricas foram gradativamente abandonando as áreas centrais, representada pelo Valongo e instalando-se nos novos eixos de urbanização em direção à orla. As tradicionais áreas contiguas ao porto, principalmente o bairro de Paquetá, consolidaram-se então como habitação dos trabalhadores mais pobres – convivendo com armazéns e comércio, mas também dos “migrantes e dos tripulantes de navios, cujo tempo de permanência nos portos podia superar semanas” (MONIÉ e VASCONCELOS, 2012, p. 5).

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populacional, variando de 9.871 habitantes, em 1872, para 88.967 pessoas, em 1913 (Recenseamento Geral do Império de 1872 apud LANNA, 1994).

Com essa variação populacional do início do século XX gerado pela força do café e, em consequência, pela ampliação da atividade portuária, as epidemias, como febre amarela, febre tifoide, peste bubônica e malária começaram a preocupar a sociedade santista, devido à produção de grande número de óbitos entre os trabalhadores do porto e imigrantes.

Neste ambiente de porta de entrada de doenças epidêmicas letais, tornava-se urgente um planejamento urbano condizente com o ritmo de desenvolvimento vivido na época. Quanto às péssimas condições ambientais oriundas das atividades cotidianas, e certamente sendo o porto um dos principais responsáveis, tornaram-se diversas as reclamações dos comerciantes e portuários quanto aos impactos do porto na cidade. Conforme editoriais e opiniões emitidas pela imprensa santista, destaca-se uma notícia da época da fundação da Companhia Docas de Santos (CDS):

É impossível que o comércio do exterior teime em servir-se do porto de Santos: e nós sabemos que muitas companhias já proibiram que suas embarcações demandem tão infeccionada cidade. Até o próprio governo, reconhecendo o perigo, consentiu que a linha do Lloyd desviasse os seus paquetes dos mares santistas. Ora, se o nosso governo assim procede, o que os estrangeiros não farão? Que fazer? Melhorar as condições higiênicas de Santos (Citado no editorial de Carlos Pimentel Mendes, originalmente publicado pelo autor em 28/01/1992 no caderno semanal Marinha Mercante do jornal O Estado de São Paulo. Disponível em http://www.novomilenio.inf.br/porto/portoh01.htm).

Segundo SOUZA (2006), a imagem da cidade colonial passa a ser negada, em busca da higienização e da modernidade. Desta forma, a Câmara Municipal elaborou um plano de crescimento integrado à um plano sanitarista. O engenheiro sanitarista Francisco Saturnino Rodrigues de Brito foi convidado, pelo governo local, para desenvolver um plano de saneamento municipal que contemplasse os esgotos sanitários gerados e lançados in natura e os frequentes episódios de inundação sofridos, na tentativa de reduzir os agravos à saúde pública gerados pela contaminação da água e proliferação dos vetores de doenças.

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Santos faziam parte da estratégia nacional de “assegurar o papel de parceiro confiável das nações civilizadas” (LANNA, 1994). O projeto de Saturnino de Brito, representado na figura 13, visava ao planejamento urbano da cidade, de acordo com os avanços sanitários obtidos nos países desenvolvidos. Desta forma, desde o início do século passado a área insular de Santos se colocou no cenário nacional como uma cidade moderna com sistemas de saneamento separados, um para coleta de esgoto, o emissário submarino localizado próximo à divisa com São Vicente, e outro, os famosos canais de drenagem à céu aberto, cortando vários pontos da cidade, recebendo as contribuições pluviométricas desde os morros até a planície, encontrando-se com o mar. A figura 14 mostra a Planta Urbana da Cidade de Santos, em 1920.

Um importante traço da modernidade do projeto urbanístico de Saturnino de Brito é que ele previa o crescimento em longo prazo da cidade. Desta forma, a projeção do sistema de coleta de efluentes e de drenagem atenderiam por muito tempo o dinamismo do crescimento urbano. Propôs assim a implantação de uma rede de canais destinados a drenar os manguezais que ainda predominavam na paisagem de Santos. Logo seria possível a ocupação total da ilha para o uso residencial. Sem dúvida, é a partir deste momento que a cidade consolida a ocupação do interior da ilha, em direção à orla, corroborando com o modelo de Hoyle (1989) na fase do porto-cidade em expansão.

Por fim, nessa época, o significativo crescimento da atividade portuária levou à construção de estruturas de expressiva força econômica, dentre elas a Estrada Velha Caminho do Mar, em 1922, a Usina Energética Henry Borden, em 1926, a Rodovia Anchieta, em 1947, a Refinaria de Petróleo Presidente Bernardes Cubatão, em 1955 e a Cia. Siderúrgica Paulista (COSIPA), em 1953. Soma-se a isso os processos de consolidação da indústria de Santo André, São Bernardo e São Caetano - ABC paulista e em Cubatão.

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Figura 13: Projeto de urbanização do eng. Saturnino de Brito, 1910

Fonte: Sítio eletrônico Novo Milênio. Disponível em

http://www.novomilenio.inf.br/santos/mapa29g.htm. Acesso em 12 de dezembro de 2016.

Figura 14: Planta urbana da cidade de Santos, 1920

Fonte: Sítio eletrônico Novo Milênio. Disponível em

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Comparando as duas plantas, figura 13 e 14, é notável a ausência de planejamento de uma possível expansão portuária. Esse fato já sinaliza, desde o início do século XX, a ausência de planejamento integrado entre o porto e a cidade, visto que de um lado impera a lógica do capital imobiliário, de outro, a lógica do capital global, representado pelas demandas do porto. Ambas as lógicas determinarão, a seu modo, as formas de ocupação do território.

Desta forma, pode-se concluir que foi principalmente pela necessidade de continuar inserido na lógica do capitalismo global que o porto se articulou e de fato conseguiu a realização de um enorme investimento estatal.

Segundo Harvey (1996), para o capital se reproduzir em maior amplitude, faz-se necessário o atendimento de pré-requisitos mínimos para a plena inserção destes mercados no sistema global. Com a construção do sistema de transporte e a negação da cidade colonial na reurbanização da cidade moderna criam-se as condições necessárias para que Santos consiga de fato se inserir no capitalismo mundial, consolidando, cada vez mais, sua importância, dinamismo e pioneirismo tecnológico.

Após a construção da via Anchieta, em 1947, e com o declínio da produção cafeeira, vinculada à crise de 1929 e que gerou a grande queima dos estoques de café em 1930 e transferência das transações comerciais para a bolsa de valores da capital paulista em 1935, novas centralidades surgiram. Dentre elas a região comercial do Gonzaga, impulsionada pelo turismo balneário. Logo, surgiu pela primeira vez uma centralidade “desconexa” da lógica portuária, com a expansão do capital imobiliário da construção civil.

Tal expansão é enorme e constante, ocupando a totalidade dos espaços edificáveis de Santos insular (parte santista da ilha de São Vicente), conforme SOUZA (2006) sintetiza a expansão urbana de Santos na figura 15. Nessa ocasião o Porto já conta com um importante cais linear de atracação e os armazéns já estavam consolidados, contudo, nesse cenário da década de 1930, a cidade santista se afasta em definitivo das atividades portuárias, visualizando o retorno econômico pelo turismo e outras atividades.

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Figura 15: Expansão urbana da cidade de Santos

Fonte: Souza, 2006

Por fim, com a ocupação total da ilha, o capital imobiliário direcionou novamente sua ação sobre áreas já ocupadas, preferencialmente aquelas mais vulneráveis.