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PORTO-CIDADE INDUSTRIAL MODERNO

CAPÍTULO 2. CONTEXTUALIZAÇÃO DA CIDADE E DO PORTO DE SANTOS

2.3. PORTO-CIDADE INDUSTRIAL MODERNO

Aquele momento foi amplamente marcado pelas alterações globais da segunda metade do século XX e é caracterizado, segundo Hoyle (1989) pelo crescimento industrial, especialmente pelas refinarias e pela introdução de contêineres e das cargas roll-on-roll-off (ro-ro)7

que impôs às instalações portuárias a necessidade de mais áreas. A partir da década de 1970/80, segundo Hoyle (1989), com a evolução das tecnologias e dinâmicas portuárias e com grandes mudanças no capitalismo global, houve o enfraquecimento das tradicionais relações entre a cidade e o porto. Os avanços tecnológicos da fase contemporânea de especialização, marcada pela conteinerização,

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Ro-Ro" é uma abreviatura para "Roll on-Roll off" —tipo de cargueiro gigante para o transporte de automóveis e outros veículos, de modo a que estes entrem e saiam do navio pelos seus próprios meios. No seu convés também costumam ser transportados contentores.

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terminais monofuncionais e a tipologia de cargas, geral, químicas, derivados de petróleo/inflamáveis, minérios, gêneros alimentícios, entre outras, demandam grandes áreas de armazenagem e estocagem, assim como facilidades logísticas, através da articulação direta com os sistemas nacionais de transporte, conexão as rodovias e ferrovias. Essa característica orienta a localização dos terminais para localidades mais distantes (ou mesmo isoladas) dos tradicionais locais de trabalho, explicando parte do processo de abandono físico dos antigos sítios portuários – em grande parte localizados em porções urbanas mais centrais.

No caso de Santos, esse movimento não gerou um abandono das áreas portuárias originais, contudo, o cais linear não atendia plenamente às demandas deste novo processo, pois a pouca largura da faixa portuária, competindo com os antigos armazéns, em muitos casos inviabilizava a movimentação de contêineres e cargas rodantes (ro-ro).

Nas últimas décadas, essa situação tem sido contornada pela alteração da legislação que regulamenta o uso dos portos públicos, em 1993 e em 2015, que autoriza, por meio de concessões, a entrada de capital privado no setor. Com isso, surgiram terminais em áreas públicas ou não, mas localizados no estuário Santista, mais modernos, com retroárea suficiente para a armazenagem de contêineres e movimentação das cargas rodantes. Dentre eles cita-se a Brasil Terminal Portuário (BTP), EMBRAPORT, SAIPEM. Por outro lado, as tradicionais áreas portuárias (centrais - que não atendem mais às demandas de acessibilidade necessárias), voltam a despertar o interesse do poder público e do empreendedorismo privado, como por exemplo os antigos armazéns localizados no Valongo e Paquetá.

Além dessas áreas, a cidade começou a ver a criação de novas áreas, as zonas de interesse portuário com especial atenção para a Zona Noroeste do município, cuja gênese está relacionada ao processo de expansão das classes de maior poder aquisitivo rumo à orla santista que também expulsou a população de baixa renda para os morros e para as partes ainda não ocupadas. Essa ocupação da população compete, em muitos casos, com a expansão portuária dos terminais que atuam como retaguarda da zona primária do Porto Organizado de Santos, sobretudo nas adjacências do bairro da Alemoa, porção direita e esquerda da via Anchieta, na entrada da cidade.

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construíram, na Zona Noroeste, residências de baixo padrão. Em poucos anos, as margens dos rios desta área foram tomadas por moradia subnormais, transformando-se em uma das maiores favelas da região e em um dos maiores bolsões de pobreza da cidade.

Essa concentração populacional está também relacionada à atividade de retroporto que se desenvolveu na entrada de Santos, pois ali se encontram indústrias, recintos alfandegados, transportadoras e armazéns de carga geral que servem ao processo de importação e exportação de mercadorias.

A ocupação desorganizada, aliada à falta de planejamento ocasionou um tráfego intenso de caminhões, alvo de queixas por parte da comunidade. Segundo a população, o constante movimento de veículos pesados abala as estruturas das residências e também gera ruídos, poluição e problemas respiratórios, além dos constantes atropelamentos e acidentes.

Os conflitos no planejamento sugerido por Hoyle (1989) surgem, inclusive, quando da análise da atuação do poder municipal. A legislação municipal que estabelece o uso e ocupação do solo no município, enquadra a área da Zona Noroeste como Zona Portuária I – ZP - I, que, segundo a Lei Complementar nº 730 de 11 de julho de 2011, é definida por:

XI - ZPI e ZP II - Zona Portuária I e Zona Portuária II

Área interna ao Porto e área retroportuária com intensa circulação de veículos pesados, e caracterizada pela instalação de pátios e atividades portuárias impactantes, cuja proposta é minimizar os conflitos existentes com a malha urbana, otimizando a ocupação das áreas internas ao Porto, através de incentivos fiscais.

Em contrapartida, imediatamente depois desse perímetro da Zona Portuária I, a municipalidade definiu, em outro diploma legal (a Lei Complementar nº53, de 15 de maio de 1992), sem uma transição ou uma zona de amortecimento, Zona Especial de Interesse Social I - ZEIS I como:

I – Zonas Especiais de Interesse Social 1– ZEIS-1 - áreas públicas ou privadas ocupadas espontaneamente, parcelamentos ou loteamentos irregulares e/ou clandestinos, incluindo casos de aluguel de chão, habitados por população de baixa renda familiar, destinados exclusivamente à regularização jurídica da posse, à legalização do parcelamento do solo e sua

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integração à estrutura urbana e à legalização das edificações salubres por meio de projeto que preveja obrigatoriamente o atendimento da população registrada no cadastro físico e social da respectiva ZEIS existente no órgão de planejamento ou de habitação da Prefeitura, podendo ocorrer os seguintes casos:

a) regularização urbanística de áreas ocupadas por população de baixa renda, sempre que possível com o aproveitamento das edificações existentes; b) novas edificações em áreas parceladas de fato, para a fixação da população de baixa renda, com remanejamento para novas unidades habitacionais preferencialmente na mesma ZEIS-1;

c) novas edificações implantadas através de Plano Urbanístico, com parcelamento do solo, para a fixação de população de baixa renda, com remanejamento para novas unidades habitacionais preferencialmente na mesma ZEIS-1.

Por outro lado, nas áreas mais centrais, a influência da lógica portuária obsoleta e sufocada pela limitação geográfica compete com o dinamismo do empreendedorismo do setor imobiliário e o planejamento estatal.

No processo imobiliário, a verticalização é acirrada e os altos custos impostos pela cidade expulsa, conforme já citado, a população de baixa renda para outras localidades periféricas. Soma-se o fato de que o projeto inicial de Saturnino de Brito não atende mais a toda a população da cidade, concentrando-se nos bairros nobres.

Segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), Santos possuiu boa cobertura de coleta de esgoto sanitário. Entretanto, o levantamento do IBGE considera somente a parte regular da cidade, ou seja, os bairros regularizados. Os serviços básicos não estão disponíveis para as novas áreas de ocupação periférica, sobretudo nos adensamentos urbanos que apresentam elevado grau de favelização, como a Zona Noroeste e bairros localizados na área continental do município.

Esses novos vetores de expansão urbana têm agravado as tensões, que sempre existiram, entre os munícipes e a Administração Portuária em decorrência dos impactos negativos da atividade logística de atuação do porto. Em linhas gerais, os principais pontos de conflito ocorrem devido a: i) intenso tráfego de caminhões na entrada da cidade e áreas urbanas; ii) aumento da poluição, gerando prejuízo à qualidade do ar pela emissão

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de material particulado e gases de efeito estufa (GEE); iii) ruído oriundo dos navios, caminhões, equipamentos e trens; iv) odores gerados pelos grãos em decomposição na área da Ponta da Praia; v) atração de fauna sinantrópica, iv) aumento da demanda por áreas que serão convertidas em pátios de armazenagem de cargas, entre outros.