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A PRÁTICA DE ENSINO DE MATEMÁTICA: A INSTITUCIONALIZAÇÃO DE UMA DISCIPLINA

Neste segundo capítulo, abordamos o processo de institucionalização da disciplina nos cursos de formação de professores. Analisamos aqui a mudança na nomenclatura da disciplina: o fim da Didática Especial e o início da Prática de Ensino, buscando compreender essa nova concepção de formação de professores. Nesse processo de institucionalização, tiveram fundamental importância: as escolas de aplicação, a legislação oficial, os programas de ensino e os livros-texto. As escolas de aplicação tinham como objetivo aliar a teoria e a prática na formação docente. A legislação oficializou a Prática de Ensino nos currículos como disciplina obrigatória dos cursos de formação de professores. Os livros-texto foram explicitando o que pode ser tomado como uma identidade da disciplina, fornecendo leituras aos futuros professores e oferecendo suporte teórico-metodológico à prática docente. O desenvolvimento da pós- graduação e da pesquisa em Educação no Brasil contribuíram com a produção de conhecimentos que dão suporte epistemológico à disciplina, à constituição de um campo acadêmico-científico e à fundamentação teórico-metodológica da formação profissional de professores, de formadores de professores e de pesquisadores nesse campo.

CAPÍTULO 2:

A PRÁTICA DE ENSINO DE MATEMÁTICA: A INSTITUCIONALIZAÇÃO DE UMA DISCIPLINA

2.1 O advento da Prática de Ensino na formação de professores

Mesmo sendo idealizada nos meios educacionais desde os anos 1930 e proposta nos cursos de formação de professores nos anos 1940 com a criação dos Colégios de Aplicação, é somente a partir de 1960 que a Prática de Ensino se configurou como disciplina, na sua criação por meio do Parecer 292/6211, sob a forma de estágio supervisionado como obrigatório na formação do professor de educação básica.

Nadai (1992) afirma que a noção de “Prática de Ensino” (não como disciplina) é remota. A noção de Prática de Ensino – tendo a observação, a experimentação e a participação como fundamentos – tem suas origens na antiga Escola Normal e, consequentemente, no antigo Instituto de Educação da USP (Nadai, 1992, p. 137). Esse instituto previa uma formação prática ao futuro professor, oferecendo uma seção denominada “Prática de Ensino” que, por sua vez, apresentava duas subseções: uma destinada ao treino profissional dos alunos, enfatizando a “observação, experimentação e participação” do aluno, e a outra subseção encarregava-se das matérias de ensino que o professor teria que ensinar, tanto no curso primário quanto no curso secundário. Além de fornecer formação pedagógica aos futuros professores, o Instituto de Educação possuía as escolas anexas: o curso complementar, as escolas secundária e primária e o jardim de infância, instituições destinadas à experimentação, demonstração e prática de ensino e estágio dos alunos. A experiência desenvolvida por professores e alunos nos Colégios de Aplicação proporcionou a implementação da Prática de Ensino como disciplina nos cursos de formação de professores.

Como disciplina formal, a Prática de Ensino instituiu o estágio supervisionado como obrigatório na formação do professor e estabeleceu um currículo mínimo para os cursos das licenciaturas brasileiras: Psicologia da Educação (adolescência e aprendizagem); Elementos de Administração Escolar; Didática; Prática de Ensino – sob a forma de estágio supervisionado. O Parecer definia que os estudos a serem realizados

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Com a aprovação da primeira Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (lei nº 4.024/61), foi criado o Conselho Federal de Educação. Esse órgão passou a emitir pareceres, trazendo regulamentação aos cursos de licenciatura.

pelos licenciandos durante sua formação inicial teriam como objetivo familiarizá-lo com o aluno e o método. Dessa forma, algumas disciplinas apresentam-se indispensáveis à formação do professor: a Didática e a Psicologia da Aprendizagem, “[...] além da Prática de Ensino, para trazer o necessário realismo àquelas abordagens mais ou menos teóricas da atividade docente” (BRASIL, Parecer 292/62, Documenta nº 10, p. 97, grifo nosso).

O Parecer foi incisivo quando comparou um professor sem prática a um médico inexperiente diante de uma intervenção cirúrgica. Dessa forma, seria inconcebível entregar a educação de uma criança a um jovem que nunca tivera contato com um aluno.

Por meio dos Colégios de Aplicação é que a Prática de Ensino deveria se realizar. Com esse parecer, a Prática de Ensino impôs-se como mínimo curricular, presente nos cursos de formação de professores sob a forma de estágio supervisionado. Além disso, o próprio Parecer fez uma crítica aos Colégios de Aplicação, indicando que os estágios deveriam ser realizados em escolas da comunidade. O objetivo desses colégios seria servir como estabelecimentos modelos para as demais escolas, porém os colégios de aplicação não existiram no interior da maioria das Faculdades de Filosofia. Dessa forma, a indicação é que os estágios devessem ser feitos nas escolas da comunidade, tendo contato com os reais problemas de uma escola comum.

O Parecer reforçava o caráter experimental das Escolas de Aplicação, mas indicava que os estágios supervisionados deveriam ser realizados nas escolas da comunidade devido à falta de colégios de aplicação e ao grande número de alunos que se matriculavam nas licenciaturas.

A partir desse decreto-lei, entendemos a legislação como a materialização ou, até mesmo, como prática de um determinado “pensar pedagógico”, uma vez que a lei está intimamente ligada às formas de se conceber a escola (Faria Filho, 1998).

A migração da Didática Especial para a Prática de Ensino não foi apenas uma questão terminológica. Essa mudança trouxe implicações para a própria concepção de formação do professor. Além de reorganizar as matérias pedagógicas dos currículos mínimos dos cursos de licenciatura, o Parecer 292/62 extinguiu o “esquema 3+1”, representando uma diminuição do número de disciplinas pedagógicas na formação do professor, que passou de seis para quatro disciplinas. Além disso, igualou a licenciatura ao bacharelado, afirmando tratar-se de um grau equivalente ao bacharelado.

Os relatores do Parecer 292/62 foram Valnir Chagas, Newton Sucupira e Anísio Teixeira. Esse último teve uma forte participação e influência nos meios educacionais brasileiros. Segundo Mendonça (2006), ele foi o principal expoente do pragmatismo deweyano no Brasil. Daí, a importância da prática de ensino na formação docente. A autora estabelece a relação entre o pragmatismo e o desenvolvimentismo nas décadas de 1950 e 1960 no Brasil. Por ocupar postos-chave na esfera governamental, Anísio Teixeira fez circular o ideário pragmatista, influenciando as ações governamentais.

O Instituto Nacional de Estudos Pedagógicos (INEP), dirigido por Anísio Teixeira durante os anos 1950 e 1960, foi um órgão disseminador do ideário pragmatista, não apenas por meio de seus cursos e publicações, mas também por meio das escolas experimentais ligadas a esse órgão.

A Prática de Ensino bem como o Estágio Supervisionado, implementados pelo Parecer 292/62, “abririam um campo profissional para o surgimento nas universidades de especialistas em didática e metodologia do ensino de matemática” (Fiorentini, 1994, p. 106).

Muito antes de ser oficializada na formação do professor secundário, a Prática de Ensino já era trabalhada na formação dos professores primários nas antigas Escolas Normais. Portanto, a Prática de Ensino, da forma como foi sugerida para ser trabalhada nos Colégios de Aplicação (e nas escolas da comunidade), sugere um modelo de formação de professores que vem da própria escola primária. De acordo com Fracalanza (1982), há uma forte evidência da prática de ensino com os aspectos metodológicos do ensino. O licenciando faria estágio na matéria de sua preferência e estaria como auxiliar do professor catedrático. Este estaria sempre presente a fim de orientar a ação docente do licenciando.

A partir disso, podemos afirmar que a formação prática docente foi proposta com o objetivo de orientar os futuros professores a dominar uma metodologia de ensino, e esta, por sua vez, foi entendida como um meio de se obter uma melhoria na qualidade do ensino.

Enquanto na formação do professor primário foram predominantes os estudos de conhecimentos gerais e de conteúdos pedagógicos, nas licenciaturas houve o inverso: o predomínio dos estudos de conteúdos específicos. Para exemplificar isso, apresentamos na tabela abaixo os currículos dos cursos de formação de professores primários (Escola Normal) e secundários (FFCL-USP):

TABELA 6:

CURRÍCULOS DOS CURSOS DE FORMAÇÃO DE PROFESSORES