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Práticas integradoras na educação: quando a “tolerância” ainda não acolhe as

O paradigma da integração escolar nasceu inicialmente com o conceito de normalização. Este surgiu nos Países Nórdicos em 1969 (MANTOAN, 2003a), negando o tratamento segregador dispensado na vertente médicopedagógica. Nesse antigo pressuposto, conforme apresentado, nem a família nem a sociedade precisava ocupar-se da tarefa de educar pessoas com alguma necessidade especial, ficando por sob o encargo dos asilos, hospitais e outras instituições essa incumbência.

Todavia, neste novo contexto, as hipóteses defendidas pautavam-se na concepção de que toda pessoa com deficiência precisaria estar o mais semelhante possível das condições e da forma de vida das pessoas “normais”, ou seja, os pilares de sustentação do pensamento normalizador vieram dar início ao modelo de educação integradora. Segundo Moussatché “normalização é objetivo. Integração é processo” (1997, p. 11).

O conceito de integração possuía uma avançada defesa aos direitos de alunos com necessidades educacionais especiais para o convívio comum em classes regulares, mas, segundo Mantoan (2003a),

Sua noção de base é o princípio de normalização, que, não sendo específico da vida escolar, atinge o conjunto de manifestações e atividades humanas e todas as etapas da vida das pessoas, sejam elas afetadas ou não por incapacidade, dificuldade ou inadaptação (p. 22).

Entrevejo que nesse paradigma, as práticas já apresentavam modificações em relação às duas comentadas, posto que nesta, passam a ser oferecidos espaços para o ensino numa mesma sala de aula para crianças e jovens com necessidades educacionais especiais juntamente com os demais alunos. Mas, esses recém estudantes ingressam nas salas sob a escondida ressalva de que precisam se adaptar ao ritmo já existente nas instituições de ensino.

Com isso, a prática contida na integração escolar ainda escondia a lógica da incompletude entre estas pessoas.

É possível observar este fato mediante a própria concepção que a origem do nome integrar encerra. Segundo o dicionário Ferreira (2001, p. 424), este quer dizer “completar, tornar inteiro”. Ocorre que essa definição, e, por conseqüência, a sua prática na educação, esconde uma incoerência interna dentro dos seus fundamentos, uma vez que ao postular que a pessoa com deficiência precisa ser integrada, ou seja, incorporada a um contexto que nada faz para aceitá-la como é, mas que tenta homogeneizá-la junto às demais pessoas, nega em si o que faz de nós seres humanos, a individualidade.

E, por entender que enquanto seres inconclusos, “deficientes ou não”, jamais nesta prática ou qualquer outra, deveria recair sobre as pessoas com necessidades especiais um atestado de falha ou defeito que precisa ser corrigido em função das suas particularidades.

Com isso, a escola pautada a partir de uma prática integradora busca transformar as diferenças entre as pessoas em tipologias possíveis de serem moldadas através da inserção parcial e condicional dos alunos nas escolas regulares. Segundo Rodrigues (2003), “na lógica

da homogeneidade, a escola tradicional procedia de acordo com as idéias de nível e uniformidade, obrigando os alunos a se adaptarem às exigências do sistema” (p. 14).

E assim, mediante uma ética pautada na igualdade de oportunidades, compreendendo que todos são iguais, a prática pedagógica na perspectiva integradora mantinha o velado discurso da exclusão. Por descartar as necessidades particulares de aprendizagem entre eses alunos, a pretensão de um excelente desenvolvimento seria sempre um espectro que acompanharia todos os discentes, principalmente aqueles que apresentassem alguma dificuldade mais acentuada.

Assim, os equívocos vivenciados nesse paradigma que ainda vigora no interior de muitas salas de aula revelam uma prática permeada pela distância entre professor e aluno, podendo tais posturas ser explicadas a partir do consenso de deficiência como doença. Nesse sentido, Carvalho (2000) pontua que “no imaginário social, a deficiência (principalmente a mental) tem foros de doença, exigindo, portanto, cuidados clínicos e ações terapêuticas” (p. 16).

Refletindo acerca da prática pedagógica dentro desta perspectiva, vi através de autores como Mantoan (2003a), Carvalho (2000a), Rodrigues (2003) dentre outros, as críticas quanto ao enfoque dado nesta concepção à diferença entre as pessoas como sinônimo de fracasso.

Mesmo diante de práticas que não estimulam as competências e habilidades nos alunos, neste paradigma, os saldos positivos são percebidos quanto ao esvaziamento das salas especiais que abrigavam discentes com alguma necessidade especial ou deficiência. Vez que esses antes tinham negada a oportunidade de estudar numa sala de aula regular, e, ainda, o nascimento dos primeiros serviços de apoio ao aluno com necessidade especial, como oferecimento do ensino itinerante, algo que dantes sequer era cogitado para esses estudantes.

As fragilidades advindas desse modelo na educação também aparecem na legislação nacional. A Lei de Diretrizes e Bases da Educação nº. 5.692/71 se mostrou uma promessa não efetivada. O único artigo destinado a discutir a educação especial reforçava a apatia com que foi tratado esse tema ao longo de décadas, pois o texto diz que

Art. 9º - Os alunos que apresentam deficiências físicas ou mentais, os que se encontram em atraso considerável quanto à idade regular de matrícula e os superdotados deverão receber tratamento especial, de acordo com as normas fixadas pelos competentes Conselhos de Educação (BRASIL, 1971).

Deste modo, o escasso espaço para discussão sobre o tema com a publicação de um único artigo gera, segundo Carvalho (2000a), equívocos quanto à sua interpretação que são

percebidos em seus efeitos ainda nos dias de hoje, como o encaminhamento de alunos sem deficiência para salas especiais apenas por estarem fora do modelo idade/série.

Mesmo com os equívocos vivenciados com o modelo integrador, nesta prática surgiu a possibilidade para unir, mesmo que a princípio somente fisicamente, pessoas com e sem deficiência, destas compartilharem dos mesmos recursos disponíveis na escola, e, pela primeira vez, poderem pleitear o desempenho de uma atividade laboral a partir da maior abertura no mercado de trabalho.

Vale destacar que esses primeiros passos não foram conquistados facilmente, mas, puderam marcar as primeiras luzes rumo a defesas maiores, não somente por uma escola inclusiva, mas, sobretudo uma sociedade inclusiva, formada a partir de uma cultura de respeito à diversidade, onde não somente pessoas com alguma necessidade especial possam ser respeitadas por suas diferenças, mas, todos aqueles que dela arrogarem o direito.