• Nenhum resultado encontrado

Práticas de socioeducação: os eixos da medida como uma possibilidade de intervenção

O atendimento socioeducativo pauta-se por um conjunto arti- culado de ações que tem por objetivo oferecer maiores possibilidades de (re) inserção social. Isso é possível porque durante o cumprimento da medida de internação, o adolescente – apesar de estar privado do direito de ir e vir (livremente, conforme a sua vontade) e submetido às regras da instituição (que devem estar em consonância com dos direitos huma- nos) – tem todos os demais diretos fundamentais garantidos. É impor- tante que no trabalho socioeducativo com os adolescentes a equipe se atente para o cumprimento dos deveres a partir do estabelecimento de uma rotina institucional organizada, com regras de convivência claras e alinhadas aos princípios dos direitos humanos.

A proposta de socioeducação deve ser praticada por todos os profissionais envolvidos no trabalho de forma significativa. A rotina

institucional deve ser cumprida por todos e transmitida aos adolescen- tes de forma organizada e planejada. E deve ser um instrumento que possibilite o alcance do objetivo institucional no que se refere ao pro- cesso de responsabilização do adolescente e que contemple os interesses dos adolescentes no que se refere às ofertas das atividades. O Centro Socioeducativo não deve ocupar um lugar de ociosidade na vida dos jovens que ali estão, mas deve-se constituir-se enquanto espaço de refle- xão subjetiva e construção de novas perspectivas para a vida.

No que concerne aos direitos fundamentais que devem ser garantidos nas medidas socioeducativas, destacam-se aqui o que se pode chamar de “eixos” da medida de internação, conforme previsto no Sinase: família, escolarização, profissionalização, espiritualidade, saúde, cultura, esporte e lazer. A análise desses eixos permite concluir que eles representam grande parte dos espaços de socioeducação ofertados na sociedade.

O eixo “Abordagem familiar e comunitária” estabelece como diretriz para os Centros Socioeducativos que executam a medida de privação de liberdade o atendimento às famílias dos adolescentes. Esse atendimento baseia-se em conceitos e métodos que assegurem a quali- ficação das relações afetivas, das condições de sobrevivência e do acesso às políticas públicas dos integrantes do núcleo familiar, visando ao seu fortalecimento material e emocional. O Sinase prevê ainda que seja ela- borado um Plano de Atendimento Familiar, que seja acompanhado pela equipe de profissionais do Centro Socioeducativo de forma articulada com a rede externa.

Nessa perspectiva, recomenda-se a ampliação do conceito de família de modo a incluir grupo ou pessoas com os quais os adolescentes possuam vínculos afetivos, respeitando os diferentes arranjos familia- res. No decorrer do cumprimento da medida socioeducativa, é impor- tante que a família que necessitar seja acompanhada pelos programas da política de assistência social no âmbito do Centro de Referência da Assistência Social (CRAS) e do Centro de Referência Especializado da

Assistência Social (CREAS). Nesse processo, faz-se necessário ampliar a rede de relações sociais da família na própria comunidade ou além dela, se necessário. Destacamos que para cada adolescente e/ou seu grupo familiar deve ser tecido uma rede que atenda as reais necessidades de cada caso.

O eixo da escolarização é outro ponto importante da socioe- ducação. A escola é o segundo campo das relações sociais e espaço de construção de conhecimento, bem como de civilização. Dentre as suas diversas funções, ela é responsável por transmitir as regras sociais, por despertar o desejo de saber e por preparar a pessoa para a vida adulta. Por isso, é um eixo importante no decorrer do cumprimento da medida socioeducativa, além de ser um direito garantido no ECA, os adoles- cente têm o dever de frequentar a escola.

A oferta da escolarização deve ser feita pelas Secretarias Municipais ou Estaduais de Educação conforme previsto pela LDB (lei 9394/96) visando garantir a permanência dos adolescentes na rede formal de ensino. Essa oferta pode acontecer dentro ou fora do centro socioeducativo, conforme a demanda da instituição ou de cada adoles- cente. Nesse processo, é importante que o centro socioeducativo busque estreitar as relações com a escola para que as propostas pedagógicas de ambas possam ser complementadas e integradas, sem sobreposição de ações.

Nos artigos 60 a 69 do ECA, determinam-se que os adolescentes têm direito à profissionalização e à proteção no trabalho. Nesses casos, devem-se respeitar a condição peculiar de pessoa em desenvolvimento, a capacitação profissional adequada ao mercado de trabalho e os direi- tos trabalhistas e previdenciários.

Todo adolescente tem direito à profissionalização, de acordo com o ECA, mesmo quando se encontra em cumprimento de medida socioeducativa. O eixo da “Formação Básica para Trabalho” é essencial durante o cumprimento da medida socioeducativa, pois a educação para o trabalho e a inserção no mercado são fatores que contribuem para a

“(re) socialização” do adolescente e para contribuir na diminuição da reincidência na criminalidade. Esse eixo permite ao adolescente desen- volver habilidades e adquirir competências necessárias ao mercado de trabalho, além de possibilitar o conhecimento de profissões, para que possa fazer uma escolha e se inserir no mercado de trabalho.

A oferta da educação profissional dá ao adolescente maiores condições de inserção e, consequentemente, meios para a aquisição de recursos financeiros tão fundamentais para a vida em sociedade. Por isso, é importante estabelecer parcerias com programas de aprendiza- gem social (sistema S) que ofertem cursos de qualidade e com aceitação real no mercado de trabalho, com certificação comprovada de acordo com a legislação vigente. A formação profissional deve ser oferecida preferencialmente fora da instituição, mas não há restrições que ocorra nos espaços do Centro Socioeducativo.

O eixo da “Cultura, esporte e lazer”, vem reforçar o Artigo 58 do ECA, que determina que no processo educacional dos adolescentes sejam respeitados os valores culturais, artísticos e históricos próprios do contexto social destes, garantindo-lhes liberdade de criação e acesso às fontes de cultura. Dessa forma, a Comunidade Socioeducativa deve assumir o compromisso de ampliar o repertório de vivências culturais, artísticas, esportivas e de lazer dos adolescentes em regime de inter- nação, para tanto devem buscar espaços externos, parceiros sensíveis à causa da instituição visando a circulação dos adolescentes de forma diferenciada por esses espaços, que possivelmente eram pouco ou pre- cariamente acessados por eles.

Por meio das atividades culturais, esportivas e de lazer, estimu- lam-se a criatividade, a interação, a cooperação, a responsabilidade e a disciplina. Funciona também como meio para o adolescente se expres- sar, desenvolver habilidades, adquirir conhecimento, despertar para novas possibilidades; instigar a curiosidade e o interesse; e propiciar o relaxamento e a reflexão. As atividades externas devem ser planejadas

pela equipe de forma que atenda o interesse do adolescente ou que amplie sua visão de mundo.

A saúde é um eixo importante no contexto da privação de liber- dade, garantida pelo artigo 7º do ECA, o qual determina a proteção à vida e à saúde. Tais direitos realizam-se mediante a efetivação de polí- ticas sociais públicas que permitam o desenvolvimento saudável do adolescente no contexto privação de liberdade. A Lei 12.594/12 dispõe também sobre a atenção integral à saúde do adolescente no Sistema de Atendimento Socioeducativo, com o objetivo de integrar as ações socio- educativas e de saúde, estimulando a autonomia, a melhoria das rela- ções interpessoais e o fortalecimento de redes de apoio aos adolescentes e a suas famílias.

O Art. 62 da Lei 12.594/12 prescreve que as entidades que ofe- reçam programas de privação de liberdade deverão contar com uma equipe mínima de profissionais de saúde do Centro de Saúde para o atendimento ao adolescente na rede do Sistema Único de Saúde. A equipe de saúde do centro socioeducativo, juntamente com a equipe de referência do Programa Saúde da Família da abrangência da instituição, exercem um papel fundamental perante os adolescentes em cumpri- mento de medida no que se refere à prevenção e à educação em saúde, por meio de palestras, grupos de saúde, atendimento e orientação indi- vidual. A equipe de saúde da Unidade Socioeducativa deve atuar de forma articulada com os diversos equipamentos de saúde do município, visando ao tratamento ou ao acompanhamento dos adolescentes pela rede de saúde, sempre que necessário.

A Segurança Socioeducativa é um eixo importante da socioe- ducação e segundo Costa (1999, p. 410), “o zelo pela integridade física e mental dos adolescentes privados de liberdade é um dever inarredável do Estado”. A adoção de medidas de contenção e segurança por parte das autoridades responsáveis pela implementação da política de atendi- mento deve ser uma preocupação constante, pois este é um ponto dos mais vulneráveis, dos mais frágeis, do sistema de atendimento herdado da era menorista. O planejamento dessa segurança deve estar atento

para os diversos níveis em que ocorrem danos à integridade física, psi- cológica e moral dos adolescentes privados de liberdade.

A segurança, portanto, em um estabelecimento para adolescen- tes privados de liberdade não é uma questão adjetiva nem secundária. Os educadores e trabalhadores sociais, ao mesmo tempo que admitem isso, devem empenhar-se não apenas em dotar os estabelecimentos de recursos físicos adequados de contenção e segurança, como também em realizar ações de segurança preventiva, com a criação de um regimento disciplinar que seja uim ponto de orientação do trabalho com os educa- dores e adolescentes e oferta de espaços de avaliação do trabalho, como as assembleias5.

O Sinase prevê que no cotidiano de uma Unidade Socioeducativa deve-se investir em medidas de prevenção das situações limites. Aponta que a estrutura física das Unidades deve basear-se em projetos pedagó- gicos que favoreçam a convivência entre profissionais e adolescentes em um ambiente tranquilo e produtivo, em que as situações críticas tenham chances reduzidas de proliferação.

É diretriz do Sinase que o trabalho direto com adolescente den- tro de uma Unidade é de competência exclusiva dos educadores, que devem ser capacitados para o trabalho que utilize de intervenções pre- ventivas, educativas e de contenção, quando necessario. A segurança externa a Unidade é de competências exclusiva da Policia Militar. É fun- damental demarcar as ações da equipe de educadores que tem a função de educar e o papel diferenciado da policia nesse trabalho que é o zelo pela segurança externa.

A espiritualidade não é propriamente um eixo previsto no Sinase, mas constitui um elemento importante para o cumprimento da

5 No socioeducativo, o termo assembleia é utilizado para denominar o espaço de con- versa/diálogo entre os adolescentes, o corpo diretivo, bem como os representantes da equipe de atendimento e de segurança, onde são discutidas questões referentes ao funcionamento institucional e à convivência entre os adolescentes. Nesse espaço, são levantadas sugestões, definidas propostas e negociadas ações para a melhoria do atendimento ao adolescente no centro socioeducativo.

medida socioeducativa, mas não caracteriza uma obrigatoriedade para o adolescente. De acordo com o Estatuto da Criança e do Adolescente, precisamente no Artigo 94, inciso XII, as entidades que desenvolvem programas de internação têm por obrigação, “propiciar assistência reli- giosa àqueles que desejarem, de acordo com as suas crenças”.

É a partir da efetiva execução dos eixos que um centro socioe- ducativo oferta uma proposta de socioeducação. Para Costa (2006), a natureza essencial da ação socioeducativa é a preparação do jovem para o convívio social. E esse é um trabalho árduo para a equipe do cen- tro socioeducativo, mas esse trabalho não se faz sozinho e requer uma intensa articulação, mobilização e sensibilização da rede de atendimento.

O trabalho em redes: um novo paradigma