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Sinase no RN: avanços e impasses

No Rio Grande do Norte, a FEBEM foi instalada em 1979 e, a partir de 1994, a administração do sistema socioeducativo no estado ficou sob a responsabilidade da Fundação da Criança e do Adolescente (FUNDAC), uma autarquia ligada ao poder estadual. Atualmente, as medidas socioeducativas em meio aberto – Liberdade Assistida (LA) e Prestação de Serviço à Comunidade (PSC) – são executadas em âmbito municipal, geralmente pelos profissionais dos Centros de Referência Especializada em Assistência Social (CREAS), que acompanham os adolescentes e seus familiares, enquanto a execução das medidas de pri- vação de liberdade é de responsabilidade da própria FUNDAC.

O sistema socioeducativo de privação de liberdade do RN é composto por oito unidades, sendo quatro na capital Natal, uma em Caicó e três em Mossoró, entre internação masculina, feminina e semi- liberdade. Atualmente, devido à falta de infraestrutura adequada, todas as instituições se encontram em interdição parcial ou total. Entre as unidades totalmente interditadas encontra-se o Centro de Educação

(CEDUC) Pitimbu – unidade de internação masculina localizada em Parnamirim, município da região metropolitana de Natal –, que atende adolescentes da capital e de toda a região metropolitana. Essa unidade está interditada desde agosto de 2012, por problemas na estrutura física, hidráulica e elétrica.

Assim como na maior parte do país, apesar dos esforços dos movimentos sociais e da criação de instrumentos legais fundamen- tais (como o ECA e o Sinase), a situação dos adolescentes no sistema socioeducativo do RN continua extremamente precária, não fazendo justiça, inclusive, ao termo socioeducação. Em geral, não existem plane- jamentos ou atividades pedagógicas, as estruturas físicas são precárias e falta preparação das equipes técnicas. Os adolescentes e seus fami- liares vivem situações de violações de direitos, inclusive com casos de homicídio e suicídio de jovens que se encontram em cumprimento de medidas socioeducativas e, portanto, sob a responsabilidade do Estado. As constantes fugas e rebeliões demonstram que as medidas não vêm conseguindo cumprir seu papel pedagógico e, de acordo com dados da FUNDAC, entre 2004 e 2012, foram assassinados 130 adolescentes em cumprimento de medida socioeducativa no RN.

A maior unidade de internação do estado, o CEDUC Pitimbu, chegou a atender até 40 adolescentes antes das interdições parcial e total. Segundo a assessoria de comunicação do Tribunal de Justiça do RN, a deficiência no atendimento socioeducativo na modalidade de internação se agrava desde 2007, quando foi formalizado o Termo de Ajustamento de Conduta, a fim de resolver as condições consideradas desumanas pelas autoridades (as péssimas condições de habitação, salu- bridade e higienização).

A interdição do CEDUC Pitimbu ocupou significativo espaço na mídia local. Mas, infelizmente, a preocupação maior da sociedade – e de muitas autoridades – não estava voltada para as péssimas condições e situações de violação do sistema socioeducativo no estado, mas com a garantia da segregação dos “perigosos adolescentes em conflito com a

Lei”, que seriam uma grande ameaça para a sociedade natalense. Logo, é possível perceber que, apesar dos avanços na legislação, a compreensão que a sociedade apresenta do sistema socioeducativo não difere tanto das ideias presentes nos períodos históricos comentados anteriormente. Sobre essa questão, Rosa, Vicentim e Broide (2012) comentam acerca da gestão dos indesejáveis e perigosos pela radicalização da política puni- tiva como resposta ao aumento da desigualdade social, da violência e da insegurança. Para a mídia e a sociedade, as políticas públicas para a juventude devem se resumir simplesmente a estratégias de controle, o que, por sua vez, amplia o distanciamento e aumenta as dificuldades de inserção e participação social da juventude.

Diante da impossibilidade de internação de adolescentes em Natal, e da pressão social para que os adolescentes não ficassem soltos pela cidade, foi feito um acordo entre a FUNDAC e o poder judiciário em que os adolescentes que precisassem cumprir medidas de privação de liberdade seriam encaminhados ou para a unidade de semiliberdade de Natal, ou para a de privação de liberdade de Mossoró ou Caicó.

A unidade de semiliberdade foi interditada totalmente em março de 2013, após a morte de um adolescente dentro da unidade, devido às inimizades existentes dentro do grupo de socioeducandos. Também houve relatos de ferimentos a adolescentes e a profissionais. Como não foi a primeira vez que isso ocorreu e a equipe relatava falta de segurança e condições de trabalho, o juiz da Vara da Infância e Adolescência, res- ponsável pela execução das medidas socioeducativas, decidiu pela inter- dição total da unidade.

Além disso, a população do bairro Nazaré, zona oeste de Natal, onde se localiza a unidade de semiliberdade, está em campanha para a remoção dessa unidade do bairro, com a construção de abaixo-assina- dos e o apoio de lideranças políticas locais, afirmando que os adolescen- tes colocam em perigo toda a comunidade. Manifestação semelhante já ocorreu outras vezes em Natal: em um bairro da zona sul da cidade, os moradores pediram a retirada dos adolescentes de Casas de Passagem,

que foram proibidos de circular nas ruas por “colocarem em risco a segurança das crianças e adolescentes residentes no bairro”. Essas mani- festações explicitam a diferença de concepção e de tratamento destinado à população infantojuvenil de classe média e às crianças e adolescentes pobres, que continuam, em pleno século XXI, sendo criminalizadas e violadas em seus direitos das mais diversas formas, por serem parte de uma classe social que é incluída perversamente na sociedade. Tal fenô- meno expressa a violação do direito à convivência comunitária preconi- zada nas normativas legais relativas à infância e adolescência no Brasil. O município de Mossoró, por sua vez, é distante cerca de 280 km de Natal e, mesmo com essa distância, passou a receber os adoles- centes provenientes da capital, em virtude da falta de unidade de inter- nação que pudesse atendê-los na referida cidade. Em março de 2013, o CEDUC Mossoró abrigava 22 adolescentes, dos quais 20 eram prove- nientes de Natal e apenas 02 da cidade de Mossoró. A mudança do local de internação dos adolescentes de Natal para Mossoró causou sérios transtornos, sobretudo pela violação do direito à convivência familiar e comunitária, uma vez que, de acordo com o Sinase, o adolescente deve cumprir a medida em instituição próxima a sua residência.

O CEDUC Mossoró foi construído dentro dos parâme- tros arquitetônicos previstos pelo Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo, no entanto, a instituição localiza-se fora da cidade, com um difícil acesso em meio à vegetação do sertão, e já se encontra com a estrutura bastante depredada.

Familiares e adolescentes em busca