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3. ENTRE O IDEAL, OS DESAFIOS, A REALIZAÇÃO E AS EXIGÊNCIAS DA PROFISSÃO

3.3. O PRAZER DE SER SOCIALMENTE ÚTIL, A REALIZAÇÃO E O DESEJO DA

Prosseguindo com as entrevistas, falamos com o Professor número 3, que tem 15 anos de magistério no CEFET-MG. Concluiu o Mestrado, tem formação técnica e planeja fazer o Doutorado. Diferentemente dos outros entrevistados, ministra aulas de disciplinas técnicas. Trabalha com quatro turmas, para os quais ministra dez horas aulas semanais: suas aulas são divididas entre a sala de aula padrão e os laboratórios. Além dessa jornada, complementa sua carga horária como Coordenador Adjunto, e durante a entrevista, destaca que extrapola as quarenta horas semanais exigidas pela legislação.

Teve outras experiências de trabalho no campo industrial, onde o ambiente era desgastante e pesado. Porém, resolveu ingressar no magistério, e como a experiência foi satisfatória e enriquecedora, ele permaneceu na profissão e gosta do que exerce. Afirma sentir-se útil com o trabalho que desenvolve no CEFET-MG: a cada aula, sente-se renovado. Antes de trabalhar nessa Instituição, não havia planejado ser professor, porém queria experimentar esse trabalho e outros desafios.

Antes disso, eu nunca tinha imaginado dar aula, eu sempre fui uma pessoa muito retraída, ainda sou, eu dou aula com uma dificuldade muito grande de me expor e eu acho que professor precisa se expor. Toda sala em que eu entro, não interessa se é o primeiro, segundo, último ano, é uma constante luta comigo mesmo. Mas eu tenho conseguido administrar isso bem. Essa é a maior dificuldade. E a segunda maior dificuldade, talvez em função dessa primeira, é manter a disciplina. Eu sou muito flexível. Eu consigo mais colaboração dos alunos quando não imponho. Eu acho que o efeito poderia ser melhor se eu cobrasse e exigisse mais, mas não faz muito o meu feitio. Eu acho que ninguém obriga ninguém a aprender, a pessoa aprende se quiser. Se não quiser, não tem jeito. Isso me traz certa dificuldade com a disciplina, fora isso, não tenho muita dificuldade não.

Prosseguindo a fala a respeito de seu trabalho, esclarece que nunca teve problema com os alunos, no aspecto disciplinar. Em seguida, define o que é disciplina :

Nunca tive problema com aluno. Quando eu falo disciplina, eu falo sobre manter as pessoas sentadas, interessadas na matéria, eu não consigo fazer as pessoas ficarem em sala de aula, interessadas, mas nunca extrapolaram também o aceitável. É só aquela coisa que a gente acha que poderia conseguir maior empolgação da turma. Quando a gente começa, a gente é mais rigoroso. Quando eu comecei aqui, eu adotava uma atitude de autoridade de colocar uns três ou quatro pra fora de sala. Toda semana eu tinha isso. Então eu percebi que não adiantava muito não. Na verdade, acho que nos últimos dez anos, eu não botei ninguém pra fora de sala não. No começo eu fazia isso pra “segurar”, mas a gente vai vendo que não é bem assim. Mas eu nunca precisei usar outras pessoas ou outros setores da escola pra ter disciplina, ou usar “pedagogia”.

Quanto ao ambiente de trabalho e suas condições, o Professor 3 demonstra alto nível de satisfação :

O ambiente de trabalho aqui é bom. Eu tenho tudo de que preciso, as pessoas estão sempre dispostas. Não sei se eu posso afirmar se é uma vantagem ou não, mas as coisas são muito livres aqui. A coisa mais estranha que eu notei quando eu vim pra cá foi essa liberdade. A escola não cobra. Ela deixa a critério de cada um usar sua responsabilidade pra administrar suas próprias atividades. Mas tem algumas coisas que complicam. Estando aqui com o Coordenador, nós temos professores que não entregaram o diário do primeiro bimestre ainda. E isso pra gente é ruim. Então, há uma grande dificuldade, falando agora, é que a escola nos deixa muito livres.

Sobre o fato de achar que há muita liberdade para os professores, ele explica que, como trabalha também como Coordenador Adjunto, percebe que alguns desses mestres descumprem suas obrigações e que isso causa constrangimento perante os alunos. Acredita ser da competência da Administração Superior tomar uma atitude punitiva com relação a esses casos, pois é difícil um colega punir o outro :

Eu fico até sem jeito quando chega um aluno aqui e não há registro de notas e a gente não pode fazer nada. Então, o que eu queria fazer, eu acho que nós não temos força de fazer nada. Quem está aqui na Coordenação está no mesmo nível dos colegas e quem tem que assumir isso é quem está acima. Eu não sei as sanções que podem ser aplicadas, mas, do meu ponto de vista, seria necessário aplicar algumas sanções mesmo, no pagamento, do salário, uma advertência, não sei... Mas eu acho que isso é obrigação nossa.

Entretanto, em seguida, o Professor 3 avalia de forma muito positiva seu trabalho e acrescenta que, há alguns anos atrás, levava trabalho para fazer em casa, mas atualmente, como precisa ficar na Coordenação, consegue fazer todas as atividades no local de trabalho, e algumas tarefas só podem ser feitas no próprio CEFET-MG, a exemplo da montagem de equipamentos para as aulas práticas nos laboratórios. Nos sábados e domingos, dedica-se integralmente à família.

Olha, já foi muito pesado. Eu já levei muita coisa, já passei muito tempo em casa planejando e fazendo as coisas. Depois que assumi a Coordenação isso mudou, então normalmente eu faço tudo na escola. Agora, eu me preocupo com a aula de segunda- feira, sim! Muitas vezes eu chego em casa, sábado, pensando na aula, no que eu vou fazer, às vezes, eu ligo o computador e digito alguma coisa, mas não é aquele estresse. Essas coisas que eu faço para preparar aula, pois a aula prática exige montagem de equipamento, tudo isso eu faço no período da manhã.

Com relação à saúde e possível adoecimento relacionado ao trabalho, informa lembrar-se de ter faltado apenas uma vez, num período de uma semana, há uns dez anos. Estava em sala de aula, durante uma aula de laboratório quando começou a sentir-se mal:

Eu senti uma tonteira, terminei a aula, peguei o carro e fui pra casa, dormi e, no outro dia, eu não conseguia levantar da cama. Até hoje eu não sei o que provocou aquilo. Foi naquele período bem estressante. Não sei o que provoca. Foi em um período estressante de começo do ano, eu estava aprendendo a trabalhar aqui ainda.

Aí eu não posso dizer que eu tinha a experiência que eu tenho hoje. Já estava há uns cinco anos aqui, mas eu sou muito ansioso com as coisas e acho que isso colaborou. Esse fato eu vinculo ao trabalho...

Comenta ainda que anda incomodado com sua audição, pois acha que não escuta bem o que seus alunos dizem e ressalta que a escola é barulhenta, não acreditando que os alunos começaram a falar baixinho de repente:

Talvez seja a idade51, mas minha audição também. Hoje eu tenho que pedir aos

alunos pra repetirem senão eu não ouço. Nessa idade, eu acho que a capacidade auditiva diminui mesmo. E eu sempre ouvi bem, porque no trabalho anterior, de seis em seis meses, a gente fazia controle médico, a audição era testada, e eu nunca tive problemas.

Além das queixas apresentadas anteriormente,o referido mestre narra outro problema de saúde, que considera relacionado aos estudos de Mestrado:

Quando eu estava em processo de admissão do Mestrado, fazendo prova de seleção, entrevistas..., eu tive uma crise de pânico.(...) E depois eu tive uma crise próximo à data da apresentação da dissertação. Então, foram duas vezes. De qualquer maneira, eu vinculo essas duas crises que eu tive com o trabalho do Mestrado. E ano que vem, eu estou pensando seriamente em fazer um projeto para o Doutorado, mas isso me assusta, eu não vou negar não. A sensação ocorrida nessas duas crises foi terrível...

E acrescenta que o tratamento não o afastou do trabalho, apenas que, às vezes, sente

sono por causa da medicação.

Expressando mais uma vez sua realização e satisfação com o trabalho, fala das expectativas iniciais e do sentido de ser professor hoje:

Primeiro, quando eu entrei, queria experimentar alguma coisa que não fosse indústria. Eu não tinha um planejamento, embora eu tenha feito licenciatura para matérias técnicas. O que me chama a atenção eu via os professores como se eu achasse muito mais do acham hoje. Hoje os alunos ainda têm respeito, mas eles se colocam num nível mais próximo do professor. As salas eram mais cheias, e hoje têm pouca gente.

Essa proximidade que o aluno tem hoje, com relação ao professor, nós a entendemos como algo real e diferente do que se via no passado. O aluno ,anteriormente, via o professor como aquele que detinha o saber, que só chegava ao aluno por intermédio da escola. Era preciso prestar atenção no mestre, extrair o máximo do seu conhecimento e da sua experiência. Entretanto, hoje as fontes estão bastante diversificadas, as informações são mais acessíveis, e os alunos não valorizam tanto quanto no passado o saber dos seus mestres, chegam, até mesmo, a questionar sua competência e a indagar quem tem Mestrado,

51

O Professor 3, com aproximadamente 45 anos, decerto não se encaixa na faixa etária de quem está perdendo a audição pela idade, com esse nível de comprometimento. Não procurou atendimento médico para verificar essa queixa e, como na Instituição não há exame médico periódico, de rotina, essa questão ficou sem resposta.

Doutorado. Tais qualificações passaram a ser sinônimo de que o professor é mais confiável, como se essa condição lhe conferisse maior autoridade para ministrar as aulas.

O Professor 3 faz um relato sobre a sua escolha inicial, suas expectativas e sua realização como professor:

Vim com essa expectativa, saber como é dar aulas. Entrei com toda aquela dificuldade inicial, uma nova experiência de vida. Mas aí eu percebi uma coisa que eu não sentia dentro de indústria. Ser útil. Eu me sentia útil, eu me sinto útil. Eu nem posso dizer que as aulas são tão boas assim, mas eu tenho certeza que alguma coisa desse período os alunos levam. E eu me sinto útil mesmo. E a única expectativa que eu tenho dentro dessa escola é (...) como eu te falei, eu não tenho aspiração nenhuma por cargos, aliás, eu sou operacional, no máximo eu posso ser um coadjuvante, eu não quero ser o ator principal, não faz parte da minha personalidade.

A minha expectativa é ser útil, ser útil naquilo que eu faço e é isso que me faz bem(...) se eu tiver certeza que os alunos levaram alguma coisa daqui, alguma coisa desse convívio que nós tivemos, que daqui a dez ou quinze anos (...) e a minha expectativa é essa, fazer da matéria que eu dou, da disciplina em que eu trabalho uma coisa simples, útil, gostosa e que daqui pra frente não importando a carreira a ser seguida o aluno sinta saudade da adolescência aqui. Eu tenho certeza absoluta de que um técnico não precisa de páginas e mais páginas de contas, como era no meu tempo, eles precisam ter bom senso e conhecer uma ou duas leis físicas. Então eu não vejo a necessidade de tanta matemática, tanto cálculo. Um ex-aluno veio dizer que estava sendo admitido na Petrobrás por causa da matéria que teve conosco e, por sorte dele, quando ele fez o concurso, cobrou-se muito do assunto que a gente viu aqui. Então ele guardou alguma coisa. Então a minha expectativa é continuar sendo útil. Hoje eu penso em me aposentar só na compulsória, mas não sei se ainda mudo de idéia até lá. Tem muita coisa pra fazer ainda.

Acerca do trabalho docente, faz algumas reflexões sobre as aulas não serem tão atrativas para os alunos, lembrando que tempos atrás, não havia uma concorrência tão grande com a escola, no que se refere à motivação, ao interesse, às opções de lazer, pois, atualmente, são inúmeras as aquelas que conseguem cooptar os alunos, tirar seu foco da sala de aula, e a escola não consegue ser atrativa, suficientemente, para eles.

Eu acho que os nossos métodos pedagógicos não são atrativos. Se fossem, entrariam mais alunos do sairiam. Eu acho que a gente consegue fazer a escola ser chata. Eu acho a aspiração de todo o colega aqui é tentar fazer o melhor possível, o mais agradável possível. Mas a gente não tem essa clareza. É muito difícil competir com coisas bem mais atrativas. Na minha época, por exemplo, não tinha computador, não tinha internet. Mas o que eu acho é que a gente está perdendo essa briga aí, porque a gente não consegue fazer a escola mais atrativa.

Sobre o número de alunos com o qual trabalha nos laboratórios, o Professor 3 afirma que trabalha com cinco alunos por turma, mas que a capacidade das salas de laboratório é para dez alunos. Daí, considera que suas condições são ótimas, bem diferentes da situação dos professores de disciplinas da formação geral, que trabalham com uma média de quarenta

alunos por turma. Além disso, como exerce cargo administrativo, tem um número de turmas reduzido. Mas avalia que fora do laboratório, quarenta alunos é um número excessivo, gostaria de trabalhar com, no máximo, trinta:

E eu acho que o primeiro ano é fundamental. Teríamos que dar uma atenção muito grande ao primeiro ano, pelo menos aqui no curso da minha área52. No módulo de

laboratório, eu tenho uma media de cinco alunos. O que acontece com o modular é que entram quarenta, seis meses depois tem uns trinta, quando vem o terceiro módulo aí caí pra uns vinte e dois, por que ficou reprovado ou desistiu, e no quarto não tem praticamente esses vinte e dois. Nos módulos finais tem uma média de cinco alunos. Eu acho pouco. O nosso laboratório é pra dez alunos. Eu coloco dois por bancada. Sem problema nenhum trabalhar com dez.

Por fim, acrescenta que, tendo 15 anos de prática no ensino, desde o seu desejo de experimentar a docência, hoje se considera realizado e acha que fez a escolha certa, pretendendo se manter como professor:

Minha satisfação é grande. Eu acho que essa profissão supre uma coisa muito importante pra gente, que é se sentir útil. Quando saio de férias, eu fico doido pra voltar. Eu sinto falta do trabalho quando eu não estou aqui...

Sua experiência no CEFET-MG, seu modo de avaliar o trabalho e sua satisfação nos remetem à análise do Professor 2 e suas críticas, quando afirma haver na Instituição exigências iguais para todos, mas condições diferenciadas. Daí ser difícil traçarmos um perfil de professor nessa ou em qualquer outra instituição, pois outros pesquisadores indicam que, há mesmo, esse tipo de situação, que gera satisfação para uns e um sentimento de desgaste para outros. É como se pertencessem a mundos de trabalho diferentes.

A própria natureza da formação do docente implicará uma condição mais favorável ou extremamente penosa e adversa, como se houvesse uma hierarquia entre as disciplinas lecionadas: aparentemente, umas são essenciais e outras, uma espécie de apêndice. E aqui podemos constatar que há, sim, contrastes marcantes entre disciplinas da formação geral e técnicas. Por exemplo, um professor de Filosofia, com dez horas aulas, tem cinco turmas com média de duzentos alunos, quarenta por turma,enquanto que um mesmo professor, com o mesmo regime de trabalho, mas que leciona disciplina técnica, poderá ter a mesma carga horária com dez alunos no máximo por turma( em laboratório). Na soma final, certamente, quem tem maior número de alunos terá demandado maior carga laboral para cumprir sua jornada de trabalho. Não se trata aqui de afirmarmos a existência de privilégios, protecionismos, trata-se de reconhecermos que a natureza do trabalho docente é complexa,

existindo flagrantes singularidades. Tais particularidades têm que ser consideradas na estrutura organizacional, no momento da divisão do trabalho e dos recursos, sob o risco de esse trabalho se tornar penoso, árduo e improdutivo, levando alguns à exaustão, e de ao mesmo tempo, ser prazeroso e recompensador para outros.

3.4. A (DES) HUMANIZAÇÃO NAS RELAÇÕES DE TRABALHO E A TENTATIVA