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3. ENTRE O IDEAL, OS DESAFIOS, A REALIZAÇÃO E AS EXIGÊNCIAS DA PROFISSÃO

3.5. O SER PROFESSOR: UM EXERCÍCIO DIÁRIO DE PACIÊNCIA E TOLERÂNCIA

O Professor número 5 está há 13 anos na Instituição, possui Pós-Graduação Lato

Sensu. Ministra dezesseis horas aulas para 08 turmas com vinte alunos cada. A descoberta da

profissão veio ainda na época do Ensino Médio, quando formava grupos de estudo e se colocava à disposição dos colegas para ensiná-los, agindo como uma espécie de facilitador: dirimia dúvidas deles ajudando-os na resolução dos exercícios e das tarefas escolares. Mais tarde, resolveu cursar a licenciatura e seguir a carreira de professor. Passou por várias experiências como docente, em instituições privadas, até fazer o concurso para o CEFET-MG. Anda inquieto há algum tempo com aspectos relativos às condições de trabalho. Enumera alguns pontos positivos: a disciplina que leciona exige, no máximo, vinte alunos por turma, mais do isso seria inviável, a exemplo de outras disciplinas que têm quarenta. Então, nesse aspecto, sente-se contemplado.

Há material didático disponível para todos os alunos. O livro didático, selecionado pela própria equipe de professores da sua Coordenação, foi escolhido sob análise rigorosa. Os

professores podem usar vários tipos de material impresso na própria Instituição, e esse material diversificado pode ser utilizado por outro colega sem nenhum problema.

Sobre as relações com os colegas de Coordenação e com a comunidade escolar em geral,diz que são boas. Complementa sua opinião dizendo que a Coordenação é um lugar onde as pessoas dialogam, trocam experiências: é um lugar de crescimento. Contudo, afirma que não conseguiu estabelecer parcerias para desenvolver outros projetos; somente interagiu com colegas com quem está mais próximo no aspecto do trabalho em sala de aula. Observa que há muitos professores substitutos. Como os contratos dos substitutos são temporários, quando está havendo maior entrosamento e parceria, eles deixam o CEFET-MG: “Aqui são muitos professores, essa coisa de poder compartilhar, se envolver em trabalhos, aqui a gente tem um trabalho a ser cumprido, mas pode inovar e experimentar”. Explica ainda que os substitutos são admitidos pela Coordenação para ocupar, temporariamente, as vagas dos docentes liberados para a capacitação.

Sobre a atuação em sala de aula, conta que uma das dificuldades nas aulas é o fato de que cada aluno tem um nível diferente de conhecimento na sua disciplina, e que isso demanda um trabalho diferenciado, que fica atualmente prejudicado para esse número de alunos, pois lecionar para vinte alunos não possibilita uma condição satisfatória para a aprendizagem; se todos tivessem os mesmos pré-requisitos, para que se obtivessem resultados e condições mais a contento, o número ideal de alunos, em sala, deveria ser entre doze e quinze. Essa condição, hoje, dificulta a realização do trabalho. Somando-se a isso há indisciplina, falta de atenção por parte de certos alunos, o que interfere no resultado do trabalho e desgasta o professor. Compara o perfil dos alunos de hoje com o de alguns anos atrás, destacando ser desafiador ter que, a cada dia, aprofundar o preparo para as aulas e ampliar o conhecimento para atender esse aluno mais inquieto e mais exigente. Suas palavras, em concordância com o que disse o Professor 03, demonstram que aquele aluno que via no seu professor uma sabedoria e um conhecimento quase que inquestionáveis, hoje cedeu lugar a um aluno que testa seus conhecimentos cotidianamente:

Hoje, desde quando entrei, até hoje, a gente nota a mudança de perfil de aluno. Eles têm chegado com maior conhecimento, a gente pode “puxar” mais, mas, por eles estarem desnivelados, a gente tem maior dificuldade. O aluno não tinha muito recurso, então hoje há mais acesso, nada pra eles é mais novidade. Eles estão muito além, têm um conhecimento maior que o de 13 anos atrás. Hoje ele sabe que vai ter um pouquinho mais do que ele sabe. Isso é bastante desafiador, temos que nos preparar muito. O trabalho de monitoria, são poucos que têm interesse por ele estão focados em si, são poucos que se interessam pelo outro. Não sei se é a forma como conduzo tal trabalho, tenho que parar para pensar nisso também...

Outros aspectos graves que desmotivam para o trabalho, segundo o Professor 5, é o barulho causado pelas obras de ampliação e reforma no local de trabalho:

Já há mais de três anos convivemos com obras na casa. Sei que as reformas são necessárias e urgentes, mas o barulho vindo da obra, a poeira e todo o desconforto causado têm me desgastado bastante. Há dias em que, quando penso na obra, não tenho vontade de vir trabalhar. O barulho interno, juntamente com a indisciplina de alguns alunos, têm me causado bastante irritação.

Quanto a essa questão, verificamos que no CEFET-MG, há alguns profissionais habilitados para tratar da questão de segurança no trabalho58. Contudo a Coordenação do Setor Médico afirmou que não foi traçado um plano de ação para que o barulho e a poeira das obras não impactassem tanto o andamento das aulas e a saúde dos professores, e porque não dizer, dos alunos também59. Afinal, tanto as salas com capacidade para vinte alunos, quanto aquelas com capacidade para quarenta, sofreram esses impactos. Para tentar se livrar dos incômodos, os professores fecham as portas das salas e, como estas não são climatizadas, pode-se imaginar o calor sofrido por todos, alunos e professores. Além disso, a preocupação aumentou com o surgimento da gripe H1N1, pois, para evitar contaminação, era recomendado que o ambiente fosse ventilado, arejado, não ficar falando e espirrando próximo de outras pessoas. Mas, nesse caso, tais recomendações não poderiam ser seguidas à risca, pois o espaço físico das salas de aula, para poderem se adequar às demandas de universalização do ensino e de profissionalização, foi encolhendo cada vez mais. Hoje, observa-se que a arquitetura e a acústica das salas de aula foram planejadas para, somente, alunos que escutam atenciosamente os professores enquanto estes expõem os conteúdos. Todavia, é impossível não haver a interação do professor com os alunos e dos alunos entre si. E acrescente-se a isso a presença de alunos que exageram na interação e falam sem observar os limites mínimos da boa educação e do bom senso; então, as conseqüências são as descritas pelo professor, desânimo, falta de motivação, e desejo de não ter que conviver com essa situação. Outro aspecto importante a destacar é o fato de que as salas são abafadas, e, em

58 A Coordenação do Setor Médico informou que há, especialistas em Medicina do Trabalho, atuando na

Instituição.

59 Percebemos que o conceito de segurança do trabalho parece não ser extensivo aos professores, a exemplo dos

problemas gerados por ruídos excessivos, poeira, calor e falta de iluminação nas salas de aula. Essa preocupação está tradicional e visivelmente mais voltada para os acidentes com uso de equipamentos, máquinas e possíveis contatos com substâncias tóxicas, inflamáveis ou similares e mais restritos aos ambientes da construção civil e laboratórios. Pareceu-nos que a situação em sala de aula não se encaixa ainda na concepção de situação de risco do tipo citado anteriormente, apesar de, atualmente, a concepção de segurança do trabalho ser multidisciplinar e abranger a exposição aos ruídos, poeira, iluminação inadequada, temperatura e ventilação e outros fatores que trazem risco à saúde do trabalhador, incluído-se, entre eles, na nossa percepção, o corpo docente.

épocas de temperaturas mais elevadas, o calor impede a permanência dos alunos e professores nelas: os alunos reclamam do calor, da sede e do desconforto e, desse modo, é preciso muita habilidade e criatividade para mudar essas condições tão adversas para todos que convivem nesses espaços.

O Professor 05 continua falando sobre as condições de trabalho e revela o porquê do que seja, talvez, maior causa de irritação em seu trabalho, que, somando às outras questões já expostas, pode explicar aquele desânimo que o levou a dizer que professor tem prazo de validade e que o seu está expirando, mesmo fazendo questão de ressaltar que não esteja pensando em aposentadoria, apesar dos aspectos positivos que enumerou no início da entrevista:

Causa intensa irritação quando planejo uma aula em que precisarei de DVD ou Data show, ou TV e os equipamentos não funcionam ou não estão instalados adequadamente. A gente perde, às vezes, 30 minutos de uma aula de 100 minutos tentando solucionar o problema dos eletrônicos, ou às vezes, desisto da atividade e lanço mão de outra “carta na manga”. As salas de aula são menores do que as convencionais porque trabalhamos com número menor de alunos. As salas foram todas reformadas, mas o sistema de ventilação continua precário. A iluminação artificial, às vezes, deixa a desejar, pois, quando queima-se alguma lâmpada, o serviço de reposição é muito lento, então ficamos prejudicados, principalmente durante as aulas do noturno. Essas salas estão equipadas com TV, DVD, CD player fazendo com que o ambiente seja adequado aos nossos propósitos (quando os equipamentos funcionam e estão bem instalados). O que seria genial é se pudéssemos ter uma sala (laboratório) com recursos e acesso à internet.

Apesar de apontar claramente situações que causam desânimo, o Professor 5 diz gostar da profissão, referindo-se a essa escolha e permanência como uma vocação em que somente os vocacionados permanecem. Quanto ao salário,ele o considera desmotivador e diz que já foi pior, apesar de a categoria ter deflagrado inúmeras greves, com reposição de aulas e ajustes no calendário60. Ainda assim, não gostaria de trocar de profissão, e, quando pensa na aposentadoria, vê-se envolvido com alguma atividade em que possa servir ao outro, ligada à educação. Quando avalia o resultado do trabalho, de todo esforço despendido, sente satisfação, posto não haver reprovação direta, pelo aproveitamento obtido: recuperação sim, esta ocorre. Fazendo um balanço de tudo, conclui que ensinar vale a pena, porque o trabalho trouxe resultado para os alunos, isto é, algo deu certo, todavia esperava mais, poderia ser melhor.

60

A Instituição ajusta o calendário, para o cumprimento dos dias letivos, em decorrência de alguns fatores, como as paralisações por motivo de greve e outras intercorrências, o que resulta em aulas aos sábados para a integralização do mínimo estabelecido em lei.

Apesar do apoio e do estímulo que a Coordenação lhe proporciona61, da liberdade de criar, do número mais reduzido de alunos, em sala, diferentemente de outros lugares onde trabalhou, sente certo cansaço e diz não ter mais o mesmo ânimo do início da carreira, quando trabalhava em três turnos diários e tinha turmas com quarenta alunos. Seu tempo de serviço, no CEFET-MG, é de treze anos, mas trabalhou doze anos em outras instituições, e isso parece pesar no seu estado atual, não obstante buscar motivação dentro e fora do trabalho. As 16 horas-aulas diárias, divididas entre oito turmas, estão organizadas assim: em dois dias, ministra seis horas-aulas , com apenas um intervalo de vinte minutos, e em outro um dia, ministra quatro aulas sem intervalo: “nas últimas aulas, o cansaço é visível. São três aulas, intervalo e mais três aulas. Tenho que interagir com os alunos o tempo todo. Eu tenho certos cuidados”. Coloca em prática o que aprendeu com uma Fonoaudióloga, numa palestra, que é tomar água durante as aulas para preservar a voz.

Concluímos ser difícil conciliar o conhecimento sobre os cuidados com a saúde com condições inadequadas de trabalho, quando, por exemplo, a exposição ao ruído constante aumenta os riscos de danos à voz. Há uma cultura de que o próprio trabalhador seja o responsável pela sua saúde e de que as intervenções costumam ocorrer quando já existe um estado crônico de dor, a exemplo das dores na coluna. Na Medicina do Trabalho, ainda não é predominante a idéia e a prática da prevenção, apesar de as discussões serem convergentes nessa direção. Quando se fala em prevenção, a idéia denota individualidade e responsabilidade de cada trabalhador: no caso dos professores, cada um adota um jeito próprio de se preservar. Em certas escolas, os professores já utilizam amplificadores de voz, obtidos com recursos próprios, para atenderem a demanda de números cada vez maiores de alunos em sala de aula. Ou seja, há pouca eficácia no fato de ir ao fonoaudiólogo, e conhecer os riscos do uso abusivo da voz, pois ele tem de ministrar três horas-aulas seguidas, com ruído de obra, do trânsito (as escolas estão localizadas em vias de intenso tráfego), ruído produzido pelos próprios alunos, pelos ventiladores que, certas vezes, mais produzem barulho e irritação do que amenizam o calor, dentre outras condições adversas. É preciso, pois, haver uma otimização das condições em que o trabalho docente se desenvolve, com planejamento em equipe multidisciplinar para que professores possam ter salas de aula compatíveis com as exigências laborais atuais, com um número de alunos adequado à atenção que lhes é devida, com silêncio, iluminação, ventilação e outros meios adequados à produtividade exigida pela Instituição.

Comenta, ainda, haver colegas que ficam muito sensíveis e apresentam problemas de saúde. No entanto, pelo fato de se cuidar bastante, acredita não ter nenhum problema relacionado ao trabalho:

Para relaxar: faço Pilates há quatro anos, duas vezes por semana. O Pilates foi uma questão de problema de coluna, não foi nada ocasionado pelo trabalho, eu sentia dor no final da lombar, era uma dor horrível,os ossos desgastaram e ficava osso com osso.Fiz fisioterapia, o ortopedista me deu três opções, a de emagrecer e fazer atividade física, e emagrecer e fazer cirurgia, sem resultado . Quanto à dor, tive 90% de resultado. Não me afastei do trabalho, o médico achou que não seria necessário. Vou ao shopping para ver vitrines, coleciono filmes, não tenho paciência para ir ao cinema, gosto de assistir filmes em casa... Sou mais família.

Como acontece com muitos trabalhadores, esse Professor não acredita que as dores, na sua coluna, possam estar relacionadas com o fato de trabalhar horas em pé ou sentado e que isso possa, depois de anos a fio nessa condição, ter desencadeado os sintomas apresentados. Cruz e Lemos (2005), afirmam que o ensino é uma prática profissional com características peculiares, geradoras de fatores que causam problemas físicos e psíquicos. Explicitam ainda, que o fato do professor permanecer em bipedestação prolongada e cotidianamente, resulta em dores e no afastamento do trabalho:

O pó de giz, por exemplo, provoca irritações e alergias na pele e nas vias respiratórias. A necessidade de falar incessantemente e alterar o tom de voz repetidas vezes, segundo a clínica médica especializada, provoca calosidade nas cordas vocais. Por último, a quase obrigação da bipedestação de longa permanência causa sobrecargas musculares e para o sistema circulatório, provocando desconforto e/ou dor, levando o docente a afastar-se do ambiente de trabalho e em casos extremos, aposentar-se precocemente. (CRUZ e LEMOS, 2005 apud CASTRO, 1999; FONSECA, 2001).

A jornada de trabalho se estende ao ambiente familiar, hoje com menos intensidade do que no passado, mas sempre há atividades para o Professor fazer em casa, como a pesquisa com fins didáticos que precisa ser feita diariamente. Há sempre algo novo a ser pesquisado, compreendido, e utilizado com os alunos, não há como deixar de adquirir esse conhecimento. Seu envolvimento com o trabalho adentra as horas destinadas ao repouso. Dorme em média oito horas por dia, mas seu corpo pede doze horas de descanso:

Trabalho pra casa? Não tem jeito de não levar. Tenho até espaços aqui, aproveito para corrigir, mas a questão de pesquisa, é um trabalho incessante. Devo gastar três vezes mais do que gasto em sala. Na correção até que sou rápida, mas levo para casa. Na pesquisa levo horas, para selecionar novos textos, novos materiais.

Tem fim de semana em que trabalho, muito a contragosto. Procuro não fazer, mas infelizmente, alguns fins de semana eu utilizo, já utilizei muito mais. De uns cinco anos para cá, utilizo como último recurso.

Apesar de ter conhecimento de que o CEFET-MG disponibiliza aos servidores atividades que possam aliviar a tensão do trabalho, por meio do Programa Qualidade de Vida,

relata que jamais conseguiu conciliar seu horário de trabalho com as oficinas ou outras atividades, como a Yoga, aspecto já apontado nas entrevistas anteriores.

Além desses aspectos, concluiu que como professor, no CEFET-MG, em 2010, o grande desafio é saber lidar com imprevistos e exercitar a paciência. Não obstante tantos desafios implícitos na frase “saber lidar com imprevistos e exercitar a paciência”, declara mais uma vez sua convicção de que não trocaria de profissão: “Quando me aposentar, eu me enxergo fazendo algum trabalho, facilitando a vida de alguém. Não sei se seria em sala de aula, penso em algo ligado à educação”.