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3. ENTRE O IDEAL, OS DESAFIOS, A REALIZAÇÃO E AS EXIGÊNCIAS DA PROFISSÃO

3.2. A RECENTE INSERÇÃO NO CEFET-MG: OS IDEAIS, AS CRÍTICAS E O DESEJO DA

O Professor número 2 está há três anos no CEFET-MG. Cursa o Doutorado, atua nos Cursos Integrados, orienta Projetos de Pesquisa e ministra aulas na Graduação.

Com dez horas de aulas semanais, ele possui cinco turmas, com cerca de quarenta alunos cada uma, sendo responsável por uma média de duzentos alunos, no total. Como podemos observar, suas condições de trabalho implicam, primordialmente, ministrar aulas em cursos de níveis diferenciados, com disciplinas diferenciadas também. Faz parte de sua jornada o trabalho na Coordenação de Área onde está lotado, cumprindo função administrativa, além da orientação em Projetos de Pesquisa; concomitantemente ao cumprimento das quarenta horas semanais, cursa ainda o Doutorado.

Ao falar sobre a escolha da profissão, afirma: “Sempre gostei de estudar, achei que seria a profissão mais condizente com esse perfil”. Revela que não pensou nas condições de trabalho; sua motivação inicial deveu-se às experiências positivas vividas como aluno, tendo convivido com bons professores: “Pensava naqueles bons professores que eu tinha, eles eram o meu referencial de análise, eu queria ser igual a eles”. Para ele, a escola era boa, havia condições para o trabalho docente, os alunos eram interessados, e isso “aliviava as outras cargas de adversidade, de falta de apoio didático e pedagógico”. Seu imaginário de ser professor continha a idéia de que o ato de ensinar trazia uma condição especial, privilegiada pelo aspecto intelectual que o envolve: “Não pensei nas condições de trabalho, nas adversidades...”. Ainda entre o trabalho idealizado e a realidade encontrada, acrescenta: “Na hora de exercer a profissão, com certeza, houve uma diferença”, nesse momento, revela que

foi surpreendente esse começo junto aos alunos . Sobre essa “surpresa”48, comenta que quem quer ser professor se vê na sala de aula, mas a sala de aula é uma parte micro do trabalho, há todo um conjunto que vai se revelando aos poucos como os colegas, pessoal técnico- administrativo, gestores e todo o quadro funcional que compõe o universo educacional: “Tem os relacionamentos, a gestão sobre os recursos humanos; a questão do salário nem se fala porque não depende da escola, é uma questão macro”. Afirma que após o ingresso no magistério, o professor se depara com os problemas, e, daí em diante, precisa lidar com eles: “ E aí vem a surpresa49,” conclui ele com ar meio risonho, demonstrando ter clareza, agora, quanto aos entraves e desafios da sua profissão, porém sem expressar desânimo, amargura ou rancor.

Revela que o regime de trabalho (Dedicação Exclusiva), o salário e o ambiente são aspectos positivos que o motivam no cotidiano escolar. Posteriormente indica que o mesmo ambiente, que tem aspectos positivos, tem, também, outro lado que gera desgaste em seu dia- a-dia.

Sobre os fatores de desmotivação, declarou que problemas atinentes ao uso de equipamentos, a relacionamentos e material didático são os mais incômodos. Para resolver tais problemas, usa alternativas para ministrar as aulas, quando os equipamentos de que necessita estão indisponíveis, o que ocorre freqüentemente, posto que a demanda por esses é maior que a oferta. Mesmo fazendo a reserva com antecedência, não há garantia de disponibilidade: existem problemas técnicos e muita procura. Na sua Coordenação, por exemplo, há um projetor multimídia disputado por 28 professores. Além do mais, é preciso transportar o equipamento para a sala de aula, pois as salas não são equipadas para o uso de recursos eletrônicos, e quem faz isso é o próprio professor. O suporte técnico, por parte do pessoal de apoio, é insuficiente ou inexistente: dependendo do horário, o funcionário tem vários professores para atender, então não se pode contar com sua ajuda. Para evitar transtornos, exclui determinados recursos das suas aulas ou, então, reserva o equipamento; todavia, prepara um “plano B”, alternativo, para as contingências diárias.

Ao tentar resolver os problemas da estrutura organizacional deficiente, procura minimizar os impactos disso no seu trabalho, pois, se um equipamento não funciona e o professor não apresentar alternativa, os alunos pensam que o professor não planejou as aulas.

48Grifo nosso. Nesse momento, o entrevistado enfatizou, com certo bom humor, que essa descoberta do que vem

Sua preocupação é pertinente; decerto, para os alunos, a responsabilidade das aulas é do professor, pois este é quem convive com eles, quem compartilha, diariamente, o ambiente da sala de aula e é o sujeito que recebe as críticas se algo dá errado, porque é a pessoa que está mais próximo e no papel de regente nas classes. Seu relato expressa ser tenso esse momento em que as incertezas relativas ao desenrolar do trabalho se apresentam. Ele parece ter a sensação de alívio quando termina o último horário, pois nesse momento, tem a exata dimensão entre o previsto e o realizado.

Quanto à questão de relacionamento: “diante das dificuldades, seleciono as pessoas interessantes e ignoro as outras”. Comenta que tem bom relacionamento com alguns colegas, mas com outros, nem tanto, por isso, sempre que possível, evita o convívio com aqueles com quem o relacionamento seja dispensável.

Sua descrição sobre o ambiente de trabalho é a seguinte:

O ambiente deixa a desejar. O espaço físico é reduzido (...). A iluminação melhorou no último ano. Não há integração dentro da escola, não conhecemos, por exemplo, os outros professores que trabalham na mesma turma, o relacionamento nem sempre é o ideal, pois existem conflitos e questões políticas envolvidas. O relacionamento com os alunos julgo bom; recursos didáticos disponíveis são escassos, o que é preocupante por se tratar de uma instituição de excelência tecnológica.

Observa ainda que o espaço da sua Coordenação é mínimo para o número de profissionais existentes, para as demandas exigidas pela Instituição: “parece um depósito de professores”. Critica o fato de que certas coordenações dispõem de recursos e equipamentos, espaço físico adequado e outras, não: “ A cobrança é igual para todos, mas as condições são diferenciadas”. Considera que na Instituição, há várias realidades e várias condições de trabalho: há privilégios, número de aulas diferenciado, dependentemente do professor e da área, número de alunos, e de laboratórios diversos para alguns. Sugere, ainda, que sua disciplina deveria dispor de salas-ambiente para que o professor desenvolva melhor seu trabalho.

Segundo o Professor 2, esses problemas poderiam ser resolvidos, pois são relativos à gestão de recursos materiais, financeiros e de pessoal: na sua opinião, os gestores de maior hierarquia precisam conhecer a realidade de trabalho dos professores, das coordenações e verificar como se relacionam os professores, o que lhes é disponibilizado para o trabalho diário. Deveriam visitar os locais de trabalho docente para melhorar tais espaços, o que possibilitaria aos professores o atendimento das demandas institucionais em espaços físicos adequados e com os meios necessários, também.

Sobre a comunicação interna, ressalta que há certa precariedade, certo distanciamento entre setores que são fundamentais para o apoio ao trabalho diário: na Instituição, há falta de informação e de comunicação. Ele informa que, quando precisou de apoio em sala de aula, por questão disciplinar, dirigiu-se à Coordenação de Disciplina e foi atendido prontamente, mas depois, não soube dos encaminhamentos, pois não há essa integração. Ressalta que isso gera uma sensação de estar desprotegido na Instituição, e isso só reforça um sentimento crescente de incerteza e essa é a sensação descrita por ele.

Quanto ao aspecto da saúde, declara que nesses anos, nunca precisou de licença para tratamento de saúde, mas se queixa de que: “às vezes tenho insônia pensando no trabalho, dores nas pernas por ficar em pé durante as aulas e stress”. Quando ministra seis aulas por turno, sente dificuldade no uso da voz: há falta dela ou é difícil seu uso. Isso se dá nos dias em que ministra seis aulas, por exemplo. Não recebeu nenhuma instrução ou treinamento para o uso correto da voz, sobre a postura em sala de aula para evitar dores nas pernas ou outras conseqüências, por ficar tanto tempo em pé. Em outras instituições em que trabalhou, recebeu algumas informações. Acrescenta outro aspecto que gera tensão no cotidiano docente: há uma crença de que o professor é dono da sala de aula, é o gestor do tempo, dos conteúdos, dos planos de trabalho, mas ele contraria essa idéia, pois afirma que há mecanismo de controle sobre o professor para o cumprimento da carga horária e dos conteúdos, independentemente da condição de sua saúde. A existência da Avaliação Somativa (AS)50, com conteúdo obrigatório mínimo por disciplina, faz com que o docente se sinta pressionado a cumprir o cronograma de trabalho, mesmo se não estiver em perfeitas condições de saúde. Se o professor faltar às aulas, mesmo com licença médica, certamente terá que repor as aulas para que os alunos não tenham perda de pontos nas Avaliações Somativas. Sendo assim, o Professor 2 considera que quatro aulas, no máximo, com intervalos, seria o ideal por dia de trabalho.

Sobre tais aspectos, assinalamos que esse é um professor jovem e, talvez, por essa condição, ainda consiga se abster de repousar quando seu corpo e sua voz pedem isso; no entanto, o tempo, num futuro bem próximo, certamente revelará que essa é uma atitude de risco à sua saúde e à própria qualidade do seu trabalho, vindo, inclusive, a impossibilitar essa

50

As avaliações Somativas ocorrem a cada fim de semestre e são obrigatórias, com conteúdos definidos pelas Coordenações. Os professores precisam ficar atentos ao cumprimento do conteúdo, pois as provas são aplicadas às turmas em calendário estabelecido pela Diretoria e o conteúdo básico das mesmas deve ser comum a todas. As provas são elaboradas pelos professores de cada Coordenação, analisadas pela Coordenação Pedagógica e aplicadas por séries, de acordo com as disciplinas, portanto as provas são unificadas, daí a necessidade dos conteúdos serem trabalhados na sua íntegra, para não haver distorções e prejuízos aos alunos.É nesse sentido que o Professor 2 analisa haver controle.

jornada de trabalho nas condições em que se dão atualmente .Aliás, alguns sintomas descritos por esse jovem professor já demonstram que seu corpo está dando sinais de alerta e que algo já vem comprometendo sua saúde, haja vista a queixa de insônia, dores nas pernas e estresse.

O Professor 2 enfatiza que leva bastante trabalho para fazer em casa, pois não consegue fazer tudo de que precisa no ambiente de trabalho. Conforme salientou anteriormente, não há espaço adequado para leitura, correção e planejamento das atividades diárias. Nesse sentido, afirma que sua casa se transforma num ambiente de trabalho: “Você não diferencia o que é um dia útil de um fim de semana”. No tempo que seria livre, para o lazer e descanso, não consegue ter um tempo para si de fato, posto que as demandas do trabalho o absorvem. No pouco tempo que sobra, tem que dar atenção para a família, então nem percebe se tem tempo para si próprio. Suas palavras nos remetem às reflexões de ARROYO (2009), que nos indaga sobre esse outro ser que há em nós, o ser professor. Afirma que carregamos para a escola, para casa e para os congressos o nosso intenso sentimento de ser professor e quase não conseguimos separar a vida pessoal do ofício de professor, e então, nossas casas se transformam em extensão do nosso trabalho, ampliando nossa jornada e tornando invisível, aos olhos dos outros, o nosso labor. Para as pessoas em geral, é como se num passe de mágica as notas aparecessem nos boletins, nos diários eletrônicos, tanto quanto as aulas ministradas nas escolas: um trabalho invisível, não reconhecido e não valorizado, mas que demanda esforço, tempo e investimento pessoal. Na era da tecnologia da informação, quantos de nós utilizamos parte do orçamento familiar para comprar laptops e outros equipamentos eletrônicos a fim de cumprir as metas, os prazos e as demandas do trabalho docente? A sensação é de que a tecnologia nos aprisiona cada vez mais, ficando muito mais distante a possibilidade de desconectar vida pessoal do ser professor e, conforme concluiu Arroyo, mais do que uma profissão, parece que a condição de professor é um modo de ser permanente:

Problematizar-nos a nós mesmos pode ser um bom começo, sobretudo se nos leva a desertar das imagens de professor que tanto amamos e odiamos. Que nos enclausuram mais do que nos libertam. Porque somos professores. Somos professoras. Somos, não apenas exercemos a função docente. Poucos trabalhos e posições sociais podem usar o verbo ser de maneira tão apropriada. Poucos trabalhos se identificam tanto com a totalidade da vida pessoal. Os tempos de escola invadem todos os outros tempos. Levamos para casa as provas e os cadernos, o material didático e a preparação das aulas. Carregamos angústias e sonhos da escola para casa e de casa para a escola. Não damos conta de separar esses grupos porque ser professoras e professores faz parte de nossa vida pessoal. É o outro em nós. Por vezes nos incomoda esse entrecruzamento de tempos e de vivências. De papéis sociais. Tentamos despir-nos dessa condição que se incorporou em nós. Tentamos afirmar-nos, profissionalizar nossos tempos, não misturá-los com visões antiquadas de vocação ou de amor. Gostaríamos de libertar-nos desses entrecruzamentos e

reduzir o magistério a um tempo profissionalmente delimitado. E, tendo cumprido esse tempo, esquecer de que somos professores (ARROYO, 2009, p. 27).

No CEFET-MG, há o Programa Qualidade de Vida que tem como objetivo oferecer atividades aos servidores docentes e administrativos, para que tenham oportunidade de praticar atividades físicas, exercitar o corpo por meio de Yoga, oficinas de dança e outras atividades no próprio local de trabalho. É importante ressaltar que, em suas entrevistas, os Professores 1 e 2 destacam a grande importância de tais atividades, contudo observam que os horários restritos inviabilizam a participação docente sugerindo que uma ampliação dos horários ofertados para tais exercícios físicos poderia atingir um número maior de professores. No entanto, quanto à vivência na Instituição, as críticas do Professor 2 não expressam a vontade de deixar a profissão de modo algum, já que demonstra ter envolvimento com o trabalho, a exemplo da sua produtividade reconhecida publicamente na instituição. Decerto expressa o desejo de que as relações e as condições de trabalho sejam outras, mais adequadas ao quadro de demandas que hoje se apresentam aos docentes. Ressalta que todos os seus passos vão na direção de uma maior qualificação para o exercício da profissão, no sentido da permanência, pois espera que seu futuro seja mais promissor, e que a situação geral dos docentes mude para melhor: “Minhas ações são no sentido de continuar, invisto pra continuar, é o sentido da esperança...”.

Quanto ao sentido de ser professor hoje, para ele, reside no desafio que é cuidar da aprendizagem, e conclui os grandes desafios, mesmo, seriam a redução de alunos por turma e “condições de trabalho iguais para todos”.

Nesse caso, o Professor 2 sugere uma mudança na concepção de gestão, para que todos os aspectos e profissionais que compõem a Instituição sejam valorizados da mesma maneira, sob os mesmos critérios, o que, na sua crença em um futuro melhor, é perfeitamente viável com ações que se proponham a convergir nessa direção, sob a forma de um estilo de gestão administrativa cada vez mais dialógica em todos os níveis de atuação, com maior democratização dos espaços e recursos, evitando-se que conforme o grau de poder político, de barganha e de persuasão, esta ou aquela Coordenação, este ou aquele Departamento, este ou aquele professor, individualmente, tenha melhores ou piores condições de trabalho. Desse modo, a qualidade de vida e a saúde dos docentes serão consequência, e haverão de reduzir afastamentos e aumentar o nível de satisfação no desempenho profissional.

3.3. O PRAZER DE SER SOCIALMENTE ÚTIL, A REALIZAÇÃO E O DESEJO DA