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Capítulo II – Estágio curricular em Farmácia Hospitalar

4. Farmacotecnia

4.2. Preparação de fármacos citotóxicos e biológicos

Os agentes citotóxicos ou citostáticos são utilizados no tratamento de neoplasias malignas quando a cirurgia ou a radioterapia não são possíveis ou se mostraram ineficazes, ou ainda como adjuvantes da cirurgia ou da radioterapia como tratamento inicial [13]. Este tipo de fármacos, devido à sua perigosidade e aos elevados riscos associados à manipulação, exige condições de segurança que devem ser estritamente cumpridas, como indicado no Manual

Boas Práticas Farmácia Hospitalar.

Nos SFH, a preparação de produtos citotóxicos e/ou biológicos é feita numa área limpa com entrada do farmacêutico por uma pré-sala, tal como na produção de manipulados estéreis. Contudo, devido à necessidade de proteger o operador e o exterior de contaminação por citotóxicos, a sala de preparação está equipada com uma câmara de fluxo laminar vertical de classe II 2B com filtros HEPA. Assim, a pressão na sala deve ser negativa e na pré- câmara positiva (> 1 mm H2O), minimizando a contaminação da sala limpa pelo ar do exterior.

Também difere no material usado que é bastante mais impermeável e resistente, nomeadamente a bata (que é fechada à frente e com punhos ajustados), o uso de 2 pares de luvas (estas devem ser mudadas de 30 em 30 minutos, devido ao fator tempo e à permeabilidade das luvas) e a máscara do tipo bico de pato.

O setor de farmacotecnia do CHCB apresenta procedimentos normalizados definidos para a reconstituição dos citotóxicos e para os acidentes que envolvem os mesmos. Na farmácia existem três kits de SOS em caso de derrame de citotóxicos distribuídos pelas áreas críticas onde se encontram os mesmos: na área receção, no armazém geral e na sala de preparação. Estes kits são constituídos por: vestuário descartável (máscara de proteção respiratória (P3), luvas apropriadas para o manuseamento de citotóxicos, óculos de segurança, touca, protetores de sapatos, bata impermeável com frente fechada e mangas compridas e punhos de elástico, por forma a ficarem justos), contentor rígido estanque para cortantes, compressas absorventes, resguardos absorventes descartáveis, material de demarcação (fita adesiva grossa e marca de perigo na zona com proibição de passagem) e saco de lixo de plástico espesso de cor vermelha.

No exterior do sistema modular de salas limpas para a preparação de citotóxicos encontra‐se armazenado um pequeno stock de citotóxicos injetáveis, soros e outros

medicamentos utilizados como pré‐medicação em quimioterapia (armazém 13), material clínico necessário à preparação dos citostáticos e o arquivo em suporte de papel e informático que apoia a área. Contudo, alguns produtos são fornecidos também pelo armazém central (10), havendo assim transferências de produtos do armazém 10 para o armazém 13. Os stocks do armazém 13 são contados semanalmente e as matérias-primas armazenadas no laboratório dos manipulados não-estéreis mensalmente, para verificar se o stock no sistema informático corresponde ao existente [4].

Durante o estágio tive a possibilidade de acompanhar todo o procedimento na preparação de citotóxicos, onde pude verificar que esta é sempre precedida de prescrição médica com base nos protocolos previamente inseridos na aplicação informática e validada pelo farmacêutico, após comunicação de um enfermeiro que informa quando o doente está preparado para efetuar tratamento. Além de receber confirmações eletrónicas, também tive a oportunidade de certificar se os cálculos estavam corretos mediante a superfície corporal do doente e o protocolo específico para cada fármaco, bem como do dia e do ciclo correspondente. Por exemplo, para validar os cálculos do citotóxico pemetrexedo são necessários dados da superfície corporal (peso e altura) e da idade, como acontece na grande maioria dos citotóxicos. No entanto, existem certos fármacos, como a carboplatina, que necessita de mais dados (idade, peso, altura, género, creatinina sérica e AUC alvo) para poder validar os cálculos através da fórmula de Calvert. Após a validação imprime-se o rótulo, sublinhando sempre a cor, a palavra “citotóxico”, quando aplicável. Após a preparação, é colocado sempre o rótulo com indicações do fármaco, dose, nome e processo do doente. É fundamental a confirmação, por parte do farmacêutico, da indicação contida nos rótulos [4]. Para este efeito, tive a oportunidade de auxiliar na preparação dos rótulos e preparar a pré-medicação (ondansetron, dexametasona), sob supervisão farmacêutica. Também acompanhei e colaborei na preparação de uma bomba perfusão de 7 dias de 5-fluorouracilo (5-FU), que é a solução injetável, administrada através de sistema de perfusão portátil em elastómeros, mais frequentemente preparada nos SFH do CHCB. Ainda tive a possibilidade de assistir na preparação de um medicamento biológico, a alglucosidase alfa, indicada na terapêutica de doentes com um diagnóstico confirmado de doença de Pompe. Esta doença é uma miopatia metabólica rara, progressiva e fatal que deriva da deficiência de uma enzima hidrólase natural, a ácido α-glucosidase (GAA) que produz a degradação do glicogénio lipossómico em glucose. A deficiência dessa enzima leva a acumulação de glicogénio em vários tecidos, especialmente no coração, músculo respiratório e esquelético, resultando no aparecimento de vários problemas de saúde [14,15].

Após a validação da prescrição, é elaborado em suporte de papel o perfil farmacoterapêutico de cada doente, onde registam os dados do doente, nomeadamente idade, peso, superfície corporal, patologia e protocolo prescrito. Neste perfil é registado, a cada dia do ciclo, toda a terapêutica instituída. É emitido também um mapa, em duplicado, onde consta a identificação do serviço, do doente, com os respetivos dados (idade, peso, altura, superfície corporal, creatinina), patologia, protocolo prescrito com respetiva

indicação dos dias do ciclo e medicação prescrita com respetivas vias de administração, tempo, ordem e solvente. Um dos mapas segue com a medicação para o Hospital de dia enquanto o outro fica arquivado junto ao perfil farmacoterapêutico do doente. É fundamental que os citotóxicos diluídos em soros para perfusão sejam sempre devidamente rotulados e embalados em papel de alumínio, mesmo que não necessitem proteção da luz, para minimizar erros e permitir uma rápida identificação de produto citotóxico na enfermaria [4].

Aquando da preparação do citotóxico existem algumas normas que devem ser tidas em conta para evitar derrames e acidentes, como a utilização de seringas e outros materiais com conexões luer-lock e o uso de spikes em vez de agulhas. Este sistema evita a sobrepressão dentro do frasco e consequente risco de dispersão de aerossóis, porque permite a entrada de ar no frasco de citotóxico após passagem por um filtro de retenção de partículas, compensando assim as pressões. Quanto às seringas a utilizar, estas devem ter capacidade superior ao volume a ser preparado, e são usadas compressas esterilizadas sempre que se manuseiam os frascos ou seringas que contenham citotóxicos. Os resíduos resultantes da manipulação de citotóxicos devem ser incinerados (a temperatura mínima de 1100ºC) e devem estar devidamente identificados com um rótulo contendo a indicação “Lixo Citotóxico”. O material cortante deve ser posto na biobox que depois é colocada em sacos de cor vermelha para a incineração. Também as luvas, bem como o restante equipamento deverão, após a finalização da preparação, ser colocados nestes sacos. Estes resíduos são perigosos e pertencem ao grupo IV, segundo a classificação e eliminação dos resíduos hospitalares.

Após a conclusão do trabalho, cada preparação é confirmada ao que foi prescrito, dá- se atenção a integridade física das embalagens, prazo de validade, ausência de precipitados e de partículas em suspensão. Em caso de não conformidade deve ser elaborado um relatório que justifique a rejeição da preparação. No final de cada dia é gerado um mapa resumo de todas as preparações realizadas, que é validado pelo farmacêutico.

Por fim, a distribuição do citotóxico, com a pré-medicação (caso seja prescrita) e a respetiva ficha de preparação, para o serviço onde vai ser administrado é feito pelo AO, numa maleta hermética devidamente identificada com o rótulo vermelho “citotóxico” e estanque, de modo a evitar acidentes.

Relativamente a gestão de qualidade, este setor tem como objetivo minimizar o tempo de entrega e preparação de citotóxicos, sendo que este tempo não deve ultrapassar as 2 horas. Quanto aos testes de esterilidade de produtos preparados assepticamente, estes não devem incluir produtos citotóxicos devido ao perigo acrescido de manipulação dessas substâncias. É salientar ainda que, devido ao potencial efeito mutagénico, teratogénico e carcinogénico dos citotóxicos, a sua manipulação deve estar vedada a determinados grupos de risco nomeadamente: as grávidas e lactantes; mulheres que tenham tido abortos espontâneos ou filhos com malformações congénitas; pessoas com história clínica de dermatoses, alergias, cancro, imunodepressão e anemia e todos aqueles que estiveram sujeitos a tratamento com

citostáticos; pessoas em tratamento por radiações ionizantes ou citotóxicos e pessoal com diminuição acentuada de acuidade visual [4].