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PARTE II FASE DE PLANEJAMENTO

CAPÍTULO 5 GEORAMA: MAPA DA PERFORMANCE DOCENTE

5.1 PRIMEIRA REFERÊNCIA DE NAVEGAÇÃO: COMPETÊNCIA

Se o conceito de performance tem uma compreensão de mensuração da eficiência, a noção de competência não é muito diferente. Em educação, ela tem sido compreendida na perspectiva de um desempenho profissionalmente qualificado. Por isso, se esclarece o lugar que a competência ocupa como uma das dimensões de análise da performance docente no processo de elaboração de materiais didáticos para mediação pedagógica em EaD.

Perea, Ricardo e Bravo (1997) diferenciam saber e fazer entendendo a competência como “a capacidade de desenvolver, de forma idônea, uma atividade ou tarefa. Refere-se ao conjunto de conhecimentos e habilidades essenciais, assim como às atitudes. É o que se sabe e o que se sabe fazer”. O desempenho é visto, por eles, como “a conduta real no desenvolvimento dos deveres e obrigações. É o que na realidade se faz” (p.06).

Averbug (2003) não diferencia saber e fazer porque “a competência manifesta-se na ação. Ser competente é saber mobilizar o que se aprendeu, experiências, habilidades e conhecimentos adquiridos e colocá-los em ação em diferentes situações”. (p. 04). Para Machado (2002), “uma competência está sempre associada a uma mobilização de saberes. Não é um conhecimento ‘acumulado’, mas a virtualização de uma ação, a capacidade de recorrer ao que se sabe para realizar o que se deseja, o que se projeta.” (p.145).

Do ponto de vista da mobilização dos saberes na ação, a transposição didática exige competência docente de primeira grandeza na transformação dos saberes científicos em saberes educacionais. Com Freire (1999) sabe-se que a competência qualifica o professor na autorização profissional. A competência implica no desenvolvimento do conhecimento na ação. Aparece como um esquema de ação na medida em que se mobilizam saberes e estratégias nas funções docentes.

A competência e as habilidades são princípios-chave das reformas educacionais e curriculares implementadas a partir da década de 90 no Brasil. Aparecem com grande peso nas DCN dos cursos de licenciatura e nos Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN) para o ensino fundamental e médio. Conforme Ricardo (2005), a discussão em torno das competências, que se localizam na interface

educação e trabalho, exige envolvimento dos pesquisadores. O ensino por competências tem forte influência na educação técnico-profissional e na relação imediata entre campo de trabalho-escola.

Os resultados da análise de políticas educacionais na área do ensino de ciências, realizada por Ricardo (2005), indicam a falta de clareza entre os professores sobre as definições e diferenciações entre competências e habilidades. Na leitura dos professores, as competências se confundem com objetivos e metas de planos de ensino ao invés de direcionar conteúdos.

Perrenoud (2000; 2002) é um dos autores que desenvolvem o conceito de competência em educação. Ele explicita diferença entre as competências a ensinar e as que se referem ao trabalho docente. As possíveis aproximações das suas obras com os princípios da ação e criação da Teoria da Rede de Mediadores (TRM) servem de parâmetro para mapear a competência didático-metodológica na elaboração de materiais para mediação pedagógica. No processo de transposição didática, diante da pertinência dos saberes sábios e das práticas sociais de referência, competências precisam ser mobilizadas nas prioridades conceituais e formalização da consistência contextual.

A competência constitui-se num desafio na performance docente no processo de elaboração de materiais didáticos, tendo em vista que se exige um saber da área científica (ao saber sábio), além de um saber-fazer didático. E, tratando-se da modalidade a distância, envolve todo um conjunto de especificidades com as quais o corpo docente nem sempre está acostumado a lidar, tais como a interação a distância, mediada pelas tecnologias, e as atividades em equipes multidisciplinares.

Nessa investigação, compreende-se a competência como princípio

epistemológico na performance docente, enquanto dimensão científica e didática

do processo de elaboração de materiais para mediação pedagógica a distância. Os limites e os desafios das escolhas didáticas, a necessidade de um planejamento, ao mesmo tempo estratégico e flexível, requer competência inédita diante dos programas curriculares, das políticas educacionais, dos princípios pedagógicos previamente definidos nos projetos pedagógicos e dos conhecimentos científicos.

A transposição didática e a proposição de materiais que potencializem a mediação pedagógica a distância exigem competência no enfrentamento da cultura de reprodução. Ultrapassar os níveis da representação e alcançar a esfera da autoria, central na performance, implica em: buscar informações, escolher

adequadamente e tomar decisões que sustentem um processo ensino- aprendizagem mais significativo. Ou seja, saber “lidar” com a multiplicidade de mediadores H-NH que influenciam na elaboração de materiais didáticos para EaD. A competência didático-metodológica pode ser sustentada pelo seu acoplamento com os princípios da autonomia e do desejo como elementos centrais da performance docente.

A elaboração de material didático para mediação pedagógica em EaD apresenta-se como situação-problema para os professores-autores e designers de mediação que: a) durante seu percurso profissional atuaram basicamente na modalidade presencial; b) em grande medida utilizaram os livros didáticos e c) conceitos como transposição didática, contrato didático, práticas sociais de referência, podem ser considerados eixos curriculares negligenciados nos cursos de formação inicial, especialmente nos bacharelados.

A competência emerge como princípio na performance docente, enquanto ponto de tensão da dimensão científica (saberes sábios) e didática (saberes pedagógicos e metodológicos) necessários ao processo ensino-aprendizagem. A competência assume a característica de um saber fazer, mas não se limita ao exercício da seleção de materiais. A esse saber-fazer está ligado um conjunto de soluções e estratégias que agenciam a congruência entre a elaboração de novos materiais ou sua reelaboração de acordo com o programa de conteúdos e os princípios pedagógicos. No lastro da TRM implica na elaboração de mediadores H- NH que contemplem delegações. Com Perrenoud (2000), fica claro que a competência não é só domínio científico ou metodológico, tampouco, somente pedagógico.

Em se tratando de EaD, a competência se localiza na proposição de alternativas metodológicas, planejamento de atividades mediadas pelas tecnologias de comunicação, estratégias inovadoras, situações peculiares de avaliação e priorização de redes conceituais diferenciadas no interior do processo ensino- aprendizagem. A competência requer o trânsito pelos conhecimentos e experiências de domínio da ciência e tecnologia que se pretende ensinar, bem como da didática, das abordagens pedagógicas, da metodologia e da pesquisa. Isso significa, que o saber e o saber-fazer na performance docente demandam uma sólida formação teórica. (CARVALHO e PÉREZ, 2002).

O espaço para discussão das competências, atreladas à transposição didática, já é contemplado pelas DCN. O que reforça a indicação de serem incorporadas durante os cursos de licenciatura.

O saber sábio, até ser transformado em saber a ensinar e ensinado, percorre uma longa trajetória que vai desde os laboratórios científicos, cursos de pós- graduação, publicações, eventos, livros didáticos até serem decompostos e recompostos no processo ensino-aprendizagem. Processo contemplado pelos postulados da TRM.

A competência no processo de transposição didática envolve a dimensão didático-pedagógica nas diferentes abordagens psicológicas, sociológicas ou filosóficas que caracterizam o processo ensino-aprendizagem. A mediação reivindica uma organização didático-metodológica de acordo com um modelo pedagógico que prioriza ou a transmissão-recepção ou o comportamentalismo ou gera um movimento construtivista agenciando H-NH.

Chevallard (1991) fala no exercício da vigilância epistemológica aproximando- se especialmente do campo conceitual da competência. Se a competência se manifesta como princípio epistemológico da performance docente, implica o desafio da incorporação do contrato didático nos materiais didáticos. Contrato esse explícito em componentes dos materiais, tais como objetivos, apresentações, comentários de motivação, atividades de aprendizagem e de avaliação, prazos e critérios.

Em EaD, a performance docente requer competências para o trabalho em equipe. As responsabilidades se acentuam diante da multirreferencialidade dos modelos pedagógicos, da interação, autonomia e cooperação. As competências que sustentam os conhecimentos e ações dos professores-autores e desingers de mediação na modalidade presencial e nas situações de pesquisa não se desfazem em função das situações criadas no contexto da inovação na docência universitária.

Perrenoud (2000) define competência como “capacidade de mobilizar diversos recursos cognitivos para enfrentar um tipo de situações.” (p.15). Os saberes, as decisões, disposição para o diálogo, resolução dos problemas, a motivação, cooperação e interação são aspectos que explicitam a mobilização desses recursos no interior das ações. Desse ponto de vista, na performance docente, a mobilização dos saberes na elaboração de materiais didáticos implica em vários componentes relativos à diversos campos: conteúdos específicos, conhecimento didático-metodológico, formação escolar, aderência aos projetos

pedagógico, gráfico e design de mediação, características hipermidiáticas dos objetos de ensino-aprendizagem e ambientes virtuais, adequação ao nível dos estudantes.

O detalhamento das competências gerais e específicas, dos diversos níveis ou sub-níveis, não é prioridade dessa investigação. Da mesma forma, como a mensuração do desempenho não o é. Nesse estudo, a ocupação é mapear, registrar e analisar a competência nas suas dimensões científica e didática no acoplamento com os princípios da autonomia e do desejo na performance docente.

De acordo com os critérios e objetivos de investigação, destacam-se dois aspectos a partir das indicações de Perrenoud (2000):

1. Organização e direção de situações de aprendizagem, que o autor

decompõe em cinco especificidades: a) conhecer, para determinada disciplina, os conteúdos a serem ensinados e sua tradução em objetivos de aprendizagem; b) trabalhar a partir das representações dos estudantes; c) trabalhar a partir dos erros e dos obstáculos à aprendizagem; d) construir e planejar dispositivos e seqüências didáticas, e) envolver os estudantes em atividades de pesquisa, em projetos de conhecimento; 2. Administração da progressão das aprendizagens.

O primeiro ponto é extremamente importante, pois reflete as dimensões científica e didática necessárias à competência. O conhecimento dos saberes sábios da área é o que confere ao professor universitário autoridade para providenciar a seleção de conceitos prioritários para composição do material didático. Nesse ponto, Chevallard (1991) e Perrenoud (2000) concordam quando se referem à necessidade de se incorporar ao trabalho docente o conhecimento dos saberes da área e a transposição desses em conteúdos a ensinar.

A tradução dos conceitos em objetivos de aprendizagem configura um dos elementos centrais da dimensão didática na performance docente. Constitui-se num dos principias desafios. Bloom, Krathwohl e Masia (1974) realizaram um longo estudo, amplamente divulgado em educação e propuseram uma “taxionomia dos objetivos educacionais,” dividida em três domínios: cognitivo, afetivo e psicomotor.

Nas décadas de 1970 e 1980 a discussão em torno dos objetivos esteve amplamente presente no campo da didática e metodologia do ensino. Bordenave e Pereira (1986) defendem que a formulação de objetivos orienta a escolha e proposição de estratégias de ensino-aprendizagem, melhorando o planejamento. Para eles, a determinação de objetivos é importante “para o professor, na tarefa de

selecionar o conteúdo relevante para seu programa e os procedimentos didáticos mais adequados para a consecução destes objetivos e, para o aluno, na percepção do que foi definido como fundamental neste curso e na maneira de organizar seus esforços para alcançar os objetivos do mesmo.” (p.84-5).

Martins (1989) afirma que, no campo da didática, a determinação dos objetivos de ensino é pressuposto da competência docente, sendo fundamental, na organização de métodos e técnicas de ensino, recursos materiais e formas de avaliação, bem como do conteúdo a ser trabalhado. A autora alerta que, “na prática cotidiana, os professores, no entanto, se contrapõem aos pressupostos da Didática Teórica, pois o professor não participa, na maioria das vezes, da elaboração dos objetivos que irá perseguir.” (p.27).

Esses autores defendem que existe uma relação estreita entre os conteúdos a ensinar e os objetivos. A competência na performance docente se revela na conformidade entre conteúdos e abordagem pedagógica expressa nos objetivos formulados para cada texto. A competência emerge nos critérios de seleção dos conceitos, na formulação dos objetivos, na relação com as estratégias de aprendizagem, atividades de estudo e avaliação.

Já a partir da década de 1990 a discussão em torno dos objetivos perdeu um pouco o fôlego dando espaço para pesquisas e publicações em torno da emergência da formação do professor-pesquisador, articulação teoria-prática, incorporação de tecnologias da informação e comunicação, inter/pluri/trans/multidisciplinaridade.

Além disso, a elaboração das atividades de ensino-aprendizagem envolve o conhecimento dos processos gerais de desenvolvimento e de aprendizagem, além das especificidades de conteúdo e didático-metodológicas de cada área.

Na perspectiva das concepções construtivistas, especialmente da Aprendizagem Significativa defendida por Ausubel e seguidores, o diagnóstico dos conhecimentos prévios dos estudantes e suas possíveis dificuldades de aprendizagem também são aspectos relativos à competência.

A cartografia da performance docente depende, em certa medida, desse esclarecimento em torno das dimensões científicas e didáticas que qualificam a competência. Isso não tem nada haver com roteiros, guias, passos de ação, regras, listagens e taxionomias. Está num outro plano; num espectro teórico que admite a relação H-NH, que permite linhas de fuga, criações, autoria. Povoa a intencionalidade, a beleza, a satisfação e a potencialidade da mediação pedagógica

organizada pelos professores-autores e designers de mediação nos materiais didáticos impressos e hipermidiáticos no âmbito das equipes multidisciplinares.