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2. CAMINHOS PERCORRIDOS

2.1. Primeiros vestígios e fontes

Ao iniciar a preparação para a nossa jornada-pesquisa, identificamos a necessidade de estabelecer referências para a densidade com que ela se apresentava. Mas, como fazer isso sem ter nenhum mapa anterior para planejar a

caminhada a ser trilhada?

Foi então, que eu e o orientador, numa situação semelhante à dos viajores, decidimos procurar os vestígios históricos que pudéssemos encontrar, para delimitar minimamente a jornada.

Sertania enquanto abordagem, orienta-se por se aproximar dos aspectos do objeto de estudo buscando mergulhar, por meio da pesquisa, nas fontes que possibilitem a construção de dados e informações que traduzam os aspectos do objeto da pesquisa.

Já tínhamos as veredas que suleavam a pesquisa, mas era preciso conseguir mais, principalmente informações que pudéssemos encontrar para definir os limites do trajeto a ser planejado e a percorrer, mesmo que a dinâmica da pesquisa variasse.

Vários esforços foram realizados com esse objetivo. O primeiro deles foi o de conversar com profissionais lotados no Departamento de Gestão Escolar da

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Secretaria Municipal de Ensino de Natal (DGE/SME). As conversas foram realizadas na própria Secretaria, um prédio localizado naRua Fabrício Pedroza, nº 915 - Areia Preta, Natal/RN.

Foi nesse prédio, onde iniciei as conversas com os profissionais do DGE/SME. Elas possibilitaram que eu encontrasse a primeira fonte com informações mais precisas, pois, ao conversar com Fátima Cunha e Jeane Lopes foi que tomei conhecimento de uma cartilha (Ver Figura 2, p. 42) que orientou as eleições de gestores e conselheiros escolares do ano de 2003.

Nessa cartilha, identificamos que foi o ano de 1982, o marco inicial das conquistas para uma formalização futura de uma política pública de eleição direta de gestores na RMEN,12 que se consolidou no ano de 1987.

Para uma maior aproximação desse lugar, onde iniciamos a nossa jornada de pesquisador, vejamos uma imagem abaixo do prédio, onde localiza-se a Secretaria Municipal de Educação.

Figura 1 – Fotografia da Secretaria Municipal de Educação de Natal/RN

Fonte: acervo do pesquisador, 2018

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As informações históricas que foram encontradas na cartilha (Ver Figura 2), na sua página de número três, nos possibilitou uma primeira delimitação temporal do nosso estudo.

Figura 2 – Imagem da cartilha do DGE/SME de Natal/RN

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Esta cartilha indica o primeiro marco das conquistas da Mobilização Social estudada. Identifiquei que foi na Escola Municipal Vereadora José Sotero, no ano de 1982, que ocorreu a primeira eleição direta para diretor e vice-diretor de uma Unidade de Ensino da RMEN. Tendo conduzido a Professora Gilvanete Maria Ataliba de Melo para ser a primeira diretora eleita pela comunidade escolar, na RMEN.

A diretora eleita assumiu o cargo em 1983 e esta escola permaneceu vivenciando esse processo de eleição por todo o período dos cinco anos (1983-1987), que antecederam a conquista definitiva, materializada numa Lei Municipal.

Após estas conquistas iniciais, em que identificamos o ponto de partida das eleições na Rede Municipal de Ensino de Natal, qual deveria ser então os novos caminhos a serem percorridos? Havia conseguido “pistas” importantes que nos ajudaria a seguir adiante na pesquisa, no entanto, elas não eram suficientes.

Fui pesquisar qual tinha sido a lei que instaurou a eleição para conselheiros escolares na RMEN, pois, no texto da cartilha estava com um espaço em branco que deveria ter o número da Lei, mas não foi escrito por quem produziu a cartilha, talvez porque não se compreendia que a preservação da memória se constitui em uma das dimensões da luta política. Veja que na Figura 2, acima, temos a partir da oitava linha do texto, a seguinte escrita:

Em 1987 o então prefeito de Natal, Garibaldi Alves Filho, criava a lei n.º ___________ que intitula (sic) as Eleições Diretas para Diretor e vice-Diretor (sic) das Escolas Municipais. Assim, nós temos 20 anos de experiência de E. M. José Sotero e 16 anos do início do processo em todas as escolas municipais. (PREFEITURA MUNICIPAL DE NATAL (PMN), 2003?, Paginação irregular)

Ao identificar a ausência dessa informação importantíssima para o nosso estudo, fui novamente procurar esse dado com os profissionais do DGE/SME13. Com

o tempo e depois de muitas conversas, não consegui obter das pessoas com as quais conversei o número e ano da Lei, que procurava saber.

Mas, por sugestão de alguns deles, fui então ao Arquivo Público do Município de Natal14 (APMN), objetivando encontrar a Lei. Ao deparar-me com o prédio do

13 DGE/SME: Departamento de Gestão Escolar da Secretaria Municipal de Educação de Natal. 14 Arquivo Público de Natal - Endereço: Av. Tavares de Lira, 97 - Ribeira, Natal - RN, 59012-050. Horário: Abre seg. às 08:00. Telefone: (84) 3232-8699.

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Arquivo Público fiquei perplexo com as condições do local, conforme vocês podem observar na Figura 3, abaixo.

Chegando à repartição, percebi ao olhar as condições da fachada do prédio, que as autoridades responsáveis pelo Município de Natal, não se ocupam da preservação da memória histórica da Cidade, ou seja, não tratam com cuidado e zelo o acervo documental gerado pelo próprio município.

Após minha perplexidade frente as condições em que se encontrava o Prédio do Arquivo Público Municipal, entrei no local e ao conversar com os seus funcionários não foi possível identificar qual era o número da Lei que buscava.

As informações que eu tinha não foram suficientes para que os profissionais dessa repartição pública encontrassem o documento que queria sobre o ato administrativo específico.

As condições de trabalho dessa repartição pública eram muito precárias. Apesar da boa vontade e do comprometimento dos funcionários que tentaram me ajudar. Faltava uma rede de computadores em condições de gerenciar o acervo de documentos catalogados, um ambiente climatizado e com temperatura controlada para guardar os documentos do acervo.

Figura 3 – Fotografia do Arquivo Público de Natal em abril de 2018

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Eis aí a fachada do prédio, que por si só nos diz muito. Essa realidade física da fachada do prédio, se estende por dentro dele, ou seja, trata-se de um ambiente pouco favorável à preservação da memória da cidade, por meio da conservação dos seus documentos.

Olhando a imagem acima identifica-se a representação real do descaso, da promoção institucional do esquecimento e um exemplo, muito negativo, daquilo que Paul Ricoeur (2007) discute em sua obra A Memória, A História, O Esquecimento, ou seja, o próprio esquecimento das memórias.

Na procura identifiquei novos desafios, não existia pesquisa on-line dos documentos arquivados nele. Então tive que ir presencialmente. Ao identificar o local do APMN, tive outra surpresa. Eu teria que ter o número da Lei que eu buscava encontrar ou em que período ela foi sancionada pelo prefeito.

Continuei sem avançar nas buscas por fontes. Ao interagir com os funcionários do arquivo, foram eles que me deram a sugestão de procurar a Lei nos diários oficiais do município de Natal/RN da década de 198015.

Diante dessa situação, liguei para o prédio da Procuradoria Geral do Município (PGM) para saber se eles tinham o acervo destes diários oficiais e se era disponível para pesquisa. Consegui falar diretamente com o procurador Carlos Santa Rosa D’Albuquerque Castim, que dialogou comigo e me orientou a procurar no acervo do Jornal A República, local onde estariam os diários que procurava encontrar. Ele explicou que na década de 1980 o Município de Natal/RN, ainda publicava o seu diário dentro do estadual.

Ao me deparar com os arquivos do Jornal A República e ao dialogar com os funcionários daquela repartição, identifiquei outro desafio. Eu me deparei com uma quantidade imensa de fontes do diário oficial do município. E agora! O que fazer? Como orientar a busca? Decidi então seguir as informações de uma entrevista exploratória que fiz com umas das assessoras mais experientes da equipe do Departamento de Gestão Escolar (DGE/SME). Nessa oportunidade, ela me informou que as eleições tinham sido realizadas no ano de 1987. Então esse se tornaria o meu

Norte para encontrar a Lei.

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Como não consegui identificar a lei que buscava no Arquivo Público de Natal, fui ao acervo do Jornal A República16. Os próprios funcionários desse Arquivo nos informaram que eu poderia encontrar, talvez, no Diário Oficial do Município de Natal (DOM/Natal).

Como já tínhamos a informação inicial do ano da experiência piloto da Escola Municipal Vereador José Sotero, em 1982, era provável que eu devesse seguir esse vestígio e começar a busca a partir desse ano.

Confirmei com esses funcionários que à época o DOM/Natal era publicado nesse jornal e dentro do Diário Oficial do estado do RN. Fui então até a sede do jornal

A República, que na Figura 4 abaixo, apresento uma fotografia aérea do prédio, onde

o acervo se encontra guardado.

Figura 4 – Fotografia aérea do Jornal A República em abril de 2018

Fonte: acervo do Jornal A República, 2018

Conforme pode se observar, este prédio se encontra em condições melhores que o Arquivo Público de Natal. Novamente fui muito bem recebido nessa repartição pública. O acervo estava razoavelmente preservado, o ambiente climatizado, mas

16 Arquivo do Jornal A República. Endereço: Av. Câmara Cascudo, 355 - Ribeira, Natal - RN, 59025- 275. Horário: Abre segunda às 08:00. Telefone: (84) 3232-6793.

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sem controle de temperatura. O acervo de documentos era bem menor do que o do Arquivo Público Municipal, existia uma pequena rede de computadores para acesso às informações já digitalizadas.

Eu passei três semanas dentro do acervo, indo pela manhã e tarde, seguindo as pistas que os vestígios encontrados nos propiciaram. Felizmente consegui identificar o diário oficial do município em que a Lei Complementar n. 3.586 foi publicada. Exatamente no Diário Oficial do estado do RN (DOE/RN) do dia 23 de outubro de 1987.

Veja na Figura 5, abaixo, a imagem da quarta página do DOM/Natal, em que ela se encontrava.

Figura 5 – Imagem do Diário Oficial do RN, em 23 de outubro de 1987

Fonte: Jornal A República, 2018

Eis aqui o Diário Oficial do Município de Natal, que materializa em forma de Lei o que se iniciou com a conquista da Escola Municipal Vereador José Sotero.

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Passaram-se cinco anos (1982-1987) entre a experiência piloto, de uma eleição direta para diretores de uma unidade de ensino da RMEN, até a generalização dessa conquista para as demais unidades da Rede, que foi formalizada por meio da Lei n. 3.586, de 8 de outubro de 1987.

A conquista dos Conselhos Escolares se desenvolveu, de uma forma objetiva, a partir de lutas sociais, políticas, dentro desse período, que objetivavam as eleições diretas para diretores das escolas municipais. Essas duas conquistas, eleições diretas para diretores e conselheiros escolares, se imbricaram ao longo do percurso histórico dessa Mobilização Social de educadores e estudantes das escolas municipais de Natal.

A Cartilha de 2002 foi a primeira fonte histórica que encontrei que se reportava ao meu objeto de estudo. E a segunda foi o DOM/Natal de 1987. Foram essas duas fontes que nos ajudaram na delimitação da nossa jornada-pesquisa, definindo a extensão do período a ser pesquisado. Ou seja, elas nos apontaram uma primeira proposta de recorte temporal para planejarmos a nossa jornada-pesquisa, no tempo histórico. Dessa forma, surgiram os limites temporais iniciais entre os anos de 1982 e 1987.

As duas fontes históricas que encontrei apontaram para esse intervalo de cinco anos, como adequado à nossa jornada-pesquisa. A primeira, 1982, eleição direta na Escola Municipal Vereador José Sotero, como o marco da primeira bandeira que foi fincada dentro da RMEN para que se alcançasse a luta por uma gestão participativa. E a segunda, 1987, que considero a bandeira mais firme de uma fase de conquista, na forma de uma Lei, de toda a jornada que a Mobilização Social de Educadores, Estudantes e pais da RMEN realizaram.

A escolha do ano de 1982, mesmo depois de termos constatado, com o entrevistado nº 4, que na experiência piloto da Escola Vereador José Sotero não foi instalado um Conselho Escolar, foi por compreender que há uma imbricação entre a luta pelas eleições diretas dos gestores e a eleição dos conselheiros escolares. A partir da grande experiência colegiada, que foi a Comissão Paritária que construiu a nova Lei Complementar nº 3.586 de 1987, é que se evidenciam o surgimento da ideia. O colegiado da Comissão Paritária que construiu a Lei n. º 3.586 de 1987, foi composto de representantes da Secretaria Municipal de Educação do Município de Natal (SME/Natal), das instituições representativas dos educadores da Rede Municipal e dos estudantes.

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Com as assembleias que eram realizadas durante as discussões que o movimento promoveu, a comunidade escolar foi toda mobilizada a participar, inclusive os pais e funcionários, que não integraram a referida Comissão. Como vemos, a experiência de participação foi muito extensa e profunda, com fortes características de um colegiado.

Esse colegiado carregava consigo o embrião da lógica da gestão colegiada, que posteriormente poderia florescer no interior das escolas, sob a forma do Conselho Escolar. Assim, não se pode afirmar, de uma forma genérica, que os Conselhos Escolares são apenas produtos de uma política neoliberal, enraizada na descentralização financeira e responsabilização das unidades de ensino. Pois, conforme podemos observar no caso de Natal, um possível embrião dos Conselhos Escolares se apresentava no curso da mobilização social na própria Comissão Paritária, como também nas vivências dos Círculos de Pais e Professores do período da campanha De Pé no Chão Também se Aprende a Ler. Esses registros históricos significativos são indícios de uma estratégia de gestão participativa com a comunidade escolar em Natal. Essas duas vivências nos parece ser exemplos de exercícios de uma gestão participativa, através de colegiados na rede municipal de Natal, que antecederam o Conselho Escolar em 1987.

Evidenciando os caminhos que percorremos em nossa jornada-pesquisa e, apresentando os primeiros vestígios e fontes que foram possibilitando construirmos o conhecimento que partilhamos nessa tese, vamos nos aproximar da Artesania que realizamos.