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3. O CONFLITO DE BENS JURÍDICOS CONSTITUCIONALMENTE PROTEGIDOS

3.3. PRINCÍPIO DA AUTONOMIA DA VONTADE

Tertio, em contraposição do lado do contribuinte existe a tendência de fugir, de um modo lícito, ao pagamento dos impostos e aí temos o princípio da autonomia da vontade, ou seja, as pessoas podem celebrar dentro da lei os contratos que quiserem. Este princípio é uma densificação do valor liberdade e está previsto no artigo 405.º do CCiv 107. Apesar de este princípio estar

deslocado no CCiv e não estar expressamente previsto na Constituição formal é uma norma materialmente constitucional 108. Nada impede, que fora da Constituição hajam normas jurídicas

que tenham dignidade constitucional.

Assim, o princípio da autonomia da vontade materializar-se-ia num direito subjetivo conformador de um espaço de liberdade de decisão e de auto-realização. Segundo o acórdão de 15/02/2011 do TRIBUNAL CENTRAL ADMINISTRATIVO SUL “o princípio da autonomia privada, subjacente ao nosso direito privado, manifesta-se, designadamente, através do negócio jurídico, meio privilegiado de os particulares procederem à regulamentação das suas relações jurídicas.

107 Relativamente ao princípio da autonomia da vontade, cfr: António Menezes Cordeiro, Tratado de Direito Civil Português, I, Parte Geral, Tomo I, 3.ª

edição, Lisboa, Almedina, 2005, pp. 391 e ss; António L. Sousa Franco, Nota sobre o princípio da liberdade económica, BMJ, n.º 355, 1986, pp. 11 a 40, Alexandra Coelho Martins, A Admissibilidade de uma Cláusula Geral Anti-Abuso em Sede de IVA, Cadernos IDEFF, n.º 7, Coimbra, Almedina, 2007, pp. 17 e ss, Luís A. Carvalho Fernandes, Teoria Geral do Direito Civil. Introdução, Pressupostos da Relação Jurídica, Volume I, 3.ª edição revista e atualizada, Lisboa, Universidade Católica Editora, 2001, pp. 85 e ss ePires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, Volume I, Artigos 1.º a 761.º, 4.ª edição revista e atualizada, Coimbra, Coimbra Editora, 1987, pp. 355 e ss. Além disso, cfr: Nuno Manuel Pinto Oliveira, Princípios de Direito dos Contratos, 1.ª edição, Coimbra Editora, 2011, p. 150 e pp 150 e ss relativamente à especial dignidade do ser humano, como um fim em si mesmo e não como um meio para os fins dos outros. Na verdade, os seres irracionais têm somente um valor relativo, como meios e por isso lhe chamam coisas, ao passo que os seres racionais são chamados pessoas, pois a sua natureza os distingue já como fins em si mesmos e não como meio. Neste sentido, o homem é investido de uma especial dignidade, sendo esta um valor absoluto do homem. Cfr. Immanuel Kant, Fundamentación de la Metafísica de las costumbres, 2.ª parte 37, 1785, que refere que do entendimento do ser humano como um fim em si mesmo, resulta o “imperativo ético fundamental” (itálico nosso). Além disso, cfr: Karl Larenz, Derecho Civil, Parte General, Editorial Revista de Derecho Privado, Madrid: Editoriales de Derecho Reunidas, 1978, pp 44 e ss. Finalmente cfr. L. M. Alonso González, Planificácion fiscal y economia de opción, Jurisprudencia Tributaria Aranzadi, n.º 6, 2006, pp. 1 e ss e Florián García Berro, Sobre los modos de enfrentar la elusión tributaria y sobre la jurisprudência tributaria en matéria de simulacion, in Revista española de Derecho Financiero, n.º 145, Enero-Marzo 2010, p. 53. Segundo FLORIÁN GARCIA BERRO a planificação fiscal deve ser entendida “como una liberdad de elección entre las distintas alternativas de actuación cuyas consecuencias se encuentren reguladas, de forma expressa o implícita, por el ordenamento jurídico-tributario” (itálico nosso).

108 Cfr. J.J. Gomes Canotilho, Direito Constitucional e Teoria da Constituição, 7.ª edição, Coimbra, Almedina, 2003, p. 372. Além disso, cfr. Diogo

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Esse auto-governo da esfera jurídica assenta num dos princípios básicos do nosso ordenamento jurídico, que é o princípio da liberdade contratual”. Assim, “as partes, dentro dos limites da lei, têm a liberdade de celebração dos contratos, a faculdade de fixar o conteúdo dos mesmos, a possibilidade de celebrar contratos típicos ou atípicos, de reunir no mesmo contrato regras de dois ou mais negócios, total ou parcialmente regulados na lei (artigo 405º do C. Civil). O desenvolvimento económico, as inovações técnicas e tecnológicas e a necessária ligação entre o direito e a realidade vivida, têm feito aparecer com acelerada frequência novos negócios jurídicos, com regulamentação própria e específica”. Na verdade, “as partes, face ao prescrito no artigo 405º do Código Civil, têm a faculdade de fixar livremente o conteúdo dos contratos, celebrar contratos diferentes dos previstos no Código Civil ou incluir neles as cláusulas que lhes aprouver” (itálico nosso) 109.

Veritas, a pessoa, em geral, e o contribuinte, em particular, é autónomo e livre para decidir se face a um determinado negócio jurídico opta pela via mais onerosa ou se, por outro lado, pela via menos onerosa. Apesar de nos parecer óbvia a escolha que o contribuinte irá tomar não lhe são alheios juízos acerca da licitude do comportamento, pelo que a sua análise terá que ser feita casuisticamente. De todo o modo, o fundamento do planeamento fiscal encontra-se inequivocamente relacionado com a autonomia do contribuinte enquanto sujeito no tráfego jurídico. Segundo JÓNATAS MACHADO e PAULO NOGUEIRA DA COSTA “a verdade é que o ser humano, nas decisões que toma, procura maximizar o seu prazer (ou, em linguagem económica, a sua utilidade) e minimizar os seus custos” (itálico nosso) 110. Deste modo, concordamos

inteiramente com FRANCISCO AMARAL NETO quando refere que “o fundamento ou pressuposto da autonomia privada é, em termos imediatos, a liberdade como valor jurídico e, mediatamente, a concepção de que o indivíduo é a base do edifício social e jurídico e de que a sua vontade, livremente manifestada, é instrumento de realização de justiça. Corolário dessa concepção é negócio jurídico como fonte principal das obrigações (…). Sob o ponto de vista jurídico, a liberdade é o poder de fazer ou não fazer, ao arbítrio do sujeito, todo o acto não ordenado nem proibido por lei, e, de modo positivo, é o poder que as pessoas têm de optar entre o exercício e o não exercício de seus direitos subjectivos” (itálico nosso) 111. Daher, deve ser reconhecido às pessoas em geral a

109 Cfr. Acórdão do TCAS de 15/02/2011, processo n.º 04255/10, disponível em http://www.dgsi.pt.

110 Cfr. Jónatas E. M. Machado e Paulo Nogueira da Costa, Curso de Direito Tributário, Coimbra, Coimbra Editora, 2009, pp. 339 e 340.

111 Cfr. Francisco dos Santos Amaral Neto, A autonomia privada como princípio fundamental da Ordem Jurídica – perspectivas estrutural e funcional,

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liberdade de regularem livremente as suas relações jurídicas e de avaliar o resultado fiscal das suas escolhas.

Exemplifiquemos: uma pessoa singular decide exercer uma atividade comercial. Tem várias alternativas. Pode fazê-lo como comerciante em nome individual, constituir uma sociedade por quotas ou organizar uma sociedade anónima. A escolha da forma da atividade terá consequências fiscais importantes. Como não há uma neutralidade fiscal, isto é, não é indiferente a escolha da forma jurídica, há que escolher entre elas, aquela que permita uma maior poupança fiscal. Põe-se neste âmbito o seguinte problema: o Estado não se deverá interessar pelas escolhas jurídicas com relevância fiscal, em termos de proibir ou limitar a escolha? A resposta não pode deixar de ser negativa, isto é, a lei não pode sindicar todos os atos das pessoas singulares ou coletivas com relevância fiscal, desde que exercidos num quadro legal de licitude, sob pena de se violar o princípio da autonomia da vontade.

Além disso, a relação entre o planeamento fiscal e o princípio da autonomia da vontade não é nova. Na verdade, segundo a decisão do Supreme Court of America no caso Helvering vs Gregory, no ano de 1935, “everyone has a right to arrange his business affairs in such a way that brings appropriate tax payments to the minimum; no one must plan his expenses and income to the maximum to the maximum convenience of the Ministry of Finance; for a citizen there is no patriotic duty whatsoever to increase his own tax payments” (italico nosso)112.

Posto isto, o que é o princípio da autonomia da vontade? A autonomia da vontade consiste no poder da conformação autónoma das relações jurídicas de acordo com a livre vontade das partes intervenientes. Na verdade, o princípio da autonomia da vontade resulta do cruzamento de dois vetores fundamentais: (i) por um lado, tal princípio nasce da autodeterminação de cada homem e, (ii) e por outro cresce limitado pelas disposições normativas vigentes no ordenamento jurídico. Deste modo, não devemos confundir autonomia da vontade com livre arbítrio no sentido de cada um fazer o que quer 113. Ora, o princípio da autonomia da vontade decorre da

autodeterminação do homem, da sua especial dignidade e da consequente responsabilidade. Assim, facilmente se constata que a autonomia da vontade constitui uma densificação, manifestação do valor liberdade 114. Nesse sentido, a ordem jurídica reconhece a todos os homens

112 Cfr. Decisão do caso Helvering vs Gregory disponível em http://www.supremecourt.gov/.

113 Para mais desenvolvimentos cfr. Rabindranath Capelo de Sousa, Teoria Geral do Direito Civil, Volume I, Coimbra, Coimbra Editora, 2003, pp. 57 e

ss e Orlando de Carvalho, Teoria Geral da Relação Jurídica, Coimbra, 1970, p. 56.

114 A propósito do princípio da autonomia da vontade como expressão de um princípio mais amplo, maxime, o princípio da liberdade, cfr: Luís A.

Carvalho Fernandes, Teoria Geral do Direito Civil (Introdução, Pressupostos da Relação Jurídica), Volume I, 5.ª edição revista e atualizada, Lisboa, Universidade Católica Editora, 2009, pp. 94 e 95. Segundo o autor, o princípio da liberdade postula que é lícito tudo o que não é proibido. Além disso, acrescenta que a “este se contrapõe o princípio da competência, em função do qual só é lícito o que é permitido, dominante no Direito Público” (itálico nosso). Além disso, cfr: Jean Carbonnier, Droit civil (Intoduction, Les personnes, La famille, l`enfant, le couple), Volume I, 1.ª

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o direito de estabelecer livremente as suas relações jurídicas, como eles entenderem por bem de acordo com os seus interesse, preferências, inclinações, convicções religiosas ou morais, apetências sociais ou económicas. Neste contexto, é elucidativa a afirmação stat pro ratione voluntas.

Por outro lado, cumpre referir que o negócio jurídico, enquanto produtor de efeitos volitivos- finais, constitui uma das principais formas de manifestação da vontade dos particulares. Assim, segundo ALBERTO XAVIER “se a vontade dos particulares é totalmente irrelevante para o efeito do nascimento da obrigação do imposto – pelo que os actos jurídicos têm sob esta perspectiva um mero significado factual – isto não quer dizer que essa mesma vontade seja irrelevante para a própria identificação e determinação do facto tributário e dos seus efeitos” (itálico nosso) 115.

Daher, podemos dizer que “en el ámbito de creación y aplicación de la norma tributaria no puede admitirse, en general, la existencia de un poder normativo del obligado que le permita crear la relación jurídico-tributaria o disponer su regulación; sin embargo, en dicho contexto la voluntad del contribuyente se manifesta mediante la elección de la forma jurídica y, en definitiva, de la norma aplicable. Se constata que el fenómeno negocial debe ser considerado, no ya, o no sólo como um instrumento para constituir, modificar o extinguir relaciones obligatorias de contenido patrimonial entre particulares sino también – sobre todo en determinados casos – como el evento que, mediata o inmediatamente, determina la constitución de obligaciones tributarias” (itálico nosso) 116.

Por outro lado, segundo a doutrina civilista o princípio da autonomia da vontade significa ou divide-se em três prerrogativas:

(i) Liberdade de celebração contratual: postula uma livre decisão por parte do autor de celebrar ou de não celebrar o negócio. Assim, não haverá, em geral, limitações à prática de negócios jurídicos privados. Ora, as pessoas celebram os que entendem e quando o entendem (v.g. contrato de compra e venda, contrato de casamento, mútuo, etc.). Mas, em contraposição, a celebração do negócio também é livre no sentido de ninguém poder ser compelido a celebrar negócios jurídicos. Todavia, excepcionalmente o nosso ordenamento jurídico estabelece algumas exceções à liberdade de celebração dos contratos. Essas

edition, Quadrige/puf, 2004, pp. 512 e ss, que considera que “ La liberte est la possibilite reconnue à la personne de faire ce qui lui plaît, le pouvoir pour elle d`agir selon sa propre détermination” (itálico nosso).

115 Cfr. Alberto Xavier, Manual de Direito Fiscal, Volume I, Lisboa, Manuais da Faculdade da Universidade de Lisboa 1981, p. 256. 116 Cfr. Maria Luisa Carrasquer Clari, El problemas del fraude a la ley en el derecho tributario, Valência,Tirant lo Blanch, 2002, pp. 174 e 175.

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restrições ou limitações podem consistir: na consagração de um dever jurídico de contratar, pelo que a recusa de contratar de uma das partes não impede a formação de um contrato (v.g. artigos 68.º e 71.º do Estatuto da Ordem dos Médicos), ou sujeita o obrigado a sanções diversas; na proibição de celebrar contratos com determinadas pessoas (v.g. artigos 877.º e 953.º do CCiv); ou por exemplo, quando o titular de um direito se obriga, perante outra pessoa, a não o alienar (artigo 577.º do CCiv);

(ii) Liberdade de estipulação: as partes podem fixar livremente o conteúdo do contratos e incluir nestes as cláusulas que lhes aprouver ou estipular contratos de conteúdo diverso dos que a lei disciplina (v.g. condição, cláusulas penais, termo, etc.); e

(iii) Liberdade de seleção do tipo negocial: esta consiste: a) na liberdade de celebrar contratos do tipo previsto no CCiv (contratos típicos e nominados), bastando, nessa hipótese, para desencadear a produção dos respetivos efeitos, indicar o respetivo “nomen iuris” (v.g. venda, arrendamento), sem necessidade de convencionar a regulamentação correspondente; b) liberdade de celebrar negócios diferentes dos previstos na lei (contratos atípicos ou inominados); c) a liberdade de reunir no mesmo negócio elementos de dois ou mais negócios previstos na lei (contratos mistos, como por exemplo o arrendamento de um prédio, mediante uma renda à qual acresce uma prestação de serviços do arrendatário).

Ora, para nós o princípio da autonomia da vontade, vai-se materializar, seguindo de perto a doutrina espanhola, na liberdade de gestão fiscal 117.Alguns autores têm uma visão mais restrita e

falam em liberdade de gestão negocial, empresarial 118. No fundo, significa, que os contribuintes

podem aproveitar os “espaços em branco” concedidos pela lei, para minimizar os encargos fiscais, sendo livres de planificar, propor, executar todos os meios lícitos de gestão que tenham ao seu dispor 119. Por outras palavras, os sujeitos passivos podem, dentro da lei, celebrar os contratos que

quiserem, para diminuir, minimizar a carga fiscal, o pagamento dos impostos. Portanto, a liberdade

117 Cfr. Florián García Berro, Sobre los modos de enfrentar la elusión tributaria y sobre la jurisprudência tributaria en matéria de simulacion, in Revista

española de Derecho Financiero, n.º 145, Enero-Marzo 2010, p. 53.

118 Cfr. Diogo Leite de Campos e M. Leite de Campos, Direito Tributário, 2ª edição, Coimbra, Almedina, 2003, p. 163.

119 Neste sentido, poderemos falar de uma “economia de opção”, onde o cidadão goza de um espaço de livre escolha dos seus meios de atuação

privada e económica, sobretudo negociais. Neste sentido cfr. J. Larraz López, Metodologia Aplicativa del Derecho Tributario, in Revista de Derecho Privado, 1952, pp. 60 e ss.

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de gestão fiscal é um direito fundamental como constataremos infra. Trata-se de situações em que a economia fiscal é expressa ou implicitamente querida, desejada, ou, ao menos, sugerida pelo próprio legislador fiscal. Assim, o planeamento fiscal pode desdobrar-se, materializar-se em várias consequências, a saber:

(i) A mais visível de todas é a redução da tributação (v.g alguém em vez de se estabelecer em nome individual, constitui uma sociedade; alguém em vez de fixar a residência em Portugal, fixa-a na Holanda, etc.);

(ii) Pode também ser o diferimento da tributação, isto é, “empurrar” a tributação para o futuro;

(iii) Reduzir as obrigações fiscais (v.g. imaginemos que temos vários regimes, o A, B e C e o regime B, implica menos obrigações acessórias, o sujeito passivo opta pelo regime B);

(iv) Evitar a tributação; (v) Obter reembolsos, etc.

Além disso, cumpre referir o seguinte: a vontade das partes da obrigação tributária, em geral, e do contribuinte em particular, não é relevante nem para determinar o nascimento da obrigação tributária (esta tem um caráter ex lege quer quanto à origem, quer quanto à modelação do conteúdo), nem à sua regulação posterior. Aber, a vontade do contribuinte manifesta-se mediante a eleição da forma jurídica que lhe seja mais favorável do ponto de vista fiscal.

Pensemos por exemplo num contrato de compra e venda de um imóvel de A para B. A propriedade transmite-se de A para B por mero efeito do contrato (artigo 408.º, n.º 1 do CCiv) e essa transmissão dá-se por vontade das partes. Contudo, a par deste efeito voluntário, ocorre um efeito legal ao qual as partes não se podem subtrair, das heißt, a constituição da obrigação de IMT. Por outro lado, as partes têm é a possibilidade de selecionar a forma jurídica que lhe permita obter uma poupança fiscal.

Assim, segundo ALBERTO XAVIER “ainda que a lei fiscal tenha designado como facto tributário um acto jurídico nunca o considera como tal, antes o valora como simples facto. E isto porque – continua – os efeitos tributários se produzem independentemente da vontade dos particulares, por força da pura vontade da lei. O mesmo acto jurídico produz assim duas ordens de efeitos paralelos e independentes: efeitos voluntários, enquanto negócio jurídico, nas relações entre

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particulares; efeitos tributários legais, enquanto mero facto, nas relações entre os particulares e o fisco” (itálico nosso) 120.

Ora, “a relação jurídica tributária constitui-se com o facto tributário” (itálico nosso), nos termos do artigo 36.º, n.º 1 da LGT. A denominação do facto que dá origem à relação jurídica tributária varia de país para país.Nesse sentido, na Alemanha denomina-se tatbestand, em Itália fattispecie, em França fait générateur tal como em Portugal e hecho imponible em Espanha.

Segundo JOAQUIM FREITAS DA ROCHA o facto constitutivo da relação jurídica tributária “trata-se de um facto complexo (e não simples) porque na sua estrutura é possível identificar dois componentes distintos: um facto real e concreto – uma ocorrência fenoménica espácio- temporalmente localizada a que tradicionalmente se reserva a designação de “facto tributário” – e uma norma que o preveja como sendo apto a desencadear efeitos tributários” (itálico nosso) 121.

Por sua vez, ALBERTO XAVIER decompõe o facto tributário em dois elementos essenciais: a) o elemento objetivo; e b) o elemento subjetivo. O elemento objetivo “é o próprio facto tributário considerado em si mesmo, independentemente da sua ligação a um sujeito”, o que se costuma designar por incidência real, ao passo que o elemento subjetivo “é aquele que vincula o facto a uma dada categoria de sujeitos, em termos de determinar quanto a eles o nascimento da obrigação de imposto”.

No que concerne ao elemento objetivo, segundo o mesmo autor, este é susceptível de ser encarado, do prisma estrutural, sob vários ângulos distintos: (i) material, (ii) temporal e (iii) quantitativo. O (i) elemento material “é-nos dado pelo próprio facto na sua materialidade objectiva” e são susceptíveis de “constituir elemento material do facto tributário um acontecimento natural ou um fenómeno de natureza económica (a passagem de uma mercadoria sobre a linha de fronteira, a percepção de um rendimento), um acto ou negócio jurídico (contrato de fiança ou compra e venda) ”.O (ii) elemento temporal “respeita à sua limitação no tempo” (dentro deste elemento temos: a) os factos instantâneos “os que se esgotam por natureza de um certo lapso de tempo, verificando-se logo que se produz o elemento material” (v.g.imposto sobre atos jurídicos e impostos sobre a despesa); e b) os factos duradouros que “não se esgotam num certo momento, antes tendem por natureza a reiterar-se”, como por exemplo, os impostos sobre o rendimento). Por último, o (iii) elemento quantitativo “é o que respeita aos factores legais de mediação do objecto material de imposto” (itálicos nosso) 122.

120 Cfr. Alberto Xavier, Manual de Direito Fiscal, Volume I, Lisboa, Manuais da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, 1981, pp. 255 e 256. 121 Cfr. Joaquim Freitas Rocha, Apontamentos de Direito Tributário (A Relação Jurídica Tributária), Braga, AEDUM, 2009, p. 52.

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Por seu turno, para FERNANDO PÉREZ ROYO a melhor forma de compreendermos a noção de hecho imponible é decompô-lo em três funções, a saber: “de génesis de la obligación tributaria (o, más exactamente, de legitimación del ingresso correspondiente a la misma), función de identificación de cada tributo y función de índice o concreción de capacidade económica” (itálico nosso) 123.

Posto isto, resta-nos dizer que o facto tributário não pode ser reconduzido a um mero facto voluntário ou negócio jurídico. Veritas, o nascimento da obrigação tributária dá-se com a verificação do facto previsto na norma jurídica. Nesse sentido, não tem qualquer relevo na formação do facto