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3. O CONFLITO DE BENS JURÍDICOS CONSTITUCIONALMENTE PROTEGIDOS

3.2 PRINCÍPIO DA JUSTIÇA NA TRIBUTAÇÃO

3.2.5. PRINCÍPIO DA PROPORCIONALIDADE

A tributação deve ser proporcional 101. O princípio da proporcionalidade atua, porém, e

sobretudo, no domínio dos diversos procedimentos administrativos, através de normas de adequação do meio ao fim e da necessidade do sacrifício imposto ao contribuinte. Além disso, exige-se também que o procedimento administrativo legítimo em si, por adequado e necessário, não envolva para o destinatário prejuízos desproporcionalmente elevados em relação ao objetivo a atingir.

Contudo, o princípio da proporcionalidade deve ser também e principalmente observado pelo próprio legislador, pelo que não pode impor aos contribuintes, bem como a advogados, técnicos oficiais de contas, etc pesados encargos jurídicos. Pensemos por exemplo nos deveres de comunicação dos esquemas ou atuações de planeamento fiscal que impendem sobre advogados,

100 Cfr. Acórdão do TCAS de 15-02-2011, Processo n.º 04255/10, disponível em http://www.dgsi.pt.

101 A propósito do princípio da proporcionalidade cfr. Joaquim Freitas da Rocha, Lições de procedimento e processo tributário, 4.ª edição, Coimbra,

Coimbra editora, 2011, pp 112 e ss.; J.J. Gomes Canotilho, Direito Constitucional e Teoria da Constituição, 7.ª edição, Coimbra, Almedina, 2003, pp 457 e ss; J. J. Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada, Artigos 1.º a 107.º, Volume I, 4.ª edição revista, Coimbra, Coimbra Editora, 2007, pp 792 e 793, Maria da Glória Ferreira Pinto, Princípio da igualdade. Fórmula Vazia ou fórmula “carregada” de sentido, BMJ, n.º 358, 1987, e em separata, pp. 32 e ss. Além disso, cfr: Jorge Miranda e Rui Medeiros, Constituição Portuguesa Anotada, Tomo I, artigos 1.º a 79.º, 2.ª edição, revista, atualizada e ampliada, Coimbra Editora, 2010, pp 372 e ss. Do ponto de vista jurisprudencial quanto ao princípio da proporcionalidade cfr: acórdãos do TC n.os 1/84, 8/84, 74/84, 248/86, 282/86, 201/98 e 136/05, disponíveis em

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técnicos oficiais de contas, instituições de crédito, etc, que além de obrigar a uma técnica burocrática excessiva, infundada, parece-nos que além de desproporcional, pode violar o direito fundamental de liberdade de escolha da profissão, previsto no artigo 47.º da CRP.

O termo proporcionalidade, ao nível das ciências exatas, mais precisamente da matemática, corresponde a uma variação correlativa de duas grandezas, ao passo que enquanto conceito jurídico-tributário, as grandezas conexionadas são por um lado os benefícios decorrentes da decisão da AT para a prossecução do interesse público (ponto cardeal de orientação), e por outro lado, os respetivos custos, aferidos através do inerente sacríficio dos interesses dos particulares.

Do ponto de vista do direito internacional e europeu o princípio da proporcionalidade está previsto no artigo 29.º, n.º 2 da DUDH, artigo 4.º do PIDESC, artigo 18.º da CEDH e artigo 52.º da CDFUE.

Do ponto de vista material, o princípio da proporcionalidade, que aponta para a razoabilidade das medidas do poder público, convoca três exigências, a saber:

(i) Adequação (ou conformidade, idoneidade): onde as medidas restritivas de direitos, liberdades e garantias legalmente previstas devem revelar-se como meio adequado para a prossecução dos fins visados pela lei, ou seja, a salvaguarda de outros direitos ou bens constitucionalmente protegidos. Segundo GOMES CANOTILHO trata-se de “controlar a relação de adequação medida-fim” (itálico nosso) 102. Aliás, GIOVANNI

MOSCHETTI refere que “El médio utilizado, para ser apropriado, o idóneo, no tiene que ser el mejor o el más apropriado, y no tiene que tener un efecto en cada caso concreto; es suficiente, en realidade, una contribución-aún parcial-para la obtención del fin” (itálico nosso) 103. Assim, o aumento da receita pública com o aumento do

imposto, deve ser adequado à prossecução do interesse público visado, porque se para arrecadar receitas públicas se pudesse vender património, é por aí que tem de se ir, porque é menos restritiva;

(ii) Necessidade (ou exigibilidade, indispensabilidade): onde importa averiguar se não existirá um outro meio que podendo produzir sensivelmente o mesmo resultado, seja menos oneroso, gravoso, ou agressivo do ponto de vista dos direitos fundamentais, isto é, procura-se averiguar da necessidade da medida restritiva. Devido à relatividade

102 Cfr. J.J. Gomes Canotilho, Direito Constitucional e Teoria da Constituição, 7.ª edição, Coimbra, Almedina, 2003, pp 262.

103 Cfr. Giovanni Moschetti, El principio de proporcionalidade en las relaciones Fisco-Contribuyente, in Revista española de derecho financiero, n.º

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do princípio, GOMES CANOTILHO acrescenta alguns elementos com vista a uma maior operacionalidade prática, a saber: “a) a exigibilidade material, pois o meio deve ser o mais “poupado” possível quanto à limitação dos direitos fundamentais; b) a exigibilidade espacial aponta para a necessidade de limitar o âmbito da intervenção; c) a exigibilidade temporal pressupõe a rigorosa delimitação no tempo da medida coactiva do poder público; d) a exigibilidade pessoal significa que a medida se deve limitar à pessoa ou pessoas cujos interesses devem ser sacrificados” (negrito e itálico nosso) 104. Pensemos por exemplo, na necessidade de arrecadar receitas públicas

enquanto condição indispensável para a prossecução do interesse público;

(iii) Ponderação ou proporcionalidade em sentido restrito ou stricto sensu: prescreve a exigência de racionalidade e de justa medida. Deste modo o órgão competente deve proceder a uma correta avaliação da providência adotada em termos qualitativos e quantitativos, para que tal medida restritiva de direitos não seja desproporcional, excessiva em relação aos fins obtidos. Com esta exigência visa-se ponderar, sopesar as vantagens decorrentes da prossecução do interesse público e os sacrifícios inerentes dos interesses privados. No fundo, a medida não deve ser exagerada. Pensemos por exemplo, um imposto que incida sobre 70% dos salários, é uma medida exagerada.

Por sua vez, segundo JOÃO FÉLIX PINTO NOGUEIRA a qualificação da proporcionalidade como princípio gera dificuldades e torna-se uma inserção problemática no âmbito das normas jurídicas. Na verdade, segundo o autor “assumindo que os princípios se tratam de “mandatos e optimização”, é-nos difícil afirmar que a proporcionalidade, na sua manifestação jurídico-moderna, constitui um verdadeiro princípio. Isto porque esta mostra-se como uma forma de controlo da relação entre meios e fins no quadro de um dado ordenamento jurídico, não impondo, per se, uma dada escolha ou valoração”. E acrescenta o mesmo autor “a proporcionalidade é um operador neutral dado que não veicula qualquer conteúdo substantivo significativo. Bem pelo contrário, ela acolhe a pirâmide axiológica vigente num dado ordenamento, recortando as soluções tendo por base esse quadro axiológico que a antecede” (itálico nosso).

Por conseguinte, “não sendo portadora de um conteúdo substantivo ou de um específico comando normativo, a proporcionalidade não pode ser descrita como norma-não se traduzindo

104 Cfr. J.J. Gomes Canotilho, Direito Constitucional e Teoria da Constituição, 7.ª edição, Coimbra, Almedina, 2003, pp 262. Além disso, cfr. Jorge

Miranda e Rui Medeiros, Constituição Portuguesa Anotada, Tomo I, artigos 1.º a 79.º, 2.ª edição, revista, atualizada e ampliada, Coimbra Editora, 2010, p. 375.

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nem numa regra, nem num princípio. Conclusão que, permitindo-nos retirar a proporcionalidade da discussão em torno da dicotomia entre regras e princípios, não nos fornece qualquer subsídio referente à sua qualificação”. Concluindo que “a proporcionalidade deve ser percebida como um procedimento. Trata-se efectivamente, de um procedimento estável de aplicação de normas jurídicas, não corporizando na sua essência nenhuma regra ou princípio, mas auxiliando definitivamente na tarefa de adjudicação normativa (“rights adjudication”) a que essas regras e princípios vêem direccionadas” (itálico nosso) 105.

Contudo, e com o devido respeito, entendemos que o princípio da proporcionalidade continua a ser uma norma jurídica, sob a forma de princípio. Veritas, este princípio é um instrumento decisivo de combate ao arbítrio do poder e sobretudo de todos os atos e omissões desde que, de alguma forma, e independentemente da função do Estado, se possam revelar agressivas dos direitos dos contribuintes. Neste sentido, quanto mais agressivo for uma ato do poder público, mais exigente deverá ser o escrutínio à luz do princípio da proporcionalidade.

Como analisaremos infra, pode haver planeamento fiscal para afastar ou baixar o pagamento, por hipótese do IRS, IRC, como pode haver planeamento fiscal para afastar as declarações, contabilidade, etc. Assim, o planeamento fiscal também existe quando o contribuinte utiliza comportamentos lícitos para afastar obrigações acessórias. Nesse sentido, o excesso de obrigações acessórias pode pôr em causa o princípio da proporcionalidade na vertente proibição do excesso. Ora, esta dimensão do princípio da proporcionalidade “implica o recurso a uma metodologia de ponderação de bens: de um lado, o bem jusfundamental que é objeto de restrição legal; do outro, o bem constitucional que dir-se-ia justificar essa mesma intervenção legislativa restritiva-bem esse que pode ser um bem jurídico protegido por normas de direitos fundamentais, ou um outro bem constitucional objetivo” (itálico nosso) 106.

Além disso, o princípio da proporcionalidade pode estar ligado à violação da propriedade privada, pois quando o imposto é demasiado elevado pode pôr em causa essa mesma propriedade. Neste sentido, a AT, nos termos do artigo 266.º, n.º 2 da CRP, ao tomar uma decisão deve ter em conta a menor lesão possível dos interesses privados e cuja medida deve ser compatível com a prossecução do interesse público. Assim, o legislador, em primeira linha, deve abster-se de introduzir no ordenamento jurídico medidas que violem o princípio da

105 Cfr. João Félix Pinto Nogueira, Direito Fiscal Europeu – O Paradigma da Proporcionalidade, Coimbra, Wolters KluwerPortugal sob a marca Coimbra

Editora, 2010, pp. 70 e ss.

106 Cfr. Jorge Miranda e Rui Medeiros, Constituição Portuguesa Anotada, Tomo I, artigos 1.º a 79.º, 2.ª edição, revista, atualizada e ampliada,

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proporcionalidade, mas também a AT deve abster-se de ações que ofendam a propriedade privada, que restrinjam a liberdade de exercício de profissão ou adote medidas que invadam injustificadamente o espaço de reserva da vida privada dos contribuintes, nomeadamente buscando informações respeitantes, por exemplo à sua situação económica, financeira, pessoal, profissional, etc.