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3 PAPEL DE REGRAS E PRINCÍPIOS NA REGULAMENTAÇÃO DO

3.6 REGRAS E PRINCÍPIO: DUAS FACES DA MESMA MOEDA?

4.1.5 Princípio da capacidade contributiva

O princípio da capacidade contributiva não é tão somente um desdobramento do princípio da isonomia ou igualdade tributária. O princípio significa que todos devem pagar os tributos segundo o montante da renda disponível e quanto mais alta a renda disponível, tanto mais alto deve ser o imposto. Segundo Klaus Tipke, uma definição da capacidade contributiva tem de considerar que os tributos apenas podem ser pagos da renda auferida ou da renda acumulada como patrimônio. Para o autor “existe apenas uma fonte de impostos: a renda”179.

O princípio da capacidade contributiva é dos princípios mais instigantes no estudo da tributação, pois além atuar promovendo a reflexividade do sistema, balizando a construção e reconstrução das regras, adequando-as socialmente, os seus efeitos concretos influenciam a produção, distribuição e circulação das riquezas da sociedade. O princípio da capacidade contributiva, a partir da segunda metade do século XX, passou a integrar a maioria dos sistemas tributários. No Brasil o princípio da capacidade contributiva foi introduzido na Constituição Federal de1946180, sendo revogado por força do artigo 25 da Emenda

Constitucional nº 18/65. Com a Constituição de 1988, o princípio retornou ao plano constitucional (artigo 145, §1º181) a fim de possibilitar um sistema tributário mais justo e

condizente com a realidade social brasileira.

178TIPKE, Klaus; YAMASHITA, Douglas. Justiça fiscal e princípio da capacidade contributiva. São Paulo: Malheiros, 2002, p. 25.

179TIPKE, Klaus; YAMASHITA, Douglas. Justiça fiscal e princípio da capacidade contributiva. São Paulo: Malheiros, 2002, p. 31.

180 Nos termos do artigo 202 da Constituição Federal de 1946: “Art 202 - Os tributos terão caráter pessoal, sempre que isso for possível, e serão graduados conforme a capacidade econômica do contribuinte”.

181 CF, artigo 145, §1º: “Sempre que possível, os impostos terão caráter pessoal e serão graduados segundo a capacidade econômica do contribuinte, facultado à administração tributária, especialmente para conferir efetividade a esses objetivos, identificar, respeitados os direitos individuais e nos termos da lei, o patrimônio, os rendimentos e as atividades econômicas do contribuinte”.

A manifestação do princípio da capacidade contributiva passou por grandes transformações ao longo dos anos. Inicialmente, revelava-se calcado na teoria do benefício. Os contribuintes deveriam pagar tributos na proporção do benefício ou equivalente à utilidade que deriva das prestações que recebe do Estado, a capacidade contributiva estava atrelada a ideia da contraprestação. Segundo Adam Smith, “Os súditos de cada Estado devem contribuir o máximo possível para a manutenção do Governo, em proporção a suas respectivas capacidades, isto é, em proporção ao rendimento de que cada um desfruta, sob a proteção do Estado”182.

Essa concepção revelou-se impraticável, pois há necessidades públicas indivisíveis, não é possível determinar a vantagem que cada contribuinte, considerado individualmente, obtém do Estado. A partir de Stuart Mill, a ideia de capacidade contributiva passou a ser associada a igualdade de sacrifício e do sacrifício proporcional, partindo da ideia de igualdade formal. Assim, capacidade contributiva era considerada uma forma de repartição comum dos gastos para preservação de interesses coletivos mínimos, cabendo a cada um fazer a sua cota de sacrifício individual na preservação de interesses comuns183. Essa duas leituras do

princípio da capacidade contributiva encontram fundamento no Estado liberal, que busca assegurar a repartição dos encargos fiscais de uma forma que perturbe o mínimo possível o jogo da livre iniciativa privada, seja neutra diante das decisões econômicas dos particulares.

Com a passagem do Estado liberal para o Estado intervencionista, o princípio da capacidade contributiva recebeu novos contornos e finalidade, pois além de exigir a repartição do sacrifício fiscal entre os contribuintes, propõe-se a interpretar e construir as regras tributárias com objetivo corrigir os desequilíbrios econômicos sociais, promovendo a adequada distribuição e circulação das riquezas184 na sociedade. Para garantir esse desiderato

são criados os institutos da progressividade nos tributos diretos (elevação de alíquotas na medida em que aumenta a riqueza demonstrada pelo contribuinte) e seletividade nos tributos indiretos (utilização de alíquotas diferenciadas em razão da essencialidade dos produtos).

182 SMITH, Adam. Riqueza das nações: investigação sobre sua natureza e suas causas. Trad. Luiz João Baraúna. São Paulo: Abril Cultural, 1983. Vol. II, p. 247-248.

183 SILVEIRA, Paulo Antônio Caliendo Velloso da. Direito tributário e análise econômica do direito: uma visão

crítica. Rio de Janeiro: Elsevier, 2009, p. 273.

184Maurin Almeida Falcão aponta que o Estado Intervencionista inaugurou a fase social democrata da tributação, cujo princípio basilar seria o da capacidade contributiva. “Por sua vez, os socialistas estabeleciam o tributo como um mecanismo de solidariedade social, favorecendo, dessa forma, o aperfeiçoamento do princípio da capacidade contributiva dos indivíduos e a instituição da progressividade do imposto. Estavam, assim, lançadas as bases doutrinárias da tributação, que, sem dúvida alguma, delimitaram um notável campo de estudo da ciência fiscal. FALCÃO, Maurin Almeida. A construção doutrinária e ideológica do tributo: do pensamento liberal e socialdemocrata à pós-modernidade. Atividade empresarial e mudança social/ Jussara Suzi Assis Borges Nasser Ferreira, Maria de Fátima Ribeiro, organizadoras. São Paulo: Arte & Ciência; Marília: UNIMAR, 2009, 138.

Nesse contexto, o princípio da capacidade contributiva passa ser erigido a partir da teoria da justiça distributiva185, que compreende os tributos além do simples método de

pagamento pelos serviços públicos, mas também como importante instrumento por meio do qual o Estado põe em prática a justa distribuição de riqueza186.

O princípio da capacidade pode ser classificado em duas espécies: capacidade objetiva ou absoluta e capacidade subjetiva ou relativa. Na primeira impõe ao legislador a criação de tributos somente de fatos que ostentem signos de riqueza187. Na segunda,

capacidade subjetiva ou relativa exige-se que os contribuintes com mesma capacidade econômica sejam tributados da mesma maneira. Isso significa que a repartição da carga tributária deve respeitar a igualdade e que a tributação deve levar em conta o máximo possível a situação individual do contribuinte, ou seja, adequação da imputação fiscal às condições pessoais188.

Por fim, destaca-se que capacidade econômica e a capacidade contributiva não são sinônimas, eis que o contribuinte pode revelar a primeira sem demonstração de aptidão para a segunda. Nesse sentido, Regina Helena Costa afirma que o indivíduo pode ter capacidade econômica para adquirir bens necessários a sua sobrevivência, entretanto, pode não ter capacidade contributiva, porquanto a sua renda destina-se ao mínimo existencial189.

É certo que a capacidade contributiva pressupõe a capacidade econômica, o Estado somente pode instituir tributos que efetivamente alcancem as manifestações de riqueza.

185 John Rawls afirma que o sistema social deve ser estruturado de modo que a distribuição seja justa. Com isso os tributos devem corrigir, gradual e continuamente, a distribuição de riqueza e impedir concentrações de poder que prejudiquem o valor equitativo da liberdade política e da igualdade equitativa de oportunidade. O governo deve receber uma parte dos recurso da sociedade e fornecer bens públicos e e fazer os pagamentos de transferências necessários para que o princípio da diferença seja satisfeito. RAWLS, John. Uma teoria da justiça. Tradução Almiro Pisetta e Lenita M. R. Esteves. São Paulo: Martins Fontes, 1997, p. 303-309.

186 Liam Murphy e Thomas Nagel nos esclarecem que: “Numa economia capitalista, os impostos não são um simples método de pagamento pelos serviços públicos e governamentais: são também o instrumento mais importante por meio do qual o sistema político põe em prática uma determinada concepção de justiça econômica ou distributiva MURPHY, Liam; NAGEL, Thomas. O mito da propriedade. Tradução de Marcelo Brandão Cipolla. São Paulo: Martins Fontes, 2005, p. 5.

187 Se a tributação provoca a retirada de dinheiro do particular para o Estado, somente eventos economicamente mensuráveis ou economicamente relevantes são índices para a tributação. O legislador tributário busca atingir, fatos, bens, pessoas e situações que revelem conteúdo econômico. Caso contrário, nada arrecadará. Portanto, a sociedade identifica na atividade econômica índices de riqueza adequados para fazer incidir as normas tributárias. Dentre eles, há um consenso que a renda, o consumo e o patrimônio são padrões ou parâmetros economicamente relevantes para se tributar. MOSQUERA, Roberto Quiroga.

188 Paulo Caliendo divide o princípio da seguinte forma: “No plano vertical o princípio deve aplicar-se de modo progressivo, ou seja, a deve aumentar em uma proporção maior ao incremento de riqueza disponível”. No plano horizontal se exige que contribuintes com mesma capacidade econômica sejam tributados da mesma maneira. Se, nesse caso, se produz uma distorção, esta deve ser reparada, mesmo que os tributos de forma isolada respeitem o princípio da capacidade contributiva”. SILVEIRA, Paulo Antônio Caliendo Velloso da. Direito tributário e análise econômica do direito: uma visão crítica. Rio de Janeiro: Elsevier, 2009, p. 291.

189 COSTA, Regina Helena. Princípio da Capacidade Contributiva. 3 ed. São Paulo: Malheiros, 1996, p. 34-36.

Todavia, o contribuinte pode manifestar riqueza incompatível com a capacidade de contribuir com as despesas do Estado. Segundo Aliomar Baleeiro “A capacidade contributiva do indivíduo significa sua idoneidade econômica para suportar, sem sacrifício do indispensável à vida compatível com a dignidade humana, uma fração qualquer do custo total dos serviços públicos”190. Portanto, a capacidade contributiva é espécie do gênero capacidade econômica.

Na sua incidência sobre a regulamentação do planejamento tributário, o princípio da capacidade contributiva elimina o predomínio do princípio da liberdade, para temperá-lo com a solidariedade social191, permitindo a reflexividade do sistema e a construção de regras

antielisivas e de normas jurídicas concretas que visem coibir abusivos nos planejamentos tributários perpetrados pelos contribuintes. O direito de mitigar ou postergar a incidência tributária não é absoluto, deve-se acomodar com o princípio da capacidade contributiva que impõe o dever ao contribuinte de pagar os tributos a partir da sua capacidade econômica. O planejamento perpetrado pelo contribuinte não pode esvaziar o conteúdo do princípio da capacidade contributiva, provocando externalidade negativa aos demais contribuintes cumpre o seu dever tributário.

Dessa forma, quando violado o princípio da capacidade contributiva confere-se ao Estado os poderes para desconsiderar os planejamentos tributários realizados pelos contribuintes, a fim de garantir uma tributação com fundamento na justiça distributiva192.