• Nenhum resultado encontrado

2. TEORIAS DE INTERPRETAÇÃO DO DIREITO E SUAS

2.3 A TEORIA DA JURISPRUDÊNCIA DOS VALORES

Com a derrocada do nacionalismo-socialista europeu e o declínio do pensamento positivista, emerge jurisprudência dos valores em substituição à jurisprudência dos interesses e dos conceitos, rompendo com as interpretações aéticas ou segundo os interesses do Estado. A partir de Karl Larenz, um dos precursores da jurisprudência dos valores, a ciência do direito passa a se desenvolver por métodos orientados por valores, que permitem completar valorações previamente concebidas86. Com as formulações teóricas desenvolvidas Karl

Larenz, John Rawls, Robert Alexy e Ronald Dworkin, alteram-se os paradigmas na teoria geral do direito, oportunizando-se a reformulação das posições básicas da interpretação, permitindo-se a aproximação de valores éticos, seja no plano abstrato, seja no específico da aplicação das normas87.

A jurisprudência dos valores reaproxima o direito à ética88, resgatando o conceito de

justiça para formação do Estado Democrático de Direito. A reaproximação ocorre a partir da segunda metade do século XX, quando o direito já não cabia mais no positivismo jurídico, pois a sua separação da ética não correspondia ao estágio do processo civilizatório e às ambições dos que patrocinavam a causa da humanidade89. As atrocidades legalmente

cometidas durante a segunda grande guerra despertaram a necessidade da inserção de valores

85 SILVA, Alexandre Alberto Teodoro da. Avaliação concreta da interpretação no direito tributário. Disponível em: <http://revista.direitofranca.br/index.php/refdf/article/viewArticle/36>. Acessado em: 09.02.2013.

86 LARENZ, Karl, Metodologia da Ciência do Direito. Tradução José Lamego. 3ª ed. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 1997, p. 3.

87 TORRES, Ricardo Lobo. Normas de interpretação e integração do direito tributário. 4ª ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2006, p. 271-272.

88 Segundo Ricardo Lobo Torres a reaproximação da ética e do direito ocorre a partir da influência da filosofia de Kant (teoria do conhecimento de Kant), o que se convencionou chamar de ‘virada kantiana’ (kantische Wende), tem-se o retorno dos valores como caminho para a superação dos positivismos. TORRES, Ricardo Lobo. Tratado de direito constitucional, financeiro e tributário: Valores e princípios constitucionais tributários, Volume II. Valores e Princípios Constitucionais Tributários. Rio de Janeiro: Renovar, 2005, p. 41.

89 BARROSO, Luís Roberto. Fundamentos teóricos e filosóficos do novo direito constitucional brasileiro (Pós-

modernidade, teoria crítica e pós-positivismo). Salvador: Revista Diálogo Jurídico, v. I, nº. 6, setembro, 2001, p. 19.

no direito por meio dos princípios90. É possível e desejável que o direito seja interpelado

criticamente, a partir de conteúdos éticos e morais nascidos da luta social e política91.

No direito tributário, as contribuições acadêmicas de Klaus Tipke, Klaus Vogel e Moris Lehner, Pedro Herrera Molina, Tulio Rosembuj, Ricardo Lobo Torres entre outros, oportunizaram a inserção da jurisprudência dos valores. O direito tributário, como todos outros ramos do direito, deve ser interpretado com o fim de atribuir ao preceito jurídico o valor que lhe é próprio, superando as interpretações que ora concedem prevalência ao contribuinte (in dubio pro contribuinte) ora ao Fisco (in dubio pro fisco), permitindo a interpretação que conceda primazia à justiça tributária, reaproximando a tributação da capacidade contributiva, a fim de promover o equilíbrio material, formal e processual da relação jurídica tributária92.

Essa concepção de direito tributário tem reflexo relevante no planejamento tributário. A liberdade concedida ao contribuinte para realizar planejamento tributário deixa de ser absoluta (jurisprudência dos conceitos), bem como não pode ser desconsiderada sob o pretexto de atender as necessidades de aumento de arrecadação do Estado (jurisprudência dos interesses). O direito de realizar planejamentos tributários passa a ser sopesado com os demais valores que integram o sistema jurídico, de modo a se harmonizar com a justiça tributária.

Nesse contexto, as interpretações puramente formais, aéticas ou segundo os interesses do Estado não encontram legitimidade no direito tributário, na medida em que hoje estão na ordem do dia os grandes princípios jurídicos: confiança, boa-fé, moralidade93. Com o

sistema jurídico cada vez mais está aberto a normas de elevado conteúdo axiológico, abstração e generalidade, o contribuinte ao realizar um planejamento tributário deve ao mesmo tempo considerar, conjugar e sopesar regras e princípios que irradiam todo ordenamento jurídico.

Conforme Douglas Yamashita, sempre que a condicionalidade de regras tributárias cogentes falhar por negócios em fraude à lei, contrariando aos princípios jurídicos pertinentes, “estes princípios entram em ação coordenada para correção de tal falha circunstancial, desde

90 Segunda a definição Robert Alexy os princípios são normas com alto grau de generalidade e de conteúdo axiológico, constituindo mandamentos de otimização. ALEXY, Robert. Teoria dos direito fundamentais. Tradução Virgílio Afonso da Silva. 2ª ed. São Paulo: Malheiros, 2012, p. 90.

91 GRAU, Eros Roberto. Por que tenho medo dos juízes. 6ªed. São Paulo: Malheiros, 2013. p. 17. 92 MARINS, James. Defesa e vulnerabilidade do contribuinte. São Paulo: Dialética, 2009. 93 GRECO, Marco Aurélio. Planejamento tributário. 3ª ed. São Paulo: Dialética, 2011, p. 46.

que, evidentemente, propósitos negociais efetivos não consubstanciem um pré-excludente da ilicitude”94.

A ação coordenada de princípios limita-se à desconsideração dos negócios. A aplicação da jurisprudência dos valores ao planejamento tributário assegura o equilíbrio entre a liberdade, legalidade, capacidade contributiva, sem conotações vinculadas à busca do crescimento de arrecadação, perseguindo o objetivo de assegurar à tributação os valores da justiça e da liberdade95.

O planejamento tributário para ser considerado como licito deve respeitar a capacidade contributiva, princípio constitucional que se consagra como um vetor axiológico e tem por finalidade garantir a justiça tributária. Segundo Marco Aurélio Greco, a capacidade contributiva tempera a liberdade com a solidariedade, a fim de que a repartição dos encargos tributários atenda à justiça tributária96.

A liberdade de o contribuinte realizar planejamentos tributários visando a uma redução nos custos da imposição fiscal deve ser garantida, bem como a justa repartição dos encargos tributários, de modo que cada contribuinte possa contribuir para o financiamento das despesas estatais de acordo com sua capacidade contributiva. Com a jurisprudência dos valores, a legitimidade do planejamento tributário é verificada por adequação as normas e aos valores que permeiam o sistema jurídico, a fim de garantir a justiça na repartição dos encargos tributários.