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5 PRIMAZIA DAS REGRAS NA REGULAMENTAÇÃO DO

5.2 REGRAS GERAIS ANTIELISIVAS

As regras gerais antielisivas têm por objetivo fixar os limites do planejamento tributário, de modo a evitar abusos tanto por parte do contribuinte quanto por parte do Estado. Tais regras aumentam o grau de conhecimento, previsibilidade, segurança jurídica e controle

213 TORRES, Ricardo Lobo. Normas de Interpretação e Integração no Direito Tributário. 4. ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2006, p. 226.

214 TÔRRES, Heleno. Direito tributário e direito privado: autonomia privada: simulação: elusão tributária. São Paulo: Revistas dos Tribunais, 2003, p. 235-236.

215 VITA, Jonathan Barros. Teoria Geral das Normas Antielisivas (Re)Definição e Classificação. ELALI,

André; MACHADO SEGUNDO, Hugo de Brito; TRENNEPOHL, Terence (coord.). Direito Tributário – Homenagem a Hugo de Brito Machado. São Paulo: Quartier Latin, 2010, p. 101.

do poder tributário, porquanto disciplinam quais comportamentos elisivos serão permitidos ou proibidos, reduzindo ou eliminando os custos sociais no cumprimento das obrigações tributária216.

Destaca-se que são gerais não apenas por terem destinatários indefinidos, mas por serem espécies de regras cuja materialidade da hipótese de incidência é ordenada para cominar os pressupostos necessários para a incidência de regras tributárias específicas ou para desconsiderar ou requalificar os atos ou negócios elisivos operados pelo contribuinte217.

Marco Aurélio Pereira Valadão afirma que tais regras trazem “um conceito tributário aberto, no sentido de que tende a tipificar fatos que não estariam tributados não fossem distorções nas formas negociais utilizadas pelo contribuinte”218.

Assim, a aplicação e concretização das regras gerais antielisivas exigem o seu ulterior fechamento por normas específicas ou mediante regras individuais concretas, pois se utiliza de conceito tributário aberto cuja hipótese de incidência é ordenada de forma mais ampla ou até mesmo incompleta. Decerto, na maioria das vezes, as regras tributárias têm sua hipótese de incidência completa, possuem conceito tributário fechado, com aplicabilidade imediata, sem a necessidade de outras regras para sua aplicação e concretização.

Por isso, as regras gerais antielisivas sofrem resistência e críticas dos autores219, por

entenderem que há violação a legalidade, tipicidade, liberdade, utilização de analogia e tributação por ficção. Alberto Xavier, um dos autores com as críticas mais difundidas, afirma que tais normas pretendem que o ato jurídico extratípico produza os efeitos jurídico- econômicos equivalentes aos do ato típico, de modo aplicar por analogia a norma tributária220.

O autor parte da concepção que a tributação deve ser calcada no princípio da determinação ou da tipicidade fechada, “o que exige que todos os elementos integrantes do tipo sejam de tal

216 Não se pode perde de vista que o cumprimento e a arrecadação das obrigações tributárias resultam em custos sociais. A carga tributária efetiva suportado pelo contribuinte é maior, bem como a arrecadação tributária efetiva do Estado é menor, em razão dos custos operacionais da tributação que incluem o custo administrativo de arrecadar (público) e o custo de conformidade com as obrigações tributárias (privado). A compreensão da existência de custos sociais associados aos custos operacionais revela a substituibilidade (trade-off) parcial entre custos administrativos e obrigações acessórias. Vide. GICO JR, Ivo Teixeira. VALADÃO, Marcos Aurélio Pereira. PLUTARCO, Hugo Mendes. O custo social das obrigações tributárias acessórias. Economic Analysis of Law Review, V. 3, nº 2, p. 338-349, Jul-Dez, 2012, p. 342/344. Brasília. Disponível em: <http://www.ealr.com.br>. Acessado em 03.02.2013.

217 TÔRRES, Heleno. Direito tributário e direito privado: autonomia privada: simulação: elusão tributária. São Paulo: Revistas dos Tribunais, 2003, p. 237.

218 VALADÃO, Marcos Aurélio Pereira. Efeitos da globalização no sistema tributário brasileiro. Brasil, Rússia,

Índia e China (BRIC): Estruturas dos Sistemas Tributários. Agência Brasileira de Desenvolvimento Industrial. Brasília: Agência Brasileira de Desenvolvimento Industrial, 2011, p 19.

219 Na doutrina nacional podemos citar entre outros: Alfredo Augusto Becker, Antônio Roberto Sampaio Dória, Alberto Xavier, Roque Carraza, Sacha Calmon Navarro Correia, Luciano Amaro.

modo precisos e determinados na sua formulação legal que o órgão de aplicação do direito não possa introduzir critérios subjetivos de apreciação na sua aplicação concreta”221.

Edmar Oliveira Andrade Filho também terce críticas as normas gerais antielisivas, pois legitimaria a tributação com base em analogia. Segundo o autor é fato notório que essas normas, por um lado, visam concretizar o princípio da isonomia e da capacidade contributiva, mas de outro lado, eliminam a densidade normativa do princípio da legalidade e faz escárnio da segurança jurídica222. As regras gerais antielisivas, ao oportunizar a utilização de critérios

subjetivos na aplicação da lei, incorreriam em violação a segurança jurídica e a tipicidade tributária.

De uma forma ou de outra, os autores que atacam a utilização de regras gerais antielisivas consagram um ideologia liberal em que o contribuinte tem ampla liberdade para ordenar os atos e negócios visando a economia tributária. Para o direito seriam válidos os atos e negócios praticados com o único propósito de elidir a tributação, pois é licito o contribuinte procurar agir fora dos espaços delimitados pela norma de incidência tributária, bem como não haveria nenhum dever moral que obrigue o contribuinte escolher as formas tributárias mais gravosas para o desenvolvimento de suas atividades. Dessa forma, a elisão tributária seria um direito de defesa do contribuinte em face do exercício do poder tributário, sendo que as regras antielisivas representam uma tentativa de ruptura desse direito.

É inegável que as primeiras regras gerais antielisivas conferiam à Administração Pública poderes ilimitados para anular, desconsiderar ou requalificar os atos e negócios adotados pelos contribuintes. Marcos Aurélio Pereira Valadão lembra que as normas antielisivas gerais da primeira metade do século XX, tinham como fundamento e objetivo de acobertar abusos do Estado, abrindo a possibilidade de o Estado criar de maneira arbitrária, os fatos geradores dos tributos para satisfazer os caprichos dos governantes autoritários223.

Entretanto, a doutrina e a legislação hodiernas evoluíram, especialmente a internacional, trilhando o combater à elisão fiscal abusiva sem a utilização analogia224, recorrendo-se a

cláusulas aberta.

Diante da complexidade social, no direito é cada vez mais recorrente a utilização standards, as normas em branco, os conceitos jurídicos indeterminados e as cláusulas gerais. A utilização de cláusulas abertas e indeterminadas, cuja materialidade da hipótese de

221 XAVIER, Alberto. Tipicidade op. cit., p. 17

222 ANDRADE FILHO, Edmar Oliveira. Planejamento tributário. São Paulo: Saraiva, 2009, p. 47-48. 223 VALADÃO, Marcos Aurélio Pereira. op. cit., p 19.

224 Segundo Ricardo Lobo Torres, era comum o fisco recorre-se ao emprego da analogia para combater o planejamento tributário abusivo, o que pode conduzir à ilegalidade. TORRES, Ricardo Lobo. Normas de interpretação e integração do direito tributário. 4ª ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2006, p. 128-132.

incidência é ordenada de forma mais ampla ou até mesmo incompleta, o que exige o seu ulterior fechamento por normas específicas ou mediante regras individuais concretas, não importa em tributação por ficção ou por meio de analogia, tornando ilegítimo o exercício do poder tributário. É compatível com o princípio da reserva legal a elaboração de regras tributária a partir de conceitos indeterminados e cláusulas gerais225.

Judith Martins-Costa afirma que as cláusulas gerais e os conceitos jurídicos indeterminados, constituem o meio legislativamente hábil para permitir o ingresso, no ordenamento jurídico, de princípios, de standards, máximas de conduta, arquétipos exemplares de comportamento, das normativas constitucionais e de diretivas econômicas, sociais e políticas, viabilizando a sua sistematização no ordenamento positivo226. Segundo a

autora, as cláusulas gerais podem ser de três tipos:

a) disposições de tipo restritivo, configurando cláusulas gerais que delimitam ou restringem, em certas situações, o âmbito de um conjunto de permissões singulares advindas de regra ou princípio jurídico. É o caso, paradigmático, da restrição operada pela cláusula geral da função social do contrato às regras, contratuais ou legais, que têm sua fonte no princípio da liberdade contratual; b) de tipo regulativo, configurando cláusulas que servem para regular, com base em um princípio, hipóteses de fato não casuisticamente previstas na lei, como ocorre com a regulação da responsabilidade civil por culpa; e, por fim, de tipo extensivo, caso em que servem para ampliar uma determinada regulação jurídica mediante a expressa possibilidade de serem introduzidos, na regulação em causa, princípios e regras próprios de outros textos normativos227.

O direito tributário, como os outros ramos do direito, também opera por conceitos indeterminados que deverão ser preenchidos pela interpretação complementar da Administração, pela contra-analogia nos casos de abuso do direito e pela argumentação jurídica democraticamente desenvolvida228. Ricardo Lobo Torres afirmar que os conceitos

indeterminados são inevitáveis no direito tributário, pois a cada dia cresce o número de conceitos que exigem ulterior especificação, (exemplo: renda, circulação de mercadorias,

225 RIBEIRO, Ricardo Lodi. Justiça, interpretação, e elisão tributária. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2003, p. 181.

226Martins-Costa Judith. A Boa-Fé no Direito Privado. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1999, p. 274.

227Martins-Costa Judith. O direito privado como um "sistema em construção": as cláusulas gerais no Projeto do

Código Civil Brasileiro. Revista da Faculdade de Direito da UFRGS,n. 15, Porto Alegre, UFRGS/Síntese, 1998, pp. 129-154.

228TORRES, Ricardo Lobo. A legalidade tributária e os seus subprincípios constitucionais. Revista de Direito da Procuradoria Geral do Estado do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, n. 58, p. 193-219, 2004, p. 202.

grandes fortunas, etc.)229. Assim, as regras que adotam conceitos determinados e

indeterminados convivem harmoniosamente, pois cada uma exerce funções diversas.

Portanto, o uso no direito tributário de regras com conceitos determinados e indeterminados decorre da complexidade e da fluidez das bases econômicas que incidem a tributação, o que enseja a utilização de técnicas de fechamento dos conceitos, para fazer prevalecer o princípio da determinação, e as de abertura, como o emprego dos conceitos indeterminados e das cláusulas gerais. Marco Aurélio Pereira Valadão ressalta a impossibilidade prática dos Estados de desenvolverem hipótese de incidências antielisivas específicas para todas as possibilidades de planejamento tributário, mormente considerando que o crescimento exponencial da mobilidade dos fatores de produção, da complexidade e explosão das variedades de formas negociais230.

Para Heleno Tôrres a opção por uma norma geral para combater as condutas elisivas abusivas não equivale à tentativa de afirmação de interpretação econômica do direito tributário ou da interpretação fundada na in dubio pro fiscum. O autor constata vantagem de a própria lei adicionar pressupostos necessários para promover a desconsideração dos atos ou negócios jurídicos, como meios de garantir a autonomia privada, pois antes de tolher, amplia consideravelmente a certeza jurídica dos contribuintes231. Como se sabe, na determinação do

fato jurídico tributário os efeitos e a validade dos negócios jurídicos adotados pelo contribuinte não são oponíveis ao Fisco.

A utilização de regras gerais antielisivas confere objetividade, previsibilidade e calculabilidade nas condutas dos sujeitos da relação tributária ante um planejamento tributário. Dessa forma, nada melhor do que uma regra clara e objetiva para autorizar e regulamentar a devida qualificação ou requalificação dos atos e negócios elisivos, reduzindo a possibilidade de arbitrariedade e discricionariedade do agente público na determinação do fato jurídico tributário.

Portanto, não há nenhum impedimento no emprego de regras cuja hipótese de incidência seja mais ampla ou até mesmo incompleta. O que se exige, certamente, para produção de efeitos jurídicos concretos, é o ulterior fechamento por meio de regras individuais e concretas ou regras específicas. Ressalta-se que não se trata de defender

229 TORRES, Ricardo Lobo. O princípio da tipicidade no direito tributário. In: RIBEIRO, R.L.; ROCHA, S.A. (Coords.). Legalidade e tipicidade no direito tributário. São Paulo: Quartier Latin, 2008, p 153.

230 VALADÃO, Marcos Aurélio Pereira. Efeitos da globalização no sistema tributário brasileiro. Brasil, Rússia,

Índia e China (BRIC): Estruturas dos Sistemas Tributários. Agência Brasileira de Desenvolvimento Industrial. Brasília: Agência Brasileira de Desenvolvimento Industrial, 2011, p 20.

231 TÔRRES, Heleno. Direito tributário e direito privado: autonomia privada: simulação: elusão tributária. São Paulo: Revistas dos Tribunais, 2003, p. 238-239.

posições contrárias ou favoráveis ao Fisco, mas de conferir previsibilidade e calculabilidade as consequências jurídicas do planejamento tributário, impedindo abusos por parte do Estado e do contribuinte na qualificação ou requalificação dos atos e negócios destinados a redução do encargo tributário.