• Nenhum resultado encontrado

Princípio legalidade em matéria tributária

3 PAPEL DE REGRAS E PRINCÍPIOS NA REGULAMENTAÇÃO DO

3.6 REGRAS E PRINCÍPIO: DUAS FACES DA MESMA MOEDA?

4.1.3 Princípio legalidade em matéria tributária

A gênese do princípio da legalidade em matéria tributária ocorre na magna Carta de João-Sem Terra da Inglaterra, de 1215166, mas é a partir do Estado liberal, formado pelo

contrato social, que o princípio da legalidade passar submeter do Estado de forma plena aos seus desígnios. O princípio da legalidade em matéria tributária passa a refletir o autoconsentimento da tributação, eis que são cidadãos, por meio de seus representantes eleitos (no taxation without representation), quem decide de que forma e o quantum será a contribuição para o financiamento das despesas do Estado. O princípio representa o ideal do liberalismo de limitar e subjugar os poderes e as funções do Estado à lei, com isso assegurar aos contribuintes direitos e mecanismos de defesa em face do poder tributário.

Nesse passo, princípio da legalidade tributária desenvolveu-se e passou a apresentar, segundo Gerd Willi Rothmann, quatro feições: legalidade da administração, reserva da lei, estrita legalidade tributária e conformidade da tributação com o fato gerador167.

A primeira feição, legalidade da administração, consagra o Estado de Direito, no sentido de que as autoridades administrativas estão vinculadas ao direito e não apenas à lei formal. O Código Tributário Nacional reflete essa concepção, pois nos termos do artigo 96, a expressão legislação tributária “compreende as leis, os tratados e as convenções internacionais, os decretos e as normas complementares que versem, no todo ou em parte, sobre tributos e relações jurídicas a eles pertinentes”. A legalidade da administração impõe também a obrigatoriedade da cobrança dos tributos. Nesse sentido, o artigo 3° do Código Tributário Nacional, estabelece que o tributo é cobrado "mediante atividade administrativa plenamente vinculada", A mesma ideia da vinculação está contida no §único do art. 142 CTN: “A atividade administrativa de lançamento é vinculada e obrigatória, sob pena de responsabilidade funcional”.

166Em 1215, na Inglaterra, a nobreza e a plebe uniram-se para impor ao príncipe João um estatuto que objetiva coibir as atividades tributárias extorsivas. Este estatuto é conhecido como Magna Charta Libertatum erepresenta a primeira constituição inglesa. No seu artigo XII, a Magna Carta estabelece que: "no scutage or aid shall be imposed on oui kingdom unless by the common counsel of our kingdom, except for ransoming our person, for making our eldest son a knight, and for once marrying our eldest daughter, and for these there shall not be levied more than a reasonable aid”.

167 ROTHMANN, Gerd Willi. Oprincípio da legalidade tributária, in Nogueira, Ruy Barbosa. Direito tributário, São Paulo, Bushatsky, 1973.

A segunda feição, reserva da lei, constitui uma especificação do princípio da legalidade da administração vinculando-a não ao direito, de uma forma genérica, mas a lei no sentido formal, compreendida como aquela elaborada com a participação precípua da representação popular.

A terceira feição, estrita legalidade tributária, apresenta-se como proibição constitucional dirigida à administração federal, estadual e municipal de instituir ou aumentar tributos sem que haja uma lei que autorize – artigo 150, inciso I, da Constituição Federal168. A

quarta feição, conformidade da tributação como o fato gerador, de forma que o nascimento da obrigação tributária está subordinado a forma específica prevista com o fato gerador. Exige-se que a lei formal determine todos os elementos constitutivos da obrigação tributária, sem deixar ao critério da administração a diferenciação objetiva. A conformidade da tributação com o fato gerador tem estrutura obrigacional e pressupõe leis no sentido formal.

Essa concepção do princípio da legalidade em matéria tributária resultou no princípio da tipicidade fechada, exigindo que a lei seja rigorosa na descrição de todos os elementos, características e forma de incidência do tributo, o suficiente para impossibilitar que o Fisco utilize outros critérios no momento de aplicação da lei169. Dessa forma, o contribuinte tem

total liberdade para estruturar os seus atos e negócios jurídicos visando mitigar ou evitar a incidência tributária. O Fisco deve apenas verificar se a conduta praticada pelo contribuinte reveste-se do tipo legal previsto ou é ilícita (evasão tributária), do contrário nenhuma outra consequência legal poderia ser admitida.

Todavia, no que pese o princípio da legalidade em matéria tributária representar uma garantia em face do poder tributário do Estado, a sua feição hodierna também contempla efeitos sobre as condutas dos contribuintes, de modo a impedir a ocorrência de fraude a imperatividade da lei tributária. Conforme Norberto Bobbio, se uma norma jurídica é válida significa que é obrigatório conformar-se a ela. E ser obrigatório conformar-se a ela significa que caso não nos conformemos, o Estado por sua vez será obrigado a intervir170. Assim, criar,

alterar ou dissimular uma situação de fato em que se encontra para fugir da incidência da

168Art. 150. Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios:

I - exigir ou aumentar tributo sem lei que o estabeleça;

169 Na definição de Alberto Xavier“A tipicidade do direito tributário é, pois, segundo certa terminologia, uma tipicidade fechada: contém em si todos os elementos para a valoração dos fatos e produção de efeitos, sem carecer de qualquer recurso a elementos a ela estranhos e sem tolerar qualquer valoração que se substitua ou acresça à contida no tipo legal”. Xavier, Alberto. Os princípios da legalidade e da tipicidade da tributação. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1978, p. 91.

170 BOBBIO, Norberto. Teoria do ordenamento jurídico. Tradução Maria Celeste C. J. Santos. Brasília: Editora da Universidade de Brasília, 6ª ed. 1995, p. 61.

norma ou esvaziar o comando, importa em fraude à lei171, por consectário malfere o princípio

da legalidade. Sobre fraude à lei Marco Aurélio Greco faz a seguinte explanação:

A fraude à lei é um drible jurídico em que o agente se utiliza da norma de contorno (norma 2) para obter o mesmo resultado que adviria do pressuposto de fato de incidência da norma contornada (norma 1) sem que seja por ela alcançado. Para o agente chegar ao resultado desejado, teria de passar pela norma 1 que é a norma de incidência ou a que prevê a maior carga tributária; mas faz um contorno, dá um drible, vai buscar a norma 2, realiza seu pressuposto de fato e obtém o mesmo resultado que obteria pela norma172.

Nesse contexto, atenta contra o princípio da legalidade em matéria tributária o planejamento tributário que viola expressamente à lei. Do mesmo modo, atenta contra o referido dispositivo criar, alterar ou dissimular uma situação de fato em que se encontra para fugir ou esvaziar a incidência da lei tributária. Existiria uma contradição insuperável no próprio sistema jurídico se princípio imperasse somente em face do Estado, deixando o contribuinte agir com absoluta liberdade, de modo a evitar a imperatividade da lei tributária. Por tal razão, há violação ao princípio da legalidade quando o planejamento tributário realizado pelo contribuinte incorrer em fraude à lei.