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2 FORMULAÇÃO DE ESTRATÉGIAS

2.3 Princípios e estrutura conceitual da ECP

Contrapondo-se ao foco teórico predominante na literatura sobre o processo de formulação de estratégia, sem, contudo, propor sua negação, mas sim uma forma complementar de sua análise, a ECP enfatiza "os processos e práticas que constituem as atividades do dia a dia da vida organizacional e que estão relacionadas aos resultados estratégicos" (JOHNSON, 2007, p. 7). A ECP propõe que sejam buscadas explicações sobre como se dá a formulação de estratégia, analisando-se o nível das atividades desenvolvidas (pelos gerentes) durante o processo de estrategização (strategizing, em inglês). De acordo com Whittington (1996), tais atividades se dão por meio de reuniões de planejamento, conversas, preenchimento de formulários e de incontáveis ações pelas quais a estratégia é formulada e implementada. Quer seja, propõe a análise de microatividades gerenciais e, portanto, se refere ao como os gerentes realmente fazem estratégia. Para o autor, a perspectiva da ECP retira o foco de preocupação com as competências centrais da corporação e o transfere para o das competências práticas do gerente como estrategista. Paroutis; Heracleous; Angwin (2013, p.12) concluem que

A perspectiva da estratégia-como-prática fundamentalmente se desloca das visões modernistas e positivistas de estratégia, que focam na escala macro de atividade organizacional, rumo a um enfoque de nível mais micro, humanístico, comportamental e interpretativo para a elaboração e execução da estratégia.

O que se nota nesse enfoque é a importância de se entender como atua o corpo gerencial, ou Top Management Team, nas palavras de Jarzabkowsky; Wilson (2002). Consideram-se, para tanto, as características do principal administrador – CEO, tais como nível de formação, experiência e liderança, dentre e outras, e de sua equipe gerencial, não apenas no tocante à formulação da estratégia, mas também quanto ao envolvimento de todos na sua realização diária, e de como essa participação influencia na obtenção dos resultados delas advindos. Outra preocupação é entender como as pessoas participantes do processo estratégico influenciam e são influenciadas por seus contextos organizacional e institucional (JOHNSON et al. 2007, p. 7).

Para esses autores, as pesquisas sobre Estratégia eram focadas mais na análise da relação entre a existência do plano e os resultados finais da organização, sem se atentarem para (e como) as atividades eram projetadas e executadas. São tais lacunas que a ECP pretende preencher ao propor o enfoque nas microatividades relativas à formulação de estratégia e de suas implicações intra e extraorganizacionais.

Ao se olhar o planejamento (processo formal e intencional de formulação de estratégias) como uma forma de criação, está-se focando na ação criativa de pessoas e, sob esse ponto de vista, a dificuldade para se apontar os impactos diretos da estratégia sobre o desempenho da organização não é tão significativo quanto ao fato de se estar praticando o planejamento. Sob tal perspectiva, há que se compreender com maior profundidade tanto aspectos que bem descrevam e caracterizam os praticantes, como aqueles que determinam sua atuação durante o processo da práxis estratégica.

Hodgkinson; Clarke (2007) apontam para o surgimento de instrumentos de mensuração psicométrica das diferenças individuais em processos analíticos e intuitivos em tomada de decisão, que podem auxiliar na compreensão da relação praticante-práxis.

Para os autores, os praticantes são classificados em quatro categorias cognitivas, de acordo com suas preferências quanto ao enfoque que utilizam para processar informações, que podem pender para o analítico ou para o intuitivo, conforme modelo da Figura 2.7, apresentada a seguir. Indivíduos categorizados enquanto Atentos aos detalhes (I) são altamente analíticos, prendem-se às minúcias dos dados disponíveis e possuem a tendência de resolver problemas passo a passo, correndo o risco de, ao se depararem com elevada quantidade de dados, atrasarem ou adiarem suas decisões por não conseguirem obter a visão completa da situação (paralisia devido ao excesso de análise).

Figura 2.7 – Tipologia Básica de diferenciação entre estratégias e estilos cognitivos

Fonte: Hodgkinson; Clarke (2007 p. 246)

As pessoas classificadas como Versáteis Cognitivamente (II) possuem inclinações tanto analítica como intuitiva, isto é, têm a capacidade de migrar rapidamente entre estratégias de processamento voltadas a uma ou outra forma de compreensão da realidade.

Os indivíduos da categoria (III) - Conscientes do Geral caracterizam-se pela busca da visão geral do problema, mesmo que à custa da perda de detalhes. São altamente intuitivos e tem facilidade de abstrair o todo a partir dos detalhes disponíveis. O que é um aspecto favorável também pode se tornar perigoso, caso venham a elaborar sua macrovisão a partir de uma análise superficial dos dados, por ignorarem alguns de seus aspectos importantes, o que dificilmente ocorreria a um indivíduo analítico.

Os indivíduos pertencentes à última categoria, a dos Sem Discernimento, têm como característica não terem inclinações analíticas ou intuitivas, não possuindo quaisquer recursos cognitivos para elaborarem uma compreensão estratégica.

Para Jarzabkowski (2004), o termo 'praticar' tem a conotação de execução repetitiva de uma ou mais ações, ou seja, de sua rotinização por meio da interação entre agentes e estruturas socialmente produzidas. Tais interações produzem o que Cohen; Bacdayan (1994)

Intuitivo Alto Baixo Baixo Alto Analítico I Atento aos detalhes II Cognitivamente Versátil III Consciente do Geral IV Sem Discernimento

denominaram memória procedural, prática que respalda ações desenvolvidas a partir das experiências que os atores tiveram baseadas em processos não conscientes de pensamento e que geraram conhecimento tacitamente aceito pela organização. Assim sendo, o conhecimento de um indivíduo torna-se também uma manifestação coletiva, uma vez que compartilhado por grupos de atores que se relacionam por meio das estruturas sociais existentes. Tal compartilhamento possibilita também a existência de estruturas de memória coletiva, práticas que "limitam" o processo criativo e criam filtros de percepção que direcionam o comportamento de escolha para algo já conhecido e aceito institucionalmente, propiciando a manutenção do status quo. Criam-se ou se fortalecem culturas (práticas) a partir de decisões intuitivas, aqui compreendidas como aquelas produzidas, total ou parcialmente, por meio de processo mental não consciente (HODGKINSON et al., 2009).

A memória coletiva propicia o surgimento de ritos e práticas próprios da organização no tocante ao seu processo de tomada de decisão, que podem ser tidos como uma fonte não transferível de vantagem competitiva.

Os conceitos até aqui descritos serão orientadores do estudo dos casos, ao indicarem possíveis olhares teóricos sobre as variáveis empregadas e suas interrelações, facilitando o entendimento de suas influências sobre o processo de estrategização de seus resultados.

A aplicação da compreensão da estratégia como uma atividade social, a exemplo de várias outras, “como o jornalismo, as leis, a guerra e o casamento” (WHITTINGTON, 2007), pressupõe que o estudo de estratégia requer ‘olhos sociológicos’ (HUGHES, 1971), que incluem sensibilidade na análise das conexões e relacionamentos, e reconhecimento da inserção social da estratégia e estrategistas. Nas palavras de Whittington, et al. (2006, p. 615), “[...] a pesquisa de estratégia deve afastar-se do seu domínio tradicional da análise econômica para entender a ampla variedade de práticas eficazes no trabalho de estrategização, atraindo a observação para mais próximo do que os estrategistas realmente fazem [...]”. De acordo com Snow (1999), deve-se adicionar ainda, para sua melhor compreensão, o que denominou de “senso férreo” (irony sense) que leva o gestor a sempre buscar descobrir o que pode ter sido negligenciado e não compreendido.

Na Figura 2.8 são apresentados os aspectos focalizados no estudo de cada caso.

Nela, estão destacados os aspectos que serão focalizados nessa complexa estrutura procurando-se identificar alguns dos nexos lógicos que podem auxiliar a compreensão das características dos processos examinados, dos comportamentos adotados e dos resultados obtidos.

Figura 2.8 – Aspectos focalizados nos estudos de caso

Fonte: elaborado pelo autor

Na seção anterior, ao definir estratégias emergentes e deliberadas, focou-se no processo de formulação do plano estratégico (enquanto etapa de criação de estratégias deliberadas). Já seu processo de acompanhamento é o momento em que a equipe gestora ou de dirigentes (praticantes) verifica se a implantação das estratégias está sendo devidamente executada, monitorando-as a partir de resultados obtidos (ou em obtenção) pelas operações definidas no plano. É nesse processo que se deve rever, em função dos resultados, objetivos traçados, influências internas e externas, a pertinência de se efetuar ajustes ao plano, nele inserindo, alterando ou excluindo ações, bem como se estipulando novas prioridades se necessário. A percepção de estratégias emergentes também implica em alterar o plano, ajustando-o à realidade. Nota-se, portanto, que a flexibilidade é atributo indispensável aos planos.