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Princípios gerais do Direito Econômico e da atividade econômica

3.3.1 Princípios do Direito

3.3.1.1 Princípios gerais do Direito Econômico e da atividade econômica

De acordo com Leonardo Vizeu Figueiredo, os princípios têm por finalidade precípua orientar a produção de leis, isto é, do direito objetivo, sendo de norte imprescindível para a atividade parlamentar, servindo de diretiva para o legislador, bem como, para o operador de Direito, de parâmetro de delimitação de aplicabilidade do direito positivo às situações fáticas cotidianas a serem a ele subsumidas. Em razão de seu maior campo de amplitude, os princípios admitem maior flexibilização às situações sociais, quando da aplicação da literalidade do texto da norma aos casos concretos.196

O referido autor faz uma distinção entre princípios e regras, dizendo ser possível verificar que tal diferenciação se encontra em grau de abstração. Observe- se que tanto princípios quanto regras se concretizam na medida em que vão sendo positivados no texto legal, ganhando, assim, compreensão cada vez maior. Há de se

193 ALEXY, Robert. Teoria de los derechos fundamentales. Madri: Centro de Estudios

Constitucionales, 1993; HABERMAS, Jürgen. Direito e democracia: entre facticidade e validade. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1997, v. I e II apud TURA, Marco Antônio Ribeiro. O lugar dos princípios em uma concepção do Direito como sistema. Revista do Instituto do Direito Brasileiro, p. 690.

194 TURA, Marco Antônio Ribeiro, op. cit., loc. cit. 195 Ibidem, loc. cit.

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ressaltar, conforme já visto, que as normas regras são comandos concretizados da vontade do legislador, no sentido de definir, dentro do ordenamento jurídico, quem poderá individualizar, em seu patrimônio pessoal, direitos subjetivos, exercendo-os em face de outrem.197

No campo do Direito Econômico, em que pese a singularidade que o caracteriza enquanto ramo de Direito Público, é possível destacar três princípios gerais, a saber: economicidade, eficiência e generalidade, que servem como sustentáculo desse ramo, não obstante o alto grau de regionalização que o Direito Econômico possui em relação à política e ao sistema econômico adotados pelo ordenamento jurídico ao qual pertence.

Os princípios gerais do Direito Econômico são fundados, norteados e permeados, concomitantemente, tanto em valores de Direito Público quanto em valores de Direito Privado, dado o ecletismo que caracteriza esse ramo jurídico, concedendo aos referidos princípios traços próprios e específicos que os distinguem de sua aplicação em outros ramos do Direito.

Figueiredo assim apresenta os três mencionados princípios:198

 Princípio da economicidade: é oriundo do Direito Financeiro, com previsão expressa no artigo 70, caput, da Constituição Federal. Todavia, a aplicação desse princípio no Direito Econômico deve ser precedida de um exercício sistemático de hermenêutica constitucional, sendo ainda norteada e permeada pelo ecletismo de valores do Direito Privado que caracterizam esse ramo jurídico. Desse modo, interpretando-se sistematicamente o artigo 70, caput, combinado com os artigos 3º, inciso II, 170, caput, e 174, caput, todos da Carta Magna, a economicidade no campo do Direito Econômico significa que o Estado deve focar suas políticas públicas de planejamento para a ordem econômica em atividades economicamente viáveis tanto em curto prazo quanto em longo prazo, garantindo, assim, o desenvolvimento econômico sustentável e racional do país. Igualmente, esse princípio estabelece que o ente estatal, na busca da realização de seus objetivos fixados em sua política econômica, deve alcançar suas metas com apenas os gastos que se fizerem necessários, de modo a não onerar excessivamente o erário e toda a sociedade. Dessa forma, o Estado, ao estabelecer suas decisões políticas, bem

197 Lições de direito econômico, p. 21. 198 Ibidem, p. 2-24.

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como para orientar o mercado, deve primar pelas condutas que impliquem menor custo social, conjugando quantidade com qualidade;

 Princípio da eficiência: oriundo do Direito Administrativo, com previsão expressa no artigo 37, caput, da Constituição Federal, é aplicado no Direito Econômico mediante exegese sistêmica do referido dispositivo com as previsões contidas no artigo 180 e incisos da Carta Magna, mormente a livre iniciativa e a livre concorrência. No campo do Direito, a eficiência determina que o Estado, ao estabelecer suas políticas, deve pautar sua conduta com o fim de viabilizar e maximizar a produção de resultados da atividade econômica, conjugando os interesses privados dos agentes econômicos que melhor atendam ao interesse público, assegurando, assim, o êxito de sua ordem econômica; e

 Princípio da generalidade: confere às normas de Direito Econômico alto grau de generalidade e abstração, ampliando o seu campo de incidência ao máximo possível, a fim de possibilitar a sua aplicação com relação à grande multiplicidade de organismos econômicos, à diversidade de regimes jurídicos de intervenção estatal, bem como às constantes e dinâmicas mudanças que ocorrem no mercado. O ordenamento de Direito Econômico deve ser capaz de adaptar-se às alterações mercadológicas de maneira célere, assegurando a eficácia de sua força normativa, como instrumento disciplinador do fato econômico. Como exemplo de estatuto jurídico maleável, característico do Direito Econômico, cabe destacar a lei brasileira de proteção à concorrência (antiga Lei nº 8.884/94, e Lei nº 12.529/2011, em vigor), cujo campo de incidência estende-se e adapta-se perfeitamente a toda a atividade econômica na ordem nacional.

Segundo Rosemiro Pereira Leal, o Direito Econômico, como braço auxiliar da problemática abordada, não pode abranger somente o que está contido nas normas econômicas que venham a regular a política econômica adotada na ordem jurídica de um Estado, mas há de ser, sobretudo, um ramo historicamente autônomo das Ciências Jurídicas, fundado em princípios, regras, institutos e instituições, todos bem delineados. Na sua visão, alguns princípios básicos do Direito Econômico são: “Princípio da Intervenção; princípio do planejamento; princípio da liberdade de iniciativa com as contentações do princípio da intervenção; princípio da expansão do

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emprego; princípios da harmonia e da solidariedade; princípios da repressão do abuso do poder econômico”.199

Isabel Vaz também apresenta uma lista de princípios, contendo os acima enumerados por Leal, porém acrescenta a economicidade (também apontada por Figueiredo), que, com a Constituição Federal de 1988, em seu artigo 70, caput, adquiriu a dignidade de princípio constitucional.200

Já Modesto Carvalhosa, por sua vez, entende que a economicidade, na esfera do Direito Econômico, não representa uma mera afirmação de princípios jurídicos, mas se mostra como um método rigorosamente científico, no qual prevalecem os critérios de avaliação comparativa do sacrifício efetivamente suportável.201

Para Vicente Bagnoli, cumpre ressaltar que a Constituição Federal de 1988, inicialmente, em sua redação original, concentrava-se, no que se refere à atividade econômica, em três pontos: (i) discorrer acerca dos princípios; (ii) estabelecer o protecionismo à empresa brasileira de capital nacional; e (iii) dispor sobre a atuação do Estado no domínio econômico.

Diante disso, Bagnoli apresenta 18 princípios gerais da atividade econômica, os quais são de extrema importância e encontram-se elencados a seguir:

1) Ordem econômica: “Art. 170. A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos a existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os seguintes princípios”. Bagnoli esclarece que esse artigo estabelece a estrutura geral do ordenamento jurídico-econômico, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, cuja finalidade da política econômica adotada pelo Estado está em assegurar a existência digna;

2) Soberania nacional: por este princípio, o referido autor entende que uma nação que se diz soberana no campo político dificilmente conseguirá exercer em plenitude a sua soberania se não for soberana no campo econômico, pois ela contribui decisivamente para a independência de um Estado em relação a outros Estados;

3) Propriedade privada: a Constituição de 1988 traz o princípio da

199 Direito econômico: soberania e mercado mundial. Belo Horizonte: Del Rey, 2005, p. 18. 200 Direito econômico das propriedades. Rio de Janeiro: Forense, 1992, p. 256.

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propriedade privada em seu artigo 5º, inciso XXII, como garantia ao indivíduo e como princípio de ordem econômica, pressuposto da liberdade de iniciativa. A propriedade privada é princípio típico da liberdade de iniciativa e das economias capitalistas, sem o qual não existiria segurança jurídica para os agentes econômicos atuarem nos mercados;

4) Função social da propriedade: presente na Constituição de 1988, no artigo 5º, inciso XXIII, e no artigo 170, inciso III, tal princípio confirma o direito do indivíduo sobre a propriedade, mas determina que ela deve cumprir a sua função social, não mais aceitando o direito da propriedade em sua plenitude, típico do liberalismo, como constava das Cartas de 1824 e 1891;

5) Livre concorrência: Bagnoli diz que a Constituição de 1988 prevê este princípio, que garante aos agentes econômicos a oportunidade de competirem de forma justa no mercado;

6) Defesa do consumidor: este princípio se apresenta de forma direta, num contexto microeconômico e microjurídico, mas também de forma ampliada, por meio da livre concorrência. Garantir a livre concorrência no mercado significa, numa perspectiva de análise, defender o bem-estar econômico do consumidor, que sai beneficiado com produtos e serviços de maior qualidade e preços mais vantajosos;

7) Defesa do meio ambiente: Bagnoli entende que o meio ambiente, início da atividade econômica com a exploração dos recursos naturais, está estreitamente relacionado com a ordem econômica, sobretudo a partir da análise da economia e do desprezo à ética e à moral, que coloca o lucro máximo acima de qualquer valor ou princípio;

8) Redução das desigualdades regionais e sociais: é importante salientar que a redução das desigualdades regionais e sociais, independentemente de medidas emergenciais, deve ser feita por meio da ordem econômica, cujos fundamentos estão na valorização do trabalho e na livre iniciativa;

9) Busca do pleno emprego: o Estado, respeitando o fundamento da ordem econômica da valorização do trabalho, deverá estruturar a sua política econômica de modo a viabilizar o trabalho para os indivíduos. A busca do pleno emprego, portanto, deve ser compreendida como os mecanismos colocados em prática pelo Estado para reduzir o desemprego e, assim, garantir trabalho aos cidadãos, de modo que, pelos proventos do seu trabalho, cada indivíduo tenha assegurada a sua existência digna em sociedade;

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10) Tratamento favorecido para empresas de pequeno porte: para Bagnoli, este princípio favorece as empresas de pequeno porte desde que constituídas em conformidade com o regime legal brasileiro e cuja sede e administração encontrem- se no país, como uma forma do Estado de intervir na liberdade econômica, privilegiando o empresário que está disposto a investir no desenvolvimento de sua região e viabilizar o pleno emprego;

11) Livre exercício da atividade econômica: segundo o paragrafo único do artigo 170, é assegurado a todos o livre exercício de qualquer atividade econômica, independentemente de autorização de órgãos públicos, salvo nos casos previstos em lei. Bagnoli diz que este princípio é típico das sociedades capitalistas modernas, sendo colocado como fundamento da ordem econômica disposta no artigo 170;

12) Empresa brasileira e empresa brasileira de capital nacional: o protecionismo à empresa brasileira nacional de capital nacional ficava evidente no texto constitucional de 1988, nos parágrafos do artigo 171 e em seus incisos e alíneas, que dispunham que a lei poderia conceder benefícios a tal empresa em detrimento da empresa nacional. Era, portanto, uma proteção à empresa brasileira contra a concorrência global que se iniciava, de fato, no Brasil;

13) Capital estrangeiro: de acordo com o artigo 172 da Constituição de 1988, a lei disciplinará, com base no interesse nacional, os investimentos de capital estrangeiro, incentivará os reinvestimentos e regulará a remessas de lucros;

14) Atuação do Estado no domínio econômico: os artigos 173 e 174 da Constituição de 1988 são muito importantes, pois traçam a nova forma pela qual o Estado deve atuar no domínio econômico. Não se trata mais de um Estado agente econômico e monopolista em muitas situações, tampouco de um Estado ausente nos padrões liberais, deixando que a concorrência entre agentes privados, por si só, regulasse a economia;

15) Outras formas de atuação do Estado no domínio econômico: a Constituição de 1988, nos artigos 175 a 181, apresenta outras formas da atuação do Estado, como a prestação de serviços públicos sob o regime de concessão, a propriedade de jazidas, o monopólio do petróleo e do gás natural, transportes aéreo, marítimo e terrestre, e o turismo;

16) Política urbana: nos artigos 182 e 183, a Constituição de 1988 prescreve que a política de desenvolvimento urbano é executada pelo Poder Público municipal, conforme as diretrizes gerais fixadas em lei, e tem por objetivo ordenar o pleno

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desenvolvimento das funções sociais da cidade e garantir o bem-estar de seus habitantes;

17) Política agrícola, fundiária e reforma agrária: dispõe a Constituição de 1988, nos artigos 184 a 191, que é competência da União desapropriar por interesse social, para fins de reforma agrária, o imóvel que não esteja cumprindo a sua função social, mediante prévia e justa indenização em títulos da dívida agrária; e

18) Sistema Financeiro Nacional: de acordo com o artigo 192 da Constituição de 1988, o SFN é estruturado de forma a promover o desenvolvimento equilibrado do país e a servir aos interesses da coletividade, em todas as partes que o compõem, abrangendo as cooperativas de crédito, e será regulado por leis complementares que disporão, inclusive, sobre a participação do capital estrangeiro nas instituições que o integram (Redação do artigo 192 dada pela Emenda Constitucional nº 40, de 19 de maio de 2003).202

São esses os princípios que presidem a atividade econômica, segundo Bagnoli. Alguns deles serão mais bem detalhados no decorrer deste trabalho, como ordem econômica, redução das desigualdades regionais e sociais, pleno emprego, atuação do Estado no domínio econômico e Sistema Financeiro Nacional.