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A PROBLEMÁTICA DA PUREZA ESTRATÉGICA E DAS ESTRATÉGIAS HÍBRIDAS OU COMBINADAS

Caracterização dos Arquétipos Organizacionais da Tipologia de Miles e Snow

RISCOS E BENEFÍCIOS

2.3.4 A PROBLEMÁTICA DA PUREZA ESTRATÉGICA E DAS ESTRATÉGIAS HÍBRIDAS OU COMBINADAS

No ponto anterior, foram apresentadas três exemplos de tipologias de orientação estratégica, as quais procuram estabelecer padrões de comportamento, nos quais possamos integrar as empresas que estudamos e construir um racional estratégico para entender as suas decisões. No entanto, como vimos, sobretudo no posicionamento de Porter (1980) acerca das empresas que procuram em simultâneo, implementar estratégias de custo e diferenciação, parece haver alguma relutância na aceitação de que as empresas que recorrem a mais do que uma estratégia de negócio em simultâneo, possam ser bem-sucedidas, sobretudo no longo prazo. Esta posição é baseada na dispersão de recursos e foco que tal opção implica, e pela concorrência mais especializada que terão que enfrentar. Partindo desta ideia, tem-se gerado uma discussão sobre se efectivamente as estratégias puras serão uma garantia de maior sucesso para as empresas, comparativamente às estratégias de negócio descritas como híbridas ou combinadas.

A estratégia é tradicionalmente considerada como uma escolha entre decisões dissonantes, ou seja, custo versus diferenciação (inclui a estratégia de nicho). Porter (1980) afirma que as empresas que seguem uma destas estratégias genéricas podem atingir um desempenho acima da média, no longo prazo. Contudo, as empresas que optam por uma estratégia combinada ou híbrida colocam-se numa posição que o autor define como “stuck-in-the-middle” e terão desempenhos inferiores. A posição “stuck-in-the-middle” é frequentemente associada, por um lado a uma ausência de vontade por parte da empresa em fazer escolhas estratégicas e, por outro lado, à sua tentativa de competir através de todos os meios que tiver possibilidade, o que não resulta numa vantagem competitiva porque “a realização de diferentes tipos de vantagem competitiva geralmente requer acções inconsistentes" (Porter, 1985, p.17).

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Assim, na temática das orientações estratégicas e da escolha da estratégia de negócio da empresa, existe uma discussão sustentada sobre qual será efectivamente, a melhor opção estratégica para conduzir as empresas a um desempenho superior: optar por uma estratégia de negócio pura ou por uma estratégia híbrida, resultante da combinação de duas ou mais estratégias puras.

Num estudo onde se avaliaram os aspectos da pureza estratégica e desempenho em quatro dos sectores industriais (indústria transformadora, construção, retalho e serviços), constatou-se que o desempenho das estratégias puras nunca foi inferior e, em muitas ocasiões, mostrou ser superior aos das estratégias híbridas, o que está de acordo com a perspectiva de Porter e da maioria dos autores (Thornhill, 2007).

A corrente que defende que as estratégias puras serão mais eficazes para atingir um desempenho superior, contrapõe ainda que as empresas que seguem estratégias híbridas terão concorrentes com estratégias puras de baixo custo e diferenciação, pelo que enfrentam uma concorrência forte e especializada num espaço estratégico muito competitivo, o que dificultará desempenhos muito elevados. Focando-se na acrescida complexidade das estratégias híbridas, mencionam ainda que este aspecto dificulta a definição de prioridades e origina confusão e desorientação (March, 1991), podendo mesmo exigir a adopção de estruturas mais dispendiosas e difíceis de gerir (Miles, 1978).

No entanto, o quadro conceptual original de Porter pode ter-se tornado demasiado rígido, e relativamente menos apropriado, para caracterizar as empresas que presentemente enfrentam mercados dinâmicos e mais turbulentos (Booth, 1998 cit. in Pertusa-Ortega, 2007). A perspectiva de Porter pode também subestimar os resultados do desempenho estratégico dos métodos da gestão mais modernos, como os baseados nos recursos e tecnologias de produção (Leitner, 2010). Deste modo, no ambiente de mercado actual, onde as pressões competitivas se multiplicaram consideravelmente, a argumentação de Porter perdeu um pouco da sua atractividade, uma vez que presentemente algumas empresas altamente diferenciadas são forçadas a reduzir os preços para vender os seus produtos, devido à intensa concorrência desenvolvida dentro do seu grupo estratégico (Gurau, 2007).

A perspectiva de Porter é ainda criticada por não se ajustar à realidade empírica nem demonstrar o percurso para um desempenho superior (Gurau, 2007), por se basear em

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conceitos vagamente desenvolvidos e generalizações impostas por situações competitivas particulares (Aktouf, 2005 cit. in idem) e por representar um determinismo rígido quando, na verdade, as estratégias competitivas mostraram um valor limitado em ambientes complexos e dinâmicos (Brandenburger, 1995; Moore 1996 cit. in idem). Ao não reconhecer que as fontes de vantagem competitiva organizacional podem mudar com o tempo, este aspecto sugere que a teoria terá que ser desenvolvida e reinterpretada, de acordo com as novas condições competitivas, pela sua incapacidade em integrar e explicar as novas forças de mercado, que reformulam as condições de concorrência e as práticas de gestão.

Deste modo, diversos autores argumentam que a teoria de Porter sobre a relação entre as estratégias puras e o desempenho das empresas, no contexto actual, pode ter um valor explicativo limitado, pelos motivos sintetizados no quadro seguinte (quadro n.º 2):

Crítica Principais autores

Ajuste com a realidade

As estratégias genéricas não se ajustam à realidade empírica. As estratégias genéricas não consideram a evolução do mercado competitivo.

Dawes (1996) Dowes (1997) Aplicabilidade limitada

As estratégias genéricas não são aplicáveis a PME’s. As estratégias genéricas não são aplicáveis a mercados fragmentados.

As estratégias genéricas não são aplicáveis a retalhistas.

Alpkan (2005); Lee (2001) Borch (2003)

Botten (1996); Ruback (1998); Kaya (2003); Kotha (2003); Miller (1992); Murray (1988); Wagner (1997); Wright (1987); Wright et al. (1991)

Abordagens teóricas alternativas

A análise estratégica deveria aplicar-se a uma abordagem baseada nos recursos.

O processo estratégico é flexível e emergente, sendo baseado na tentativa-erro.

As estratégicas genéricas não consideram a necessidade de estratégias colaborativas.

Juga (1999); Kay (1993)

Botten (1999)

Brandenburguer (1995); Moore (1996)

Quadro n.º 2 – Críticas à perspectiva das estratégias genéricas de Porter. Fonte: Adaptado de Gurau (2007).

No entanto, apesar das suas limitações, o modelo de Porter constitui ainda uma ferramenta importante para analisar o ambiente de mercado competitivo e conceber estratégias eficazes. E, apesar de argumentar inicialmente, que as empresas que evitavam fazer a escolha dicotómica entre estratégias puras (custo versus diferenciação) iriam encontrar-se “stuck-in- the-midle”, ele reconheceu mais tarde que a evolução da indústria gera mudanças nas fontes de concorrência que as empresas enfrentam (Porter, 1980). Assim, é importante considerar as

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suas insuficiências e os modelos ou quadros analíticos alternativos, que podem complementar o modelo de Porter das estratégias genéricas (puras) (Gurau, 2007).

Alguns teóricos orientados para os processos, como March (1991) e Miles (1978) têm uma visão ambígua das estratégias híbridas, ao reconhecerem que as diferentes estratégias competem por recursos limitados, o que implica que se tenham que efectuar escolhas.

Alguns estudos abordaram a questão do desempenho das empresas “stuck-in-the-middle” e, enquanto alguns evidenciaram que estas empresas têm desempenhos inferiores (Leitner, 2010), outros referem que atingiram retornos maiores (Dess, 1984). Campbell-Hunt (2000) efectuou uma meta-análise na qual refere que os estudos analisados, pelo facto de não terem isolado as empresas “stuck-in-the-middle”, não são conclusivos relativamente ao seu desempenho, comparativamente às empresas que utilizam estratégias puras.

Leitner (2010) constatou que a combinação ou estratégias mistas promovem um desempenho igualmente bom, ou superior às estratégias puras. Uma explicação possível das estratégias combinadas poderem proporcionar uma vantagem competitiva, pode ser sustentada nas recentes tecnologias (mais flexíveis) e práticas de gestão e qualidade, que permitem que as empresas possam simultaneamente, reduzir custos e diferenciar produtos. Além disso, uma estratégia combinada pode contribuir para reduzir o risco de mercado e maximizar o desempenho no longo prazo. Os autores argumentam ainda que por este motivo, uma estratégia combinada não deve ser equiparada à falta de vontade de fazer escolhas associada uma fase de transição (Thornhill, 2007), mas é deliberadamente seguida durante um período de tempo mais longo. O facto de as empresas poderem efectuar uma reavaliação das suas estratégias, pode também levá-las a empregarem estratégias combinadas (ex.: empresas altamente diferenciadas podem reduzir os preços para estimular as vendas), que provaram ser um sucesso numa variedade de contextos (Spillan, 2011).

Se observarmos o tipo analisador proposto por Miles e Snow (1978), podemos constatar que este combina características de prospector e de defensor, esforçando-se, assim, para defender os mercados de produto existentes melhorando a eficiência e, em simultâneo, procurando novas oportunidades de mercado através da oferta de novos produtos (Venkatraman, 1990).

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No entanto, Miles e Snow (1978) argumentam a este respeito, que o equilíbrio é delicado e não é fácil, exigindo um controlo contínuo e próximo. Contudo, pelo facto de estar integrada numa das tipologias de referência no domínio das orientações estratégicas genéricas, fortalece o argumento de que uma estratégia de negócio que combine características de estratégias consideradas “puras”, pode também conduzir as empresas a desempenhos superiores e ser fonte de vantagem competitiva.

Importa no entanto salientar, que embora as estratégias híbridas possam conduzir também a performances superiores, este aspecto sofre uma influência acrescida do contexto envolvente. Algumas combinações podem levar a um maior crescimento ou melhoria de rentabilidade, mas não necessariamente a ambos. Uma firma dependente da liderança de custo para as suas vantagens competitivas, deve manter uma paridade próxima das bases da diferenciação, bem como os diferenciadores devem permanecer conscientes, de que os preços premium podem ser anulados, por uma posição de custo nitidamente inferior (Wright, 2005).

Ainda neste alinhamento, algumas perspectivas sugerem que devido ao dinamismo da evolução das condições de mercado, uma estratégia combinada poderá superar as estratégias puras, na situação específica das economias em transição. Esta afirmação está de acordo com a sugestão, de que a combinação de baixo custo com uma estratégia de diferenciação é mais provável que resulte em alto desempenho (Parnell, 1997).

Seguindo ainda uma perspectiva alternativa, Inkpen e Choudhury (1995) referem-se à ausência de estratégia, dizendo que tal situação não deve necessariamente ser associada a mau desempenho. Estes autores, sustentam a sua afirmação no facto de que a construção de vazios estratégicos e incoerência aparente na tomada de decisão, pode ser uma decisão consciente dos gestores, para experimentar numa fase de transição.

Outros autores argumentam ainda, que algumas empresas podem não ter uma estratégia clara de longo prazo, e optarem por operar num modelo de decisões no “dia-a-dia”, de fazerem negócios em nichos protegidos, pelo menos durante um certo período de tempo. Deste modo, a ausência de estratégia pode não prejudicar o desempenho no curto prazo, mas pode levar a uma posição competitiva mais fraca no longo prazo (Leitner, 2010).

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Considerando a argumentação apresentada pelas diversas perspectivas, é entendível que esta disputa está ainda longe de ser consensual, e que o debate científico será mantido, até que evidências de maior significado e robustez venham esclarecer os pontos sobre os quais se levantam dúvidas. Desta forma, a resposta à questão de qual das estratégias (puras ou híbridas) conduz a uma performance superior, permanece ainda em aberto, uma vez que as evidências existentes suportam ambas as correntes de pensamento.

Para além da abordagem estratégica da obtenção de uma vantagem competitiva por parte das empresas, existem outras perspectivas que procuram sustentar uma explicação de como as empresas podem conseguir alcançar e manter a vantagem competitiva, nomeadamente a abordagem baseada nos recursos, a qual se comentará em seguida.

2.4 A PERSPECTIVA DA VANTAGEM COMPETITIVA BASEADA NOS