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4 RODA DE CONVERSA COMO EVENTO DE LETRAMENTO PARA

4.2 PRODUÇÃO COLETIVA DA CRÔNICA

A aula pós roda de conversa foi marcada inicialmente pela euforia do encontro com o escritor e todos queriam compartilhar suas impressões. Órion era o mais resistente diante da tarefa de escrever e, mesmo tendo gostado da experiência, foi categórico ao afirmar: “não é pra mim, esse negócio de escrever crônica”. O passo posterior à socialização dessas impressões foi discutir sobre a crônica que iriam produzir através de uma conversa informal e descontraída, predominando o entusiasmo e ânimo do grupo diante do desafio de protagonizar uma produção textual.

Figura 18 - Encontro pós roda de conversa

Fonte: Arquivos da pesquisa (2015)

Entre os aspectos evidenciados pelos Parâmetros Curriculares Nacionais (1998) que garantem uma aprendizagem significativa, a autonomia, a interação e a cooperação são citadas como capacidades comuns a serem desenvolvidas no contexto escolar, como resultado de uma prática educativa eficaz, em que

o desenvolvimento da autonomia como princípio educativo considera a atuação do aluno, valoriza suas experiências prévias, buscando essencialmente a passagem progressiva de situações em que o é dirigido por outras pessoas, a situações dirigidas pelo próprio aluno. A autonomia refere-se à capacidade de saber fazer escolhas e de posicionar-se, elaborar projetos pessoais e participar enunciativa e cooperativamente de projetos coletivos, ter discernimento, organizar-se em função de metas eleitas, governar-se, participar da gestão de ações coletivas, estabelecer critérios e eleger princípios éticos etc. (BRASIL, 1998,p.89-90)

O projeto assumido pela turma se delineava, sobretudo, por essas características contidas no princípio educativo da autonomia, tendo em vista que partira de uma escolha dos próprios alunos, os quais assumiram a responsabilidade

de definir os caminhos para tornar esse projeto realizável. Havia a consciência de que a delimitação desses caminhos passava não por escolhas arbitrárias ou individuais, mas resultaria das discussões direcionadas pelo grupo. O papel do professor seria tão somente de cooperador, tendo os alunos total liberdade de, em equipe, definir seus próprios rumos, o que a turma não demonstrou maiores dificuldades em fazer.

O êxito de um projeto de natureza coletiva segundo os PCN (BRASIL,1998) é, portanto, resultado de um processo de interação e cooperação estabelecidas entre as partes envolvidas, a partir dos propósitos definidos pelo grupo. Para isso,

são fundamentais as situações em que se possa aprender a dialogar, a ouvir o outro e ajudá-lo, a pedir ajuda, aproveitar críticas, explicar um ponto de vista, coordenar ações para obter sucesso em uma tarefa conjunta etc.[...] Assim, a organização de atividades que favoreçam a fala e a escrita como meios de reorganização e reconstrução das experiências compartilhadas pelos alunos ocupam papel de destaque no trabalho em sala de aula. (BRASIL,1998,p.90)

Dessa forma, desde os primeiros momentos em que se reuniram para definir os rumos de sua produção, um amplo diálogo estabeleceu-se, em que o envolvimento e o interesse do grupo demonstravam uma empolgação atípica diante da tarefa de produzir um texto.

Nesse momento, do planejamento, estabelecido no roteiro para o ensino de produção textual, conforme Passarelli (2004) são definidos os rumos iniciais para a atividade escritora. Apesar de se constatar que os alunos geralmente utilizam com pouca frequência ou até não se dão conta da importância do planejamento, na produção coletiva é praticamente impossível ignorá-lo, tendo em vista a necessidade de estabelecer um diálogo em torno do que se pretende produzir a partir de decisões consensuais.

Preocupados em definir os rumos do texto que produziriam, após discutirem sobre os possíveis temas para a crônica, optaram por reunir fragmentos de suas próprias histórias destacando, sobretudo, as situações que os obrigaram a se afastar da escola. Para tanto, Jih foi escolhida pela turma para exercer o papel de escriba, tomando nota dos depoimentos dos colegas.

Figura 19 - Planejando a escrita

Depoimentos para a sugestão de reunir as próprias histórias em uma crônica:

ÓRION - Um dia em trabalho atendi um cliente com poucas informações e analfabeto e como acho

correto tratei ele bem com igualdade e depois de resolver o problema dele ele muito me agradeceu por minha educação, e isso me incentivou a voltar a escola e investi no meu futuro, e com isso ajudar mais pessoas!!

DETA - Trabalha muito, rotina cansativa, filhos, casa e muitos compromissos.

SIRIUS - Muitas vezes em meu trabalho eu assistia palestas, e com meu pouco estudo eu não

conseguia acompanhar, tinha medo de escrever errado, e isso me angustiava. Muito.

ALYA - Com 13 anos comecei a trabalhar e isso atrapalhou meus estudos. JIH - Não tive muito insentivo familiar, depois de tempos um amor me fez voltar.

TYL - Sempre tive muita vontade de estudar e trabalhei em britaria, carvoeira, sempre quis vencer.

Ajudar meus pais. Roçado. Vendi peixe.

WEI - 10 anos fora da escola, vim do interior e com a separação dos meus pais tudo ficou mais difícil,

tivemos que viajar para longe separou toda a família.

ZETA - 5 anos repetindo a mesma série.

Pi1 - Educação vem de berço”, me afastei por causa do trabalho. Me casei cedo e hoje posso e tenho

que estudar, para manter meu emprego.

ETA - Por gosto ou desgosto Zeta repetiu 5 anos a mesma série.

DELTA - Sai porque comecei a trabalhar cedo, e voltei porque quero um futuro melhor. AIN - Parei de estudar por que...

NASHIRA - Minha história é longa... Casei, fui mãe aos 16, o casamento não deu certo e fui trabalhar

na noite.

ÓRION - Ter que trabalhar foi a desculpa para preguiça de estudar e o momento atual requer mas

conhecimento, então decide me enserir nesse contesto. Ponderou Órion.

Fonte: Arquivos da pesquisa (2015)

Na aula seguinte, os registros iniciais e as decisões tomadas para a produção do texto foram compartilhados com os alunos que estiveram ausentes, sendo acrescentados seus depoimentos. Também discutiram e deram sugestões para o título da crônica.

Figura 20 - Planejando o título

Fonte: Arquivos da pesquisa (2015)

Para isso, à medida que o texto ia sendo redigido, fazia-se a leitura do depoimento e os alunos opinavam sobre os trechos, de forma descontraída, demonstrando interesse e cumplicidade na realização daquele projeto de escritura. Foram momentos desafiadores em que as ideias começavam a ser transformar em texto. White e Arndt (1991, p. 117; apud SOARES, 2009, p. 33) afirmam que “o que faz a escrita ser desafiadora é que os escritores, por si sós, têm de estabelecer os problemas certos para serem resolvidos”

A releitura dos depoimentos revelou, a partir do comentário de cada aluno, experiências de vida das mais diversas: traumáticas, de decepção, de perdas e algumas engraçadas como a da aluna que disse ter deixado de estudar porque gostava muito de namorar. Entre choros e risos, aquela turma empenhada em reescrever a muitas mãos a própria história não parecia a mesma que, em outras situações em que precisaram se dedicar à tarefa de escrever, era tomada por um grande desânimo. Nesse clima, os ajustes foram sendo feitos a partir de sugestão dos alunos e a crônica foi parcialmente elaborada.

No processo de construção da crônica, tendo Eta como escriba, estabeleceu-se uma discussão em torno dos recortes necessários para que o texto não ficasse tão extenso, afinal de contas, tinham apenas uma página da revista disponível para sua publicação.

Contar nossa história de uma forma resumida. Título (sugestões): O recomeço da escrita Voltando á escrever

De volta á escola Coisas de escola Rumo ao futuro melhor Nossa história

Em busca do conhecimento Recomessando nosso futuro Um pouco de cada um História de um recomeço

Figura 21 - Organizando as ideias

Estávamos reunidos discultindo como unir quinze historias em uma. E decidimos que nossa crônica averia um pouco de cada um:

Os motivos que nus trouxeram de volta a escola, a luta para não desiste, o desanimo diante das dificuldades, a falta de estimulo para continuar.

A principio pessamos que pela história de vida, Sirius ou Órion estaria nus representando, o que viria em seguida seria os textos que comporiam nossa coxa de retalhos. Disse Nashira:

- Minha história é longa...

- Casei cedo, fui mãe aõs 16 anos, o casamento não deu certo e vive os perigos da vida noturna para sobreviver.

Embora muito calado Wei nos revelou:

- Tudo ficou mais dificil depois que meus pais se separaram. Com apenas 12 anos comecei a trabalhar para ajudar o sustento da família o que me afastou da escola.*

Mais de 30 anos distante da escola Sirius confeçou:

- Muitas vezes em meu trabalho eu assistia palestras. E com meu pouco estudo eu não conseguia acompanhar, e tinha medo de escrever errado, e isso me angustiava muito.

* A história de Tyl não foi muito diferente.

- Sempre tive muita vontade de estudar, mas desde de cedo tive que escolher: trabalhei na lavora, britarias e até carvoeira, para poder sobreviver, sobrevivi e hoje estou aqui estudando.

Os desajustes familiares foram um dos maiores motivos para que Jih se afastasse de estudos:

“Eu achava que para mim era o fim que nunca mais voltaria para a escola. Mas uma pessoa me resgatou”

E entre risos Beta disse:

- Eu queria estudar, mas era doida pra casar. Hoje separada, esquecida, abandonada tive que escolher entre a cademia e a escola.

Depois de 26 anos sem estudar por causa do trabalho sem estimulo e muitas criticas. Delta não se deixou abater, e hoje firme e forte acredita que: “a vida só é dura pra quem é mole.”

Exclamou Pi1:

Me afastei da escola por causa trabalho, minha vó e meu trabalho me trouxeram de volta. Por gosto ou desgosto Zeta repetiu cinco anos a mesma série.

Ter que trabalhar foi a desculpa para preguiça de estudar e o momento atual requer mais conhecimento, então decidi me inserir nesse contesto. Ponderou Órion.

Para Ain estudar não era necessário. Hoje seu lema é outro. Ninguem ri, ninguem chora Ain começou a estudar agora!

Timidamente, Alya revelou:

Com 13 anos comecei a trabalhar e os estudos ficaram em segundo plano... Depois de ver a tantas histórias motivantes o que falar? Já me vi em todos vocês.

Fonte: Arquivos da pesquisa (2015)

Na reunião posterior, em um processo de elaboração e reelaboração da escrita, sempre com a intervenção efetiva da turma, o texto foi finalizado. Em virtude ainda de estarmos encerrando o ano letivo, a professora fez a primeira revisão para discussão e apreciação da turma.

Figura 22 - Primeira revisão da crônica

Detalhes de um recomeço

Reunir histórias de vida em uma única crônica: esse era o nosso desafio. A muitas mãos estaria ali um pouco de cada um: os motivos que nos trouxeram de volta à escola, o desânimo diante das dificuldades, a falta de estímulos para continuar e uma luta constante para não desistir. A princípio pensamos que as histórias de vida de Sirius e Órion estariam nos representando, e o que viria seriam os trechos que comporiam nossa colcha de retalhos.

Nashira revelou um tanto quanto emocionada:

_ Minha história é longa. Casei cedo, fui mãe aos 16 anos. O casamento não deu certo e vivi os perigos da noite para sobreviver.

Wei embora sempre muito calado disse que tudo ficara mais difícil depois que os pais se separaram: _ Com apenas 12 anos comecei a trabalhar para ajudar no sustento da família. Isso me afastou da escola.

Os desajustes familiares também foram o principal motivo para que Jih se afastasse dos estudos. “Eu achava que para mim era o fim, que nunca mais voltaria para a escola, mas uma pessoa me resgatou”.

Sirius que passara mais de trinta anos afastado da escola e, por isso, a turma o tomava como exemplo de persistência confessou que muitas vezes em seu trabalho tinha medo de escrever errado e isso o angustiava muito.

Tyl também tinha uma história de abandono da escola provocada pela necessidade de trabalhar: _ Trabalhei na lavoura, britaria e até em carvoeira para poder sobreviver. Sobrevivi e hoje estou aqui estudando – disse com muito orgulho.

Timidamente, Alya disse ter sido o trabalho também, a principal causa que fez com que deixasse os estudos em segundo plano.

Entre risos, Beta confessou, surpreendendo a todos:

_ Eu queria estudar, mas era doida pra casar. Hoje, separada, esquecida, abandonada, tive que escolher entre a academia e a escola.

Os motivos de Delta eram outros:

_ Depois de 26 anos sem estudar por causa do trabalho, não me deixei abater e hoje, firme e forte acredito que a vida só é dura para quem é mole.

Pi1 que sempre reclamava das fotos, segundo ele por causa do trabalho – era segurança e não podia ter a imagem exposta, explicava – disse que foi o trabalho também seu maior motivo de afastamento da escola.

Por gosto ou desgosto Zeta repetira cinco anos a mesma série mas, gostava da escola. Órion não teve vergonha de admitir:

_ Ter que trabalhar foi a desculpa para a preguiça que tinha de estudar. Como o momento atual requer mais conhecimento, então decidi me inserir nesse contexto.

No passado, Ain também não considerava importante estudar. Hoje, seu lema é outro: _ Ninguém ri, ninguém chora, Ain começou a estudar agora!

Depois de ouvir tantas histórias motivantes, o que falar? Já me vi em todos vocês, falou Eta, que adiou o máximo possível para disponibilizar um pouco de suas memórias, num tom quase que misterioso. O fato é que estávamos prontos para recomeçar e, corajosamente nos apoiar um no outro para conseguir concluir a jornada.

Fonte: Arquivos da pesquisa (2015)

Passarelli (2012, p. 99) lembra que “sendo o próprio autor responsável pela revisão, observa-se que quanto maior for o intervalo de tempo transcorrido entre a composição e a revisão, mais produtiva ela será”. Diante das circunstâncias expostas, a leitura da versão revisada foi apresentada aos alunos apenas no ano letivo subsequente, o que retardou um pouco mais a publicação.

De posse do texto, os alunos decidiram por fazer ajustes principalmente no último parágrafo, revelando os avanços em torno da tarefa de revisar o texto, em que

o aluno-escritor passa a ser leitor de si mesmo, para manter a unidade de seu texto, isto é, para não perder de vista o sentido global, enfim para burilar seu texto.[...] Ao debruçar-se sobre a primeira versão de seu trabalho, lê e relê, ajusta daqui e dali, alterando sucessiva e recorrentemente sua figura: de leitor para escritor e vice-versa. (PASSARELLI, 2012, p.99)

Partindo dessa compreensão, os alunos puderam experimentar todo o processo de produção textual, atuando como autor, coautor e revisor, paralelamente, para projetar as ideias da melhor forma possível, tendo em vista um projeto que fora construído a partir de vivências significativas.

Nos ajustes finais, a professora colaboradora manteve a participação como corrrevisora para concluir a versão que seria publicada, uma vez que o professor “não só pode desempenhar papel de correvisor ao orientar seu aluno a reescrever durante a revisão, mas também intervir no produto final” (PASSARELLI, 2012, p. 101).

Figura 23 - Versão final para publicação

Detalhes de um recomeço

Reunir histórias de vida em uma única crônica: esse era o nosso desafio. A muitas mãos estaria ali um pouco de cada um: os motivos que nos trouxeram de volta à escola, o desânimo diante das dificuldades, a falta de estímulos para continuar e uma luta constante para não desistir. A princípio pensamos que as histórias de vida de Sirius e Órion estariam nos representando, e o que viria seriam os trechos que comporiam nossa colcha de retalhos.

Nashira revelou um tanto quanto emocionada:

_ Minha história é longa. Casei cedo, fui mãe aos 16 anos. O casamento não deu certo e vivi os perigos da noite para sobreviver.

Wei embora sempre muito calado disse que tudo ficara mais difícil depois que os pais se separaram:

_ Com apenas doze anos comecei a trabalhar para ajudar no sustento da família. Isso me afastou da escola.

Os desajustes familiares também foram o principal motivo para que Jih se afastasse dos estudos. “Eu achava que para mim era o fim, que nunca mais voltaria para a escola, mas uma pessoa me resgatou”.

Sirius que passara mais de trinta anos afastado da escola e, por isso, a turma o tomava como exemplo de persistência, confessou que muitas vezes em seu trabalho tinha medo de escrever errado e isso o angustiava muito.

Tyl também tinha uma história de abandono da escola provocada pela necessidade de trabalhar: _ Trabalhei na lavoura, britaria e até em carvoeira para poder sobreviver. Sobrevivi e hoje estou aqui estudando – disse com muito orgulho.

Timidamente, Alya disse ter sido o trabalho também, a principal causa que fez com que deixasse os estudos em segundo plano.

_ Eu queria estudar, mas era doida pra casar. Hoje, separada, esquecida, abandonada, tive que escolher entre a academia e a escola.

Os motivos de Delta para voltar à escola eram outros:

_ Depois de vinte e seis anos sem estudar por causa do trabalho, não me deixei abater e hoje, firme e forte acredito que a vida só é dura para quem é mole.

Pi1 que sempre reclamava das fotos, segundo ele por causa do trabalho – era segurança e não podia ter a imagem exposta, explicava – disse que foi o trabalho também seu maior motivo de afastamento da escola.

“Por gosto ou desgosto”, confessou Zeta, repetiu cinco anos a mesma série mas, gostava da escola.

Órion não teve vergonha de admitir:

_ Ter que trabalhar foi a desculpa para a preguiça que tinha de estudar. Como o momento atual requer mais conhecimento, então decidi me inserir nesse contexto.

No passado, Ain também não considerava importante estudar. Hoje, seu lema é outro: _ Ninguém ri, ninguém chora, Ain começou a estudar agora!

Depois de ouvir tantas histórias motivantes, o que falar? Já me vi em todos vocês. Falou Eta, que até então assumira apenas o pael de escriba, adiando o máximo possível o momento de revelar um pouco de suas memórias. O fato é que ali estavam, prontos para recomeçar e, corajosamente, seguir em frente, apoiando-se uns nos outros para tentarem concluir a jornada.

Fonte: Arquivos da pesquisa (2015)

4.3. ESCRITA PROCESSUAL: O TEXTO DO ALUNO COMO UNIDADE