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SUMÁRIO 1 Introdução

4 MORFOLOGIA URBANA E A PAISAGEM SONORA

4.2 PROJETO ARQUITETÔNICO

As superfícies externas dos edifícios atuam como superfícies de reflexão, absorção, reverberação e difração do som, em consonância com sua forma e disposição, segundo as regras descritas no capítulo três. No que diz respeito aos sons produzidos no ambiente urbano, a fonte mais comum é o ruído dos veículos automotores nas vias e, recapitulando de forma sucinta o que foi exposto anteriormente, sabe-se que:

 Superfícies planas, lisas e rígidas refletem o som;

 Superfícies côncavas concentram o som em uma região interna à curvatura, por reflexão;

 Superfícies convexas espalham o som, por reflexão;

 Edifícios paralelos em que a distância entre suas fachadas é menor do que 20% de suas alturas causam reverberação;

 Dependendo do comprimento de onda (ou seja, sons graves ou agudos), aberturas e bordas causam difração do som.

Apesar do resumo simples das interações individuais do som com as superfícies das edificações, o arranjo dos edifícios e das vias, com as várias formas possíveis, e as diferentes características das fontes sonoras tornam o ambiente urbano uma malha complexa.

Como exemplo de uma característica acústica estudada para o ambiente urbano, NIEMEYER; SLAMA (1998) afirma que: à medida que os padrões de altura das edificações aumentam, em relação à largura da via (relação H/W), o nível de ruído também aumenta.

No âmbito da cidade e interagindo com o tráfego de veículos, a geometria urbana também é um fator de extrema influência no ambiente sonoro, pois interfere diretamente na propagação sonora (GUEDES e BERTOLLI, 2005). A via de circulação interage com o seu entorno imediato (calçadas e alinhamento das fachadas) e o ruído percebido depende das características das superfícies refletoras, como a pavimentação da via (MENDONÇA et al., 2012, apud NIEMEYER; SLAMA, 1998 p. 1).

“a necessidade em realizar estudos sobre a poluição sonora e suas consequências no ambiente e no homem, desde trabalhos que visam quantificar os diversos efeitos do ruído

nas pessoas, como também, àqueles interessados em caracterizar, acusticamente, uma dada região, por meio de ferramentas, tais como, o mapeamento e a predição acústica. Tais ferramentas têm sido bastante utilizadas, pois fornecem informações do ruído ambiental para o planejamento urbano, permitindo o acompanhamento e previsões da evolução de ambientes sonoros, que segundo alguns estudos sofrem influências diante da densidade construtiva e da forma das edificações, enfim, da configuração do espaço urbano (GUEDES, 2005. p. 2).”

A forma, a tipologia, a distribuição espacial dos edifícios, os revestimentos das fachadas e o pavimento das vias determinam as características de reflexão do som, portanto, a morfologia urbana, que determina o desenho da ocupação no entorno da malha viária, é de fundamental importância para as características sonoras de uma cidade. (NIEMEYER; SLAMA, 1998) (L. T. SILVA; M. OLIVEIRA, 2010) (ARIZA- VILLAVERDE; JIMÉNEZ-HORNERO; DE RAVÉ, 2013).

Desse modo, é necessário que se estudem as características acústicas das diferentes tipologias e composições, criando uma base de conhecimento que favoreça o desenvolvimento do projeto urbano, de acordo com as características desejadas em cada local, como, por exemplo, é o caso de um anfiteatro aberto, localizado em um parque, que pode ser favorecido pela topografia e pela forma das edificações em seu entorno, conciliando o uso do local com o ambiente existente.

Segundo NIEMEYER (1998), as edificações ao longo da rua servem como barreiras na propagação do ruído, agindo como obstáculos que reduzem o nível sonoro e modificam a sua composição espectral:

A rua é o mais característico dos espaços urbanos - mais importante que praças, bosques, parques e quaisquer outros tipos de logradouros – por ser o local onde ocorrem as relações de troca com a comunidade (SANTOS, 1985). Além de passagem obrigatória da população em seus trajetos cotidianos, a rua constitui local de permanência obrigatória para diversas categorias de trabalhadores que nela exercem suas funções sob as mais diversas condições ambientais (...) As características acústicas da rua são condicionadas pela interação entre sua morfologia (relação entre a largura da rua/ altura dos edifícios, continuidade e volumetria dos limites laterais, materiais de revestimento do piso e fachadas, topografia) e as fontes sonoras (potência, geometria e localização) (NIEMEYER, 2010, p. 1-2).

Uma contribuição muito significativa para a implantação de projetos urbanos que privilegiem as questões ligadas à qualidade ambiental sonora é dada pelo Projeto Silence (2008), cuja finalidade é orientar as autoridades locais de cidades europeias na implantação de projetos urbanos com redução dos níveis de ruído. Para tanto, o manual do projeto expõe, de forma simples e ordenada, passo a passo, o planejamento e o projeto, demonstrando de que forma os componentes morfológicos atuam sobre a qualidade sonora, e recomendando a distribuição e a disposição dos edifícios, para minimizar a propagação e aumentar a absorção da energia do ruído, utilizando-se as próprias edificações como barreiras e proteção para áreas residenciais e mais sensíveis, como nos casos de escolas e hospitais.

Efeito das formas dos edifícios na propagação sonora

A forma e a implantação dos edifícios devem ser estudadas e planejadas levando em consideração o impacto sonoro em relação às vias de tráfego e aos outros edifícios do entorno.

Os edifícios em formas “U”, com a abertura voltada para a via ou, mais genericamente, de forma côncava em relação à via, concentram o som e, portanto, requer um cuidado especial em sua implantação. Edifícios muito próximos, em posições paralelas e perpendiculares à via, concentram e reverberam as múltiplas reflexões das fachadas. Todas essas formas causam uma perturbação adicional no ambiente interior do edifício, portanto devem ser evitadas, conforme o exemplificado pela Ilustração 32 (SILVA, 1971) (DE MARCO, 1982) (SILENCE, 2008).

“As superfícies côncavas produzem sempre focalizações. Por isso, e em princípio, é melhor evitá-la”. (SILVA, 1971) (DE MARCO, 1982) (SILENCE, 2008).

Ilustração 32 - Formas a serem evitadas, em relação à via. Fonte: SILENCE, 2008 apud WG 5, 2002, p. 27.

As formas convexas, por sua vez, em relação à via, espalham o som e, portanto, promovem a dispersão e a redução da energia sonora refletida, como ilustra a Ilustração 33. (SILENCE, 2008). As formas abaixo devem ser as preferidas para a implantação de edifícios paralelos às vias.

Ilustração 33 - Formas preferenciais em relação à via. Fonte: SILENCE, 2008 apud WG 5, 2002, p. 27.

Efeito Da Distribuição espacial dos edifícios na propagação sonora

A distribuição dos edifícios ao longo da via deve favorecer a qualidade sonora do interior do quarteirão, portanto, os próprios edifícios e o seu uso devem ser planejados e implantados de forma que os edifícios de uso residencial sejam protegidos pelos de uso comercial e de serviços, que, naturalmente, devem estar dispostos ao longo das vias, facilitando o seu acesso. (ARIZMENDI, 1980) (MARCELO, 2006) (KANG, 2007) (SILENCE, 2008).

Ilustração 34 - Edifícios como barreira acústica. Fonte: SILENCE, 2008 apud LARMKONTOR, BPW, KONSALT, 2004, p. 35.

As formas dos edifícios que margeiam as vias são determinantes como barreiras de proteção contra o som que penetra para o interior do quarteirão. O manual do Projeto Silence apresenta várias formas de implantação de edifícios, de acordo com seu uso e distribuição espacial. (ARIZMENDI, 1980) (MARCELO, 2006) (KANG, 2007) (SILENCE, 2008) (L. T. SILVA; M. OLIVEIRA, 2010) (ARIZA-VILLAVERDE; JIMÉNEZ-HORNERO; DE RAVÉ, 2013, 2014).

A distribuição pode ser inicialmente planejada, como o exemplo apresentado na Ilustração 34, ou implantada em intervenções posteriores, como o caso presente na Ilustração 35.

Áreas de garagem e depósito podem ser utilizadas como barreiras acústicas, formando uma área mais silenciosa para as residências no interior da quadra, de acordo com o exemplo da Ilustração 36.

Ilustração 35 - Novas implantações de edifícios como proteção acústica para o interior da quadra. Fonte: SILENCE, 2008 apud LARMKONTOR, BPW, KONSALT, 2004, p. 29.

Ilustração 36 – Áreas de garagens e depósitos como proteção para áreas mais silenciosas. Fonte: SILENCE, 2008 apud LARMKONTOR, BPW, KONSALT, 2004, p. 49.

Autoproteção acústica do interior do edifício

Outra maneira de reduzir o ruído interno das edificações é a “autoproteção”, uma atitude tomada já na concepção do projeto arquitetônico, por meio da qual parte do edifício é destinada a funcionar como barreira acústica, protegendo áreas mais sensíveis ao ruído. Assim, os elementos arquitetônicos, como varandas, paredes laterais e edifícios adjacentes, são usados como barreiras para evitar a penetração do ruído no ambiente interior, evitando-se janelas diretamente expostas para as vias de tráfego.

Vários autores recomendam o uso das formas de elementos arquitetônicos e a composição entre os edifícios para a autoproteção, como o exposto na Ilustração 37. De acordo com (ARIZMENDI, 1980) (KANG, 2007) (SILENCE, 2008) (FHWA, 2011), o próprio edifício de uso comercial e de serviços pode ser utilizado como barreira acústica para a criação de áreas menos ruidosas. Varandas também são elementos normalmente utilizados com essa finalidade.

As principais medidas de autoproteção adotadas podem ser classificadas segundo os seguintes conceitos:

 Uso de parte da edificação como barreira acústica para as áreas mais sensíveis, como na Ilustração 37 - a, b. Pode-se citar como exemplo, na cidade de São Paulo, o Conjunto Nacional, na Avenida Paulista. Trata-se do caso de um edifício de uso misto, dotado de uma área comercial próxima à margem da via, circunscrita à distância permitida pela lei, e apresenta a parte residencial do edifício recuada, em relação à fachada comercial (NIEMEYER; SLAMA, 1998) (GUEDES, 2005) (BARROSO-KRAUSE, 2005) (KANG, 2007).

Ilustração 37 – Formas de autoproteção. Fonte: KANG, 2007

A distribuição interna das edificações deve ser projetada de forma que as áreas mais sensíveis estejam mais afastadas das fontes emissoras. Assim sendo, deve-se tomar um cuidado especial no desenvolvimento do layout interno dos edifícios, com posicionamento adequado para janelas, dormitórios, áreas de leitura, em áreas mais protegidas das fontes sonoras, enquanto as áreas de banheiros, cozinhas, áreas de serviço, garagem, ou áreas de circulação em escritórios, salas de equipamentos e depósitos podem estar voltadas para as vias, amenizando o impacto do ruído nas áreas sensíveis, de acordo com o demonstrado pela Ilustração 38. Em uma quadra bem estruturada, os edifícios planejados que margeiam as vias devem ter

layouts internos com ambientes sensíveis voltados para uma área verde

interna à quadra.

Ilustração 38 - Layout interno de dois edifícios, residencial e comercial, respectivamente, adequados ao conceito de autoproteção. Fonte: SILENCE, 2008 apud WG 5, 2002, p.31

 Os elementos arquitetônicos presentes na fachada voltada para a via, assim como nas laterais do prédio, podem ser utilizados como autoproteção, tais como: brises, elementos decorativos, paredes, empena cega e varandas, funcionando como barreiras ou anteparos destinados à reflexão e absorção das ondas sonoras, diminuindo a penetração dessas ondas para o interior dos ambientes. A Ilustração 37-c e a Ilustração 39 ilustram de que modo esses elementos podem atuar na redução do ruído interior. As varandas podem atenuar o ruído exterior de 5 a 14 dB, dependendo da localização, do tipo de janela ou porta, da profundidade, da altura do peitoril e do ângulo em relação à via. Materiais de revestimento adequadamente aplicados também ajudam a atenuar o ruído, como, por exemplo, a aplicação de um material absorvente no teto da varanda e de outro, reflexivo, na parte externa do peitoril, como ilustra a Ilustração 40 (NIEMEYER; SLAMA, 1998) (BARROSO-KRAUSE, et al, 2005) (GUEDES, 2005) (MARCELO, 2006) (KANG, 2007) (SILENCE, 2008).

Ilustração 39 - Elementos arquitetônicos na fachada para autoproteção acústica. Fonte: SILENCE, 2008 apud WG 2, 2002, p.32.

Ilustração 40 - Varanda como barreira acústica. Fonte: BARROSO-KRAUS, et al, 2005.

Permeabilidade sonora e distanciamento

A distribuição dos edifícios em relação às vias de tráfego pode proporcionar maior ou menor penetração dos sons nos espaços entre as edificações, além de ocasionar os efeitos de reverberação e difração, tanto em relação ao plano vertical como ao horizontal, de acordo com o abordado em CNOSSOS-EU (2012). Para a NIEMEYER (1998), esse fenômeno é definido como permeabilidade.

Segundo o manual do Projeto Silence (2008), a relevância da redução do ruído é frequentemente subestimada nos planos de uso do solo. O zoneamento é um dos instrumentos indispensáveis para garantir um nível de ruído de acordo com o uso do local, com eficácia ao longo do tempo, na evolução da ocupação. Por meio do zoneamento é possível a delimitação de áreas nas quais as edificações sejam planejadas e implantadas de acordo com regras que garantam o nível sonoro adequado ao seu uso. Áreas que abriguem escolas, bibliotecas, hospitais, casas de repouso e residências devem atender a normas específicas quanto ao nível sonoro. Os níveis de ruído aceitáveis em áreas externas, presentes na Tabela 6, segundo a norma NBR 10.15, devem estar entre 45 e 50 dB, para escolas, bibliotecas e hospitais, e entre 50 e 55 dB, para área predominantemente residencial.

Tabela 6 - NBR 10151 (2003) . Fonte: NBR 10151, 2003.

O aumento da distância entre a via de tráfego e a área residencial contribui para a diminuição de ruído (MARCELO, 2006) (NEUMANN, 2014), pois ao se dobrar a distância entre a fonte o receptor pode-se obter uma redução de 3 a 5 dB, dependendo do coeficiente de absorção do solo. Da mesma forma, os recuos e os jardins em frente aos edifícios, além de proporcionar um ambiente mais agradável, também contribuem para a redução do ruído nas áreas internas. (KANG, 2007) (SILENCE, 2008).

No caso das rodovias, porém, devido ao volume e à composição do tráfego, que apresenta alto nível de ruído na fonte, dificilmente se consegue um nível sonoro aceitável, para áreas residenciais, com um afastamento menor do que 100 m. Infelizmente, prédios de habitação social muitas vezes são implantados muito próximos à margem da rodovia, tendo como exemplo o Conjunto Habitacional Flamenguinho, localizado no munícipio de Osasco, na Região Metropolitana de São Paulo. (NAVARRO; NEUMANN; BRUNA, 2014).

Intervenções em áreas já consolidadas

As intervenções em um tecido urbano consolidado são ainda mais complexas, pois as implantações de novas vias e de novas edificações devem levar em conta uma situação já estabelecida em seu entorno. Os projetos de requalificação urbana e reurbanização, porém, representam momentos decisivos, em que as intervenções podem melhorar substancialmente a qualidade sonora do ambiente, desde que sejam observados os princípios que descrevem como a morfologia urbana interage na propagação do som.

O impacto sonoro decorrente da transformação do lugar deve ser estudado não só na implantação de novos edifícios, mas, também, na demolição de estruturas existentes, pois tais intervenções alteram a qualidade sonora, devido ao fato de modificar as características espaciais de propagação do som. A demolição de uma edificação próxima a uma via, e que funciona como barreira acústica para uma área residencial, pode causar a deterioração da qualidade sonora desse local, caso outras medidas de contenção não sejam tomadas no projeto, conforme exemplo da Ilustração 41 (SILENCE, 2008).

Ilustração 41 - Demolição de edifícios que funcionam como barreira acústica para área residencial. Fonte: SILENCE, 2008 apud. LARMKONTOR, BPW, KONSALT, 2004, p. 72.