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A promoção de capacidades estatais subnacionais por meio de programas federais

TERRITÓRIOS, POLÍTICAS E PROGRAMAS

1.3 A dimensão da cooperação federativa por meio de programas

1.3.3 A promoção de capacidades estatais subnacionais por meio de programas federais

Conforme Agranoff (2001), nos programas federais se pode avaliar como opera a “acomodação mútua” na definição conjunta de agendas e os graus menores ou maiores de cooperação como modus operandi. O gerenciamento das relações intergovernamentais pode indicar como essas distintas ênfases se equilibram nos programas federais. Em linha com o modelo desenvolvido por Pressman (1975), a relação entre doador (governo federal) e destinatário (governo subnacional) constitui uma arena de negociação e barganha na qual os agentes dos programas federais são dependentes dos demais para alcançar seus objetivos. Governos locais necessitam recursos, mas as políticas federais requerem solicitações financiáveis e capacidade de implementação em nível municipal. É isso que torna a “forma de barganha algo parcialmente cooperativo, parcialmente antagônico e mutuamente dependente do conjunto de atores” (PRESSMAN, 1975, p. 107). Ao mesmo tempo, é essa a realidade que cobra o fortalecimento institucional dos governos locais com o apoio federal.

Segundo Wright (1988, p. 237), "tanto a medida das necessidades dos candidatos ou destinatários e de sua capacidade administrativa mostram sistemática associação com a

alocação de ajuda". Mas a questão é saber se essas duas condições caminham juntas, pois em geral quanto mais necessitados, menos capacidade estatal possuem os governos subnacionais. Posto esse dilema em uma moldura mais ampla, Grodzins (1984) argumenta que os conflitos que surgem em torno das regras não coloca em xeque o consenso sobre a necessidade dos programas. O que costuma ocorrer são diferenças sobre detalhes de administração ou do nível de benefícios que eles deveriam oferecer. Assim, nem regras são apenas requisitos técnicos, como também a forma como um programa é apresentado pode induzir uma compreensão de mais vantagens ou desvantagens pelos potenciais beneficiários.

Para Wright (1988), os detalhados critérios para a alocação de recursos podem ser interpretados de duas formas: a) esforço para ampliar a discricionariedade na ação da agência e sua expertise técnica; b) um instrumento para racionalizar escolhas pré-determinadas de políticas (aqui similar à visão de Kingdon de soluções prévias para os problemas). Mas como regras definem condições de acesso, implicitamente há uma política inserida nos programas que pode gerar facilidades para alguns entes subnacionais e obstáculos para outros.

Portanto, os proponentes da política podem adquirir “substancial influência em moldar o caráter da cooperação intergovernamental”. Para Wright (1974), esse estado “especializado e profissional” se materializa nas ações de burocracias federais que se apoiam na sua rationale interna e no discurso da “neutralidade” técnica. Um dos efeitos intergovernamentais é gerar visões uniformes de políticas que podem desconsiderar desigualdades federativas, bem como induzir e/ou favorecer os “mais aptos” a cumprirem as exigências.

Esse processo origina "policy-making systems" ou "subgovernments" que são campos de interesses constituídos ao redor de uma agência pública que detém uma razoável autonomia da liderança política governamental. Programas daí advindos, apoiados em bases técnicas e profissionais especializadas, podem gerar tensões com os administradores generalistas em nível subnacional. Como a realidade das relações intergovernamentais costuma não ser homogênea, efeitos desiguais podem implicar distintos padrões de vínculos e produzir diferentes impactos nos governos locais (WRIGHT, 1988, p. 228).

Para lidar com essa questão, visando reduzir as desigualdades federativas, Pressman (1975, p. 129-133) sugere que preencher esse gap deveria iniciar pela definição conjunta de objetivos antes da implementação. Esse processo poderia ocorrer por meio de “sessões de comunicação” e planejamento unificado de demandas. Mas esses instrumentos são insuficientes para constituir vínculos mais cooperativos, pois a formulação conjunta de objetivos não garante apoio mútuo para a implementação das ações, como o próprio autor constatou na sua pesquisa em Oakland. Ainda assim, constituir arenas federativas pautadas

pela mesma finalidade de ajustar a forma de implantação de um programa é um caminho para obter mais alinhamento e cooperação entre as esferas de governo.

Elazar (1965) reforça essa visão quando se refere aos governos subnacionais americanos, após 1946. A crescente profissionalização das máquinas administrativas municipais foi uma condição vital para aprofundar as relações intergovernamentais, além de gerar maior qualidade no uso das verbas federais. Nessa linha, Ostrom (1974, p. 3-4) vale-se da metáfora de um “Plano Marshall” doméstico, considerando o caso americano, para “fazer o federalismo funcionar”. A ideia básica era que repartir receitas deveria catalisar a modernização da gestão municipal, mas só revenue-sharing geraria uma “muleta” a incentivar mais ineficiência local. Modernizar a gestão seria uma premissa, e não uma ação posterior ao recebimento de recursos financeiros federais, com vistas a qualificar as relações intergovernamentais e o próprio funcionamento dos governos locais.

Como a construção dessas capacidades é um “elemento chave de políticas” nas relações intergovernamentais, é essencial clarificar o status e as demandas da assistência técnica federal para alcançar esse resultado nos governos locais. Para Burgess (1975, p. 707- 708), esse processo envolve três dimensões transversais que constituem o cerne dessa visão de capacidades estatais locais a ser apoiada por iniciativas federais:

a) Gestão de políticas públicas (policy management): planejamento e implementação de programas para melhorar a gestão subnacional. Essas são funções estratégicas de direção visando gerar integração, avaliação e administração de programas intergovernamentais.

b) Gestão de programas (program management): capacidade de executar funções administrativas e requerimentos táticos para implementar políticas, programas e serviços, o que inclui planejamento, monitoramento e implementação. Essa ação orienta-se para profissionais e quadros administrativos (“qualidade de serviços desenvolvida a ser administrada por qualificados profissionais”).

c) Gestão de recursos (resource management): capacidade de realizar funções de suporte administrativo e organizacional em áreas meio como gestão de pessoas, tecnologia da informação e finanças, por exemplo. São competências gerenciais voltadas a melhorar sistemas administrativos e capacidades organizacionais. Seus critérios de decisão são técnicos, legais e administrativos, visando seguir normas definidas. Os principiais participantes são especialistas e os generalistas em funções como gestão de pessoas, compras e orçamento.

Considerando a complementariedade dessas três dimensões, à medida que as demandas surgem de novas políticas se amplia a complexidade das capacidades estatais requeridas. No entanto, novas tecnologias de gestão demandam prévias capacidades de formulação e implementação de políticas, e esse é um tema de qualidade e disponibilidade de recursos humanos. Conforme Burgess (1975, p. 708), o policy management staff é uma tarefa estratégica para ancorar as capacidades políticas e administrativas nos governos locais. Mas em um ambiente de relações intergovernamentais, isso significa que tanto o governo central como suas contrapartes subnacionais deveriam investir recursos em educação e treinamento.

Em regra, essas funções costumam requerer suporte federal para se desenvolverem nos governos locais. Mas o apoio federal em certas “funções” (programas) não garante propagação para a gestão municipal, pois como lembra Burgess (1975, p. 711) há um duplo equívoco: tratar todos os desafios de construção de capacidades como se fossem o mesmo e tratar cada um como se fosse único. Construir capacidades estatais municipais é uma questão sistêmica, razão pela qual as três dimensões devem ser consideradas na análise de programas federais. E essa avaliação deve considerar não apenas o conteúdo das ofertas federais, mas também a forma como são organizadas, pois essas podem gerar mais facilidades de acesso ou dificultar as adesão dos entes subnacionais.

Para essa pesquisa, três questões teóricas são relevantes nessa dimensão da cooperação federativa voltada a gerar capacidades estatais nos municípios. A primeira é analise de como as regras inseridas nos programas podem influir para ampliar desigualdades prévias entre os entes e se disparidades de acesso aumentam as assimetrias dessas capacidades entre governos locais. O segundo aspecto é avaliar como se constituem dissonâncias entre as imagens e as visões que feds e locals têm acerca dos programas, e como essas diferentes abordagens cristalizam posições que afetam tanto o desempenho das ações federais como a gestão municipal. A terceira questão é avaliar se e como os arranjos institucionais dos programas federais voltados para promover o desenvolvimento gerencial nos governos locais contribuem para essa finalidade.

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