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A Psicanálise, a cultura e os mitos

No documento CURSO DE PSICANÁLISE TEORIA PSICANALÍTICA (páginas 22-25)

Mitologia e Psicanalise são duas áreas que se entrelaçam no caminho das palavras, no discurso que envolve questões da angústia e da tragédia da condição humana. Ambas se movimentam e se deslocam pela vereda das representações dos aspectos inconscientes da mente. Em todo o lugar onde se façam frases, onde se contem

histórias, em todos os sentidos das expressões, o mítico esta presente. Freud aponta o conceito mítico como uma repetição histórica. Este conceito do mítico conduz a um conhecer, um olhar semiológico sobre uma compreensão de um sistema particular construído a partir de uma cadeia semiológica existente e anterior a ele.

Nos processos de desenvolvimento de seu pensamento é necessário lidar com a origem e o proposito da cultura humana como tal, afirma Freud. Para o autor, cultura significa todos os aspectos em que a vida humana tem se levantado acima da condição animal e que difere da vida de uma fera. A cultura inclui todo o conhecimento e poder que os homens acumulam, a fim de dominar as forças da natureza, de um lado, e de outro, todas as providências necessárias para que as relações dos homens uns com os outros possam ser reguladas. Condições estas inseparáveis porque os recursos existentes e à medida que satisfazem os desejos dos instintos estão profundamente entrelaçados. E escreve Freud: ”Parece mais provável que cada cultura deve ser construída em cima de (...) coerção e renuncia ao Instinto”. O homem forma a cultura, entretanto, “ele é, ao mesmo tempo sujeito a ela, pois ela doma seus instintos selvagens e faz com que o homem se comporte de forma socialmente aceita”.

A essência da cultura, segundo Freud, não esta na conquista da natureza pelo homem como maneira de dar suporte à vida, mas na esfera psicológica, em que cada homem possa conter seus instintos predatórios. A religião é um dos refreadores do instinto que o homem criou para perpetuar sua cultura. O aspecto particular da religião como reflexo da consciência moral é reconhecido por Freud. Escreve que uma de suas funções é tentar “corrigir as tão dolorosamente sentidas imperfeições da cultura”. Argumenta o autor

“que sofremos de neuroses da infância que são naturais e derivam das condições exteriores e da falta de carinho”. Afirma que a religião elimina a maioria daquelas neuroses a custo de desenvolvimento da neurose que ele considerava como “a neurose universal”, a neurose mais comum, da qual “era difícil de se libertar, em oposição às neuroses tratáveis da infância”, que ele considerava curáveis.

A psicanálise, a semiologia e a teoria da comunicação podem ser sistematizadas e integradas de uma maneira metódica e ao mesmo tempo prática no cotidiano da clínica psicanalítica. Em princípio tudo parece se opor à linguística e à psicanálise, o linguista ao psicanalista, e parece que ambos não nasceram para se encontrarem ou mesmo para se entenderem. O psicanalista visa uma ação terapêutica por definição diferente e estranha ao linguista, porém ambos escutam, embora cada um tenha a “escuta” a seu modo. O linguista se preocupa em escutar de forma objetiva entre as variantes das ligações ou a diversidade dos modos de formação neológica, enquanto o psicanalista deve ter uma escuta

diferenciada, praticando a fórmula proposta por Freud, a “Atenção Flutuante”, com seu

“terceiro ouvido” (Reik). Sua escuta deve ser sensível àquilo que “não é dito”, ou que se

“diz mal”, ou reconhecendo nos “atos falhos” os verdadeiros atos bem sucedidos, aquilo que provém do inconsciente.

Nas teorizações iniciais de Freud, ao criar a psicanálise, assim como Karl Abraham, os mitos são usados para demonstrar a existência de desejos, pulsões, e instintos. Eles são criados como ressonadores de desejos que precisam permanecer escondidos na mente humana e produtora, pelo mesmo processo de sonhos devaneios, fantasias (inconscientes) e da arte. Todos eles são considerados “formação de compromisso” e

“formações substitutivas”, cuja função é dissimular as verdadeiras motivações das pulsões, buscando algum modo de descarrega-las. Num segundo momento da obra de Freud, os mitos são compreendidos como modelos de subjetivação.

Freud foi um grande admirador e estudioso das fontes mais primitivas da evolução do homem: a mitologia, a filosofia e a literatura antiga. Ao iniciar a psicanalise, ele começou descobrindo o “poder mágico” simbólico da palavra. A clínica freudiana verifica em que medida os afetos e as representações estão ligadas a complexos laços simbólicos, bem como, a expressão verbal opera nesse emaranhado de coisas. A linguagem é a condição do inconsciente na estruturação da subjetividade humana. O sujeito se constrói a partir da fala dirigida ao Outro, organizando seu corpo, seu desejo e seus vínculos.

As mensagens inconscientes, por exemplo, seriam essas auto-mensagens que o sujeito codifica por si mesmo e que depois não sabe mais decodificar. Dentro dessa perspectiva, o psicanalista trabalha a título de intérprete entre o inconsciente, emissor que transmite em cifra, e o pré-consciente, receptor que não pode decriptar essa cifra sob pena de experimentar desprazer. Na patologia da comunicação do paciente psicanalítico, vemos fenômenos de codificação ou de decodificação patológicas ligadas a uma delimitação incorreta de classes significantes e de classes significadas; o que tem como consequência uma pragmática incorreta da comunicação.

O paciente psicanalítico se põe em comunicação patológica, de um ponto de vista pragmático, com seus objetos - na transferência, com seu analista -, na medida em que as classes significantes de seu código informativo, equivalentes às “representações de palavras”, segundo Freud, e as classes significadas desse mesmo código ou

“representações das coisas”.

Foi através dos trabalhos de Melanie Klein, Hanna Segal, Wilfred R. Bion e outros autores da escola inglesa, bem como, através dos escritos de Jacques Lacan, André Green, Jean Laplanche e outros autores da escola francesa, que progressivamente surgiu

a consciência da importância de que se revestem os símbolos e os signos na teoria e na prática psicanalíticas. E isto a tal ponto, que acabaram surgindo como domínio específico das pesquisas e modificações constitutivas do trabalho do psicanalista.

6. Semiologia psicanalítica, fundamentos para a clínica

Freud valorizou os mitos, as lendas, os contos de fadas e as narrativas do homem primitivo supondo que poderia revelar uma verdade humana imutável, atemporal, pois “num certo sentido, ele (o homem pré-histórico) ainda é nosso contemporâneo”, assegura o autor. Nesse sentido, sua obra “Totem e Tabu" (1913) constitui uma psicologia social vista segundo uma ótica psicanalítica, que se assemelha a uma "semiologia psicanalítica", lembrando a semiologia saussuriana, aparentemente sem possuir suas raízes no pensamento de Saussure (1916). Nesta obra, Freud considerou-a como uma de suas pesquisas favoritas. Pergunta-se, o que é um totem? Freud caracteriza o “totem” como sendo o “antepassado comum do clã”, como uma “significação mitológica”. Ao mesmo tempo afirma ser “um espirito guardião e auxiliar, que lhe envia oráculos e, embora perigoso para outros, reconhece e poupa seus próprios filhos”.

Os mitos remeterão às religiões, eles se situarão na origem das instituições religiosas. Uma lei mitológica de transformação faria dos “totens” (mitos) originários de um primeiro tempo, os “tabus” (sagrado) de um segundo tempo. Quando ocorrer a ausência da transformação, permanece a conservação do mito. Freud (1913) proporá também uma psicologia dos povos primitivos a partir de uma comparação entre esta, "como é vista pela antropologia social, e a psicologia dos neuróticos, como foi revelada pela psicanálise".

Essa ideia de uma psicologia dos povos primitivos revelaria uma aproximação da semiologia de Saussure (1916), concebida como sendo "uma parte da Psicologia social".

Wundt e Jung serviram de ponto de partida, entretanto, eles também serviram de referência para se diferençar e marcar a identidade dessa obra. Freud (1913) afirma que fará: "uma comparação entre a psicologia dos povos primitivos, como é vista pela antropologia social, e a psicologia dos neuróticos, como foi revelada pela psicanálise"; ao contrário do que fará Jung, que valorizará a psicologia individual explicada pela psicologia coletiva.

Freud interrogou-se a partir do domínio da psicologia social e da psicanálise sobre o sentido do signo "mito": " Você imagina o que podem ser os 'mitos endopsíquicos'?" Os

"mitos endopsíquicos", a "psico-mitologia", serão assim valorizados como linguagem humana, "popular", atemporal, remetendo a um duplo fenômeno: social, por um lado, e o inconsciente, por outro, posto que os mitos são "vestígios deformados de fantasmas

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