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Semiologia psicanalítica, fundamentos para a clínica

No documento CURSO DE PSICANÁLISE TEORIA PSICANALÍTICA (páginas 25-30)

prática psicanalíticas. E isto a tal ponto, que acabaram surgindo como domínio específico das pesquisas e modificações constitutivas do trabalho do psicanalista.

6. Semiologia psicanalítica, fundamentos para a clínica

Freud valorizou os mitos, as lendas, os contos de fadas e as narrativas do homem primitivo supondo que poderia revelar uma verdade humana imutável, atemporal, pois “num certo sentido, ele (o homem pré-histórico) ainda é nosso contemporâneo”, assegura o autor. Nesse sentido, sua obra “Totem e Tabu" (1913) constitui uma psicologia social vista segundo uma ótica psicanalítica, que se assemelha a uma "semiologia psicanalítica", lembrando a semiologia saussuriana, aparentemente sem possuir suas raízes no pensamento de Saussure (1916). Nesta obra, Freud considerou-a como uma de suas pesquisas favoritas. Pergunta-se, o que é um totem? Freud caracteriza o “totem” como sendo o “antepassado comum do clã”, como uma “significação mitológica”. Ao mesmo tempo afirma ser “um espirito guardião e auxiliar, que lhe envia oráculos e, embora perigoso para outros, reconhece e poupa seus próprios filhos”.

Os mitos remeterão às religiões, eles se situarão na origem das instituições religiosas. Uma lei mitológica de transformação faria dos “totens” (mitos) originários de um primeiro tempo, os “tabus” (sagrado) de um segundo tempo. Quando ocorrer a ausência da transformação, permanece a conservação do mito. Freud (1913) proporá também uma psicologia dos povos primitivos a partir de uma comparação entre esta, "como é vista pela antropologia social, e a psicologia dos neuróticos, como foi revelada pela psicanálise".

Essa ideia de uma psicologia dos povos primitivos revelaria uma aproximação da semiologia de Saussure (1916), concebida como sendo "uma parte da Psicologia social".

Wundt e Jung serviram de ponto de partida, entretanto, eles também serviram de referência para se diferençar e marcar a identidade dessa obra. Freud (1913) afirma que fará: "uma comparação entre a psicologia dos povos primitivos, como é vista pela antropologia social, e a psicologia dos neuróticos, como foi revelada pela psicanálise"; ao contrário do que fará Jung, que valorizará a psicologia individual explicada pela psicologia coletiva.

Freud interrogou-se a partir do domínio da psicologia social e da psicanálise sobre o sentido do signo "mito": " Você imagina o que podem ser os 'mitos endopsíquicos'?" Os

"mitos endopsíquicos", a "psico-mitologia", serão assim valorizados como linguagem humana, "popular", atemporal, remetendo a um duplo fenômeno: social, por um lado, e o inconsciente, por outro, posto que os mitos são "vestígios deformados de fantasmas

(inconscientes) dos desejos comuns a nações inteiras", e "eles representam os sonhos seculares da jovem humanidade". Os mitos são destacados ao lado das religiões, situando-se na origem das instituições religiosas.

Essa amostra de estudo é assim definida por Freud: "as tribos que foram descritas pelos antropólogos como sendo dos selvagens mais atrasados e miseráveis, os aborígenes da Austrália (...) considerados uma raça distinta, sem apresentar relação física nem linguística com seus vizinhos mais próximos, os povos melanésio, polinésio e malaio".

Nessa sociedade primitiva, aparentemente sem vínculo com as sociedades atuais, o autor sublinha a inexistência de instituições religiosas e o papel do sistema de totemismo que as substitui. Ele escreve a esse propósito: "É altamente duvidoso que se lhes possa atribuir qualquer religião moldada na adoração de seres superiores (....). Entre os australianos, o lugar das instituições religiosas e sociais que eles não têm é ocupado pelo sistema do 'totemismo'" (FREUD, 1913).

O "totem", enquanto "mito", será regido pelas leis da mitologia e, assim, terminará por se transformar em "tabu". O conjunto desses dois aspectos remete aparentemente a uma contradição. Freud afirma que, por um lado, os totens são mitos originários, objetos de veneração que, apesar das aparências, não cessam nunca de existir. Permanecem vivos ainda que escondidos "no que foi considerado como uma forma inferior e finalmente desprezível" (o tabu) parece que, por outro lado, os totens, como "objetos de (...) veneração, se transmudam em objetos de horror" (os tabus). Portanto, os tabus que caracterizam o pensamento religioso se fundam nas transformações dos mitos, que são os totens.

As religiões como cultos rendidos a Seres superiores e às suas restrições morais e em oposição aos mitos, ao animismo, nos quais se observa o culto livre do homem aos seus pares, surgem num segundo momento da história da raça humana. As religiões como os tabus, tem sua origem, no tempo dos “totens-mitos” que se tornaram “inconscientes”

após recalcados ao longo de um segundo tempo religiosos. Os tabus caracterizam o pensamento religioso e se fundam nas transformações dos mitos que são os totens. Freud aborda a questão do surgimento das religiões, posterior aos mitos, no contexto de uma psicologia do desenvolvimento dos sistemas intelectuais, das concepções do mundo, na história do homem. Afirma que “a raça humana (...) desenvolveu, no decurso das eras, três desses sistemas de pensamento - três grandes representações do universo: animista (ou mitológica), religiosa e científica”.

Em “Totem e Tabu” (1913) e em “O Futuro de uma Ilusão” (1927) Freud escreve sobre o fenômeno religioso e enfatiza a imagem paterna que esta por trás da figura de

Deus. O sentimento de desamparo, experiência na infância que é inerente a todo ser humano, é o que o move a procurar a religião. O pai de “Totem e Tabu” era o pai todo-poderoso, não castrado que tinha todas as mulheres para si. Ele foi alvo da hostilidade dos filhos que o mataram. Para se apropriarem das marcas de sua onipotência e assumirem seu lugar, o comem num banquete canibalesco. Posteriormente, os filhos descobrem que amavam o pai. Esse amor se transformou em sentimento de culpa e a palavra do pai se converteu em lei simbólica. Com o arrependimento e a culpa eles realizaram um culto através do qual a dívida seria honrada pela rendição à instituição simbólica da proibição do incesto. E Freud (1912) assim escreve “este crime esta destinado a dar origem a toda a civilização futura, foi o ato criminoso memorável com o qual começaram a organização social, as restrições morais e religiosas”.

Em o “Futuro de uma Ilusão”, Freud defendia que o homem é um “ser de desejo”, antes de ser um “ser da razão”. O ser humano é uma instância pulsional marcado e dividido pelo conflito. A cultura fundamenta-se sobre as bases da renuncia pulsional. Os indivíduos possuem atitudes hostis a ameaçarem a cultura. Apesar das frustrações das interdições, estas são necessárias. O valor universal da crença marca as religiões. Elas se organizam e exercem certo controle social sobre seus ambientes e fora deles. Criam sanções e proibições a serem seguidas por todos.

A psicologia das neuroses e as grandes produções sociais, considerando a semelhança entre religião e tabu é comparada por Freud. Ele aproxima as neuroses obsessivas das religiões e dos tabus. Os tabus constituem uma característica comum das neuroses obsessivas e das religiões, afirmando que “o tabu assemelha-se muito estreitamente ao medo de contato do neurótico, com sua fobia de contato”. Através dessa comparação, o autor pressupõe a compreensão da natureza da relação entre as diferentes formas de neuroses e instituições culturais, assim como o estudo da psicologia das neuroses é importante para a compreensão do desenvolvimento da civilização.

As neuroses “apresentam pontos de concordância notáveis e de longo alcance com as grandes instituições sociais, a arte, a religião e a filosofia” afirma Freud (1913).

Entretanto, segue o autor, estas “parecem como se fossem distorções delas”. Ele compara o caso da histeria, afirmando que esta “é uma caricatura de uma obra de arte”;

uma neurose obsessiva “é uma caricatura de uma religião”; e um delírio paranoico “é a caricatura de um sistema filosófico”. O psiquismo é uma formação intermediária entre o corpo biológico e o campo social, e o inconsciente, objeto de estudo da psicanálise, não existe no vazio.

Freud, nesse mesmo artigo, baseado em hipóteses cientificas dos etnólogos de sua época, reconstrói o mito da morte do “Pai primitivo” e vê nele as origens da mais antiga forma de religião, o “totemismo”, bem como a moral e a vida social. Ele retoma a questão do incesto, enunciada anteriormente como experiência estruturante do individuo e das neuroses. O autor demonstra que o “desejo do incesto” esta presente em todas as sociedades e que o mesmo é fundador da exogamia, colocando-o no centro organizador da cultura. Freud lança a ideia da necessidade de haver uma força repressora, uma interdição, ditada e mantida por uma instância capaz de manter essa lei e que funciona como um obstáculo para a descarga pulsional, assevera Bento (2007).

Inspirado no mito de Édipo, Freud descreveu a “função paterna” como estruturante do psiquismo através do Complexo de Édipo. A lei foi atribuída ao pai, um pai potente que intervém na relação mãe/filho, privando a mãe de seu objeto e colocando limite no gozo desmedido. O pai está inscrito no psiquismo da mãe, em sua experiência edípica com seu próprio pai, e em sua vivência amorosa com seu parceiro. O pai é um operador simbólico, ele ordena uma função estruturante do ponto de vista do inconsciente. O pai da realidade é o representante do “pai simbólico” e depositário de uma lei que vem de outro lugar. Freud atribui ao pai de alteridade, um “modelo para todos”, um pai soberano, ideal, um grande Outro da linguagem, que Lacan denominou de “Nome-do-Pai”.

O sujeito, em especial o neurótico, faz uma tentativa de manter o pai no lugar do sagrado, na esperança de recuperar sua autoridade que é posta em questão nas configurações familiares atuais. As famílias tem experienciado mudanças radicais: valores, identidades e comportamentos, ao logo do tempo. Modificações nas formas de procriação, o ato sexual deixou de ser a única forma de fertilização; mudanças na maneira de criação dos filhos, bem como, crescente demanda de modificações da identidade sexual.

As consequências decorrentes dessas modificações não produzem problemas mais sérios do que os que já existiam em relação à subjetivação do individuo pela falta de um pai de família. Não é a presença do pai que faz a diferença, mas sim que o sujeito seja reconhecido pela “palavra do outro”. Portanto, não importa que haja carência paterna por esse pai ser enfraquecido demais ou faltar. “O essencial é que o sujeito, seja por que lado for, tenha adquirido a dimensão do Nome-do-Pai”, afirma Lacan (1957).

O ponto de apoio por excelência para a construção de uma “Semiologia Psicanalítica” a partir de Lacan foi à linguística saussuriana e o retorno a Freud, devido à analise do inconsciente freudiano segundo o método estruturalista. A célebre hipótese marcadamente da essência de seu pensamento foi a de que o “inconsciente é estruturado como linguagem”. Essa célebre hipótese marcou a essência do pensamento lacaniano e

encontra-se, especialmente colocada em evidência no seu trabalho intitulado “A instância da letra no inconsciente ou a razão desde Freud”, (LACAN, 1966ª). O autor assim escreve

“Nosso título deixa claro que, para-além dessa fala, é toda a estrutura da linguagem que a experiência psicanalítica descobre no inconsciente.”

O fundamento teórico dessa hipótese lacaniana tem seu primeiro fundamento em Saussure, particularmente na linguística que esse autor propõe e não na semiologia. Lacan afirma que a linguística é “o estudo das línguas existentes em sua estrutura e nas leis que nela revelam”, e segue em seu posicionamento dizendo que “o que deia fora (...) qualquer semiologia mais ou menos hipoteticamente generalizada”. O autor valoriza a linguística em sua “posição-piloto” no que concerne o estudo da linguagem, porque “a linguagem (...) efetivamente (conquistou), na experiência, seu status de objeto cientifico”, em oposição a

“qualquer semiologia mais ou menos hipoteticamente generalizada.”

A noção de “signo” é essencial para Lacan, porque separa entre o significante e o significado representada por uma barra que simboliza “uma barreira resistente à significação”, evocará a ideia de um significado oculto inconsciente. O signo, tal como se apresenta em Saussure, tornaria então possível “um estudo exato das ligações próprias do significante e da amplitude da função destas na gênese do significado”, isto é, uma abordagem psicanalítica tendo como ideal último encontrar a significação inconsciente original, a qual se situa “muito além do debate relativo (ao arbitrário) do signo”.

No Seminário, “Escritos”, Lacan expressa que o inconsciente a partir de Freud “é uma cadeia de significantes que em algum lugar, numa outra cena”, escreve ele, “se repete e insiste, para interferir nos cortes que lhe oferece o discurso efetivo e a cogitação a que ele dá forma”, enquanto Carvalho (2009) afirma que “a realidade para qualquer ser é um conhecimento absoluto que abrange com o formato de uma coerência harmoniosa toda a multiplicidade dispersa e contraditória de uma aparência sensível.” E segue apontando que

“isso acontece a partir dos processos ditos semiológicos e neles o signo, isto é, aquele fator em que se juntam significantes e significados, sendo o significante a representação psíquica do como os nossos sentidos percebem e o significado, o conceito que lhe seja atribuído.”

Neste estudo há uma tentativa de fundamentar uma operacionalidade da psicanálise, com contribuições da semiologia e da teoria da comunicação, com vistas a uma estratégia terapêutica que possibilite cobrir os níveis da ação analítica. Cria modelos que permitam re-orientações pragmáticas no sentido de facilitar, ao analista, uma visão mais abrangente da problemática que lhe é exposta pelo paciente. A compulsão à repetição, localizada a partir das estruturas narrativas, é possível de ser detectada e

traduzida operacionalmente através do material fornecido pelo paciente ao analista, isto em um sistema de signos passível de codificação e consequente sistematização.

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